Continuação: Paulo Maluf é condenado
4 de janeiro de 1999, 23h00
Nesse sentido, extrai-se parte da conclusão contida no relatório da C.P.I. instaurada para verificação do ocorrido, trazendo-se a colação o seguinte trecho, o qual foi utilizado na decisão proferida nos autos 672/97, da labra do eminente magistrado Dr. Pedro Aurélio Pires Maríngolo:
“…Não se pode, porém, imputar toda a responsabilidade pelo prejuízo de 11,6 milhões causado ao erário paulista ao então secretário das Finanças do Município (e seu sucessor a partir de maio de 1996) e a seus assessores. Se bem que a perda se deu por opção do próprio Secretário, esse, sendo ocupante de cargo em confiança do Prefeito, compartilha com o chefe do Executivo da responsabilidade dos seus atos danosos ao Município.
A doutrina e a jurisprudência do Direito Administrativo consagraram o princípio da responsabilidade objetiva, que afeta os superiores hierárquicos, quando a esses cabe a nomeação e o controle dos atos dos subordinados.
Caberia, portanto, ao então prefeito, sr. Paulo Salim Maluf, o dever de coibir abusos ou irregularidades perpetradas em detrimento da coisa pública, inclusive adotando, em tempo hábil os procedimentos administrativos de controle prévio, concomitante e posterior, e, ainda, instaurando, sendo o caso (como de fato o foi) as devidas sindicâncias e os inquéritos administrativos aplicáveis aos atos danosos ao tesouro.
O exemplo de operação prejudicial ao patrimônio paulista foi denunciado durante a campanha eleitoral para a Prefeitura, na gestão do sr. Paulo Maluf, o que teve como conseqüência, não o devido processo legal, mais sim a tentativa de acobertar as ilicitudes, e de apoiar a candidatura à sua sucessão do ex-secretário das Finanças, o que demonstra prevaricação, ou até, seu envolvimento pessoal nos fatos.
Há que se ressaltar a enorme quantidade de cheques da Perfil e da Negocial para empresas de plásticos, produtos gráficos, produção de artes, propagandas e de aluguel de telefones, em São Paulo, o que evidencia provável utilização dos recursos em campanhas eleitorais”.
Desse modo, percebe-se que o então prefeito, sr. Paulo Salim Maluf, poderia ter agido de maneira eficaz para evitar o relatado nestes autos, porém, pelo que se depreende, permaneceu inerte, deixando que essas operações financeiras fossem realizadas pelo menos três anos e meio de seu governo, que é de conhecimento geral foi de quatro anos.
Assim, praticamente durante todo o exercício de seu mandato seus subordinados na área financeira, encontravam-se agindo da maneira descrita nos autos, realizando operações financeiras envolvendo títulos públicos, as quais acarretaram grande prejuízo ao erário público municipal.
Ora, em boa verdade, repita-se, a inércia da autoridade administrativa, deixando de executar determinada prestação de serviço a que por ele está obrigada, lesa o patrimônio jurídico individual, isto porque, repita-se novamente se houve omissão (atividade negativa) é porque, logicamente, havia antes um dever jurídico de agir (atividade positiva).
Constata-se que o sr. prefeito municipal de então, o co-requerido Paulo Salim Maluf, detinha o poder de fiscalização e controle em relação aos seus subordinados, ou seja, poderia ter exercido qualquer tipo de fiscalização e controle sobre os atos praticados pelo sr. Secretário das Finanças, não podendo sequer alegar falta de tempo, para tentar se eximir das conseqüências de sua inércia.
Com efeito, consoante já afirmado as operações foram realizadas durante quase todo o exercício de seu mandato, sendo inconcebível a inexistência de qualquer fiscalização pelo superior hierárquico, sr. prefeito municipal, mormente no que tange as finanças públicas.
Cumpre consignar que as operações foram comprovadas documentalmente, sendo que nestes autos discute-se as transações ocorridas em 01 de dezembro de 1994 e 21 e 29 de novembro de 1995, ressaltando-se que todas as operações foram devidamente analisadas pela decisão proferida nos autos 672/97, perante a 12º Vara da Fazenda Pública da Capital, a qual levou em consideração o Relatório final da C.P.I. instaurada para verificação do ocorrido, tomando-se, portanto, como base de fundamentação desta decisão.
Primeiramente, é de se ressaltar que é permitido através de dispositivo constitucional (artigo 33, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias) a emissão de Letras Financeiras do Tesouro do Município com o objetivo de saldar os débitos judiciais, denominados de precatórios, tendo o Município de São Paulo criado um Fundo de Liquidez para coordenar as transações envolvendo esses títulos a fim de garantir sua liquidez no mercado.
No caso vertente, as operações descritas nos autos, as quais envolveram alguns lotes desses títulos, acarretaram prejuízos ao erário público municipal.
De fato, verifica-se que em 1º de dezembro de 1994, o então secretário das Finanças autorizou o Banespa S/A – Corretora de Câmbio e Títulos a efetuar a venda de lotes das denominadas Letras Financeiras do Tesouro do Município de São Paulo. Os títulos foram “vendidos” pela importância de R$ 51.743.651,50 e, no mesmo dia, foram recomprados pela Municipalidade pela importância de R$ 53.504.676,15, havendo, assim, uma diferença no montante de R$ 1.761.024,65. Contudo, observa-se que mencionada venda somente ocorreu “no papel”, isto porque o aludido lote de títulos, o qual se encontrava no início da transação com o Fundo de Liquidez da Dívida Pública Municipal, criado com o objetivo de coordenar as operações envolvendo as L.F.T.M., com ele permaneceu após a negociação, ocorrendo a transferência da quantia apontada como diferença do aludido Fundo de Liquidez para a co-requerida Contrato DTVM ltda.
Qualquer pessoa, mesmo que não seja “expert” em finanças pode concluir que em caso de ser efetuada a venda de determinado bem por um preço muito baixo e, longo em seguida, realizada sua recompra por um valor bem superior, acarretará prejuízos, inclusive para si próprio, restando, portanto, singelo e sem maior complexidade esse raciocínio, comprovando-se, assim, a lesividade ao erário público dessa operação financeira.
No que tange às operações ocorridas nos dias 21 e 29 de novembro de 1995, constata-se também a ocorrência de lesividade aos cofres públicos.
Com efeito, é certo que a venda e recompra de um outro lote de títulos não ocorreu nesse caso, no mesmo dia, havendo um lapso temporal de pelo menos nove dias.
Todavia, mesmo assim, prejuízos ocorreram.
De fato, nota-se que durante esse lapso temporal os títulos foram transacionados com vários intermediários, culminando por retornarem à Municipalidade, logicamente compradas por um valor superior ao da venda realizada dias antes.
Não há como se aceitar que a alegação de que as operações foram negociadas em taxas compatíveis com as do mercado, isto porque para o período a taxa SELIC acumulada (taxa de juros divulgada pelo Banco Central e aplicável a esses títulos) foi inferior a 1% e a transação descrita obteve a taxa de 8,06%, havendo, assim, um custo adicional quando da recompra dos títulos, que obviamente foi pago pelo erário público em flagrante desrespeito aos princípios da legalidade e da moralidade, acarretando, repita-se mais uma vez, prejuízos ao patrimônio público Municipal que, em última análise, foi repassada ao cidadão e pelo contribuinte paulistano.
Assim, observa-se que as transações foram ilegais e lesivas ao patrimônio público, encontrando-se preenchidos os requisitos necessários para a propositura e procedência da Ação Popular, sendo pertinente trazer-se à colação os ensinamentos do mestre Hely Lopes Meirelles, “in verbis”: “Ilegalidade ou ilegitimidade do ato a invalidar, isto é, que o ato seja contrário ao Direito, por infringir normas específicas que regem a sua prática ou por se desviar dos princípios gerais que norteam a Administração Pública. Não se exige a ilicitude do ato na sua origem, mas sim a ilegalidade na sua formação ou no seu objeto. Isto não significa que a Constituição vigente tenha dispensado a ilegitimidade do ato. Não. O que o constituinte de 1998 deixou claro é que a Ação Popular destina-se a invalidar atos praticados com ilegalidade de que resultou lesão ao patrimônio público. Essa ilegitimidade pode provir de vício formal ou substancial, inclusive desvio de finalidade, conforme a Lei regularmente enumera e conceitua em seu próprio texto” (“Mandado de Segurança, Ação Popular, Ação Civil Pública, Mandado de Injunção e Habeas Data, 13ª edição, Editora RT, São Paulo, 1991, pág. 90).
É certo que “o limite de poder é, por definição, um limite à ação discricionária, um freio ao transbordamento da competência legal além de suas fronteiras, de modo a impedir que a prática do ato administrativo, calcada no poder de agir do agente, possa dirigir-se à consecução de um fim de interesse privado, ou mesmo de outro fim público estranho à previsão legal”, nas palavras de Caio Tácito (“O Desvio de Poder no Controle dos Atos Administrativos, Legislativos e Jurisdicionais”, RDA 188/2, grifei).
Desse modo constata-se que as operações realizadas extrapolaram em muito o poder discricionário do Administrador, tendo o chefe do Poder Executivo Municipal se omitido durante praticamente toda a sua gestão no que tangem à apuração dos fatos que envolveram as transações financeiras, sendo certo que estas não ocorreram uma única vez, mas sim em inúmeras e diversas oportunidades, durante aproximadamente três anos e meio, devendo, portando, o então prefeito municipal, o ora co-requerido sr. Paulo Salim Maluf ser responsabilizado pela sua omissão, a qual também acarretou prejuízos ao erário público.
Com relação à co-requerida Banespa S/A – Corretora de Câmbio e Títulos, constata-se que nenhuma participação lesiva teve no desenrolar das negociações.
De fato, mencionada Corretor era gestora do Fundo de Liquidez, agindo mediante requisição do então secretário municipal das Finanças, tendo por diversas vezes alertando-o acerca dos prejuízos que poderiam advir das negociações, desaconselhando-o de realizar as vendas dos lotes LFTM pelos valores solicitados.
Destarte, em decorrência do Contrato de Administração do Fundo de Liquidez dos Títulos do Município de São Paulo, firmado entre a Prefeitura do Município de São Paulo e o Banespa S/A – Corretora de Câmbio e Títulos, esta última agiu como mandatária em cumprimento às ordens emanadas pelo então secretário municipal das Finanças, não tendo, no entanto, repita-se, permanecido inerte como o então sr. prefeito municipal, ao constatar irregularidades nas transações financeiras, alertando acerca da lesividade das operações sempre que possível, não havendo, portanto, qualquer vínculo, devendo ser excluída da presente ação.
Por derradeiro, observa-se que o pedido inicial solicita a invalidação das operações, bem como o ressarcimento dos prejuízos ao erário público consoante apurado em futura fase de liquidação.
Ora, em boa verdade, tratando-se de prejuízo oriundo dessas negociações, é de se ter como certo os valores descritos nos autos advindos da documentação encartada, ou seja, o prejuízo referente à operação realizada no dia 1º de dezembro de 1994 é no importe de R$ 1.761.024,65 e com relação à transação ocorrida nos dias 21 e 29 de novembro de 1995, o prejuízo é no montante de R$ 773.869,36 (fls. 544 e 551), perfazendo o total de R$ 2.534.894,01, não havendo que se falar em alteração do pedido, uma vez que havendo possibilidade a sentença deverá sempre ser líquida e certa.
Assim, mister se faz a procedência da presente ação somente com relação ao co-requerido Paulo Salim Maluf e a extinção sem julgamento do mérito com relação aos demais.
Ante o exposto, por esses fundamentos e por tudo o mais que dos autos consta:
a)Declaro extinto o processo sem julgamento do mérito, com fundamento no artigo 267, VI (falta de interesse de agir pela perda de objeto), do Código de Processo Civil estes autos da Ação Popular oferecidos por Devanir Ribeiro, Maurício Faria Pinto, Ítalo Cardoso Araújo, Henrique Sampaio Pacheco, Aldaíza Sposatti, José Mentor Guilherme de Mello Netto, Francisco Whitaker Ferreira, José Eduardo Martins Cardoso, Adriano Diogo, Sérgio Ricardo Silva Rosa, Odilon Guedes Pinto Júnior, Carlos Alberto Rolim Zarattini e José Américo Ascênsio Dias em fase de Celso Roberto Pitta do Nascimento, Municipalidade de São Paulo e Contrato – Distribuidora de Títulos e Valores Mobiliários Ltda, arcando, cada parte, com suas respectivas custas, despesas processuais e honorários advocatícios, em face da ocorrência de fato superveniente à propositura da presente ação.
b) Declaro extinto o processo sem julgamento do mérito, com fundamento no artigo 267, VI (ilegitimidade de parte) do Código de Processo Civil estes autos de Ação Popular oferecidos por Devanir Ribeiro, Maurício Faria Pinto, Ítalo Cardoso Araújo, Henrique Sampaio Pacheco, Aldaíza Sposatti, José Mentor Guilherme de Mello Netto, Francisco Whitaker Ferreira, José Eduardo Martins Cardoso, Adriano Diogo, Sérgio Ricardo Silva Rosa, Odilon Guedes Pinto Júnior, Carlos Alberto Rolim Zarattini e José Américo Ascênsio Dias em face do Banespa S/A – Corretora de Câmbio e Títulos, arcando, cada parte, com suas respectivas custas, despesas processuais e honorários advocatícios, isto porque a co-requerida ingressou nos autos na qualidade de terceira, em face do chamamento ao processo solicitado pela Municipalidade de São Paulo, contra a qual a demanda perdeu seu objeto.
c) Julgo procedente a presente Ação Popular movida por Devanir Ribeiro, Maurício Faria Pinto, Ítalo Cardoso Araújo, Henrique Sampaio Pacheco, Aldaíza Sposatti, José Mentor Guilherme de Mello Netto, Francisco Whitaker Ferreira, José Eduardo Martins Cardoso, Adriano Diogo, Sérgio Ricardo Silva Rosa, Odilon Guedes Pinto Júnior, Carlos Alberto Rolim Zarattini e José Américo Ascênsio Dias em face de Paulo Salim Maluf, declarando inválidas as operações descritas no pedido inicial, condenando o requerido ao ressarcimento dos prejuízos sofridos pelo erário público municipal no importe de R$ 2.534.894,01, quantia essa a ser atualizada monetariamente em duas fases distintas, a primeira no importe de R$ 1.761.024,65 a partir de 1º de dezembro de 1994 até a data do efetivo pagamento e a segunda no valor de R$ 773.869,36 a partir de 29 de novembro de 1995 até a data do efetivo pagamento, acrescida no mais de juros de mora de 6% ao ano a partir da citação. Em razão da sucumbência, condeno ainda o requerido ao pagamento das custas e despesas processuais dos autores-populares, atualizadas desde o desembolso, bem como em honorários advocatícios que fixo em 10% sobre o valor atualizado dado à causa.
Transcorrido o prazo para interposição de eventual recursos voluntário, subam os autos para o reexame necessário.
Ciência ao Ministério Público,
São Paulo, 30 de dezembro de 1998
Maria de Fátima dos Santos Gomes
Juíza de Direito
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