Reflexões sobre a crise no Judiciário
10 de junho de 1998, 0h00
Efeito vinculante, controle externo da Magistratura, aposentadoria (precoce) de magistrados, aumento de seus vencimentos, extinção do vocalato na Justiça do Trabalho, avocatória, e condições de trabalho do profissional do direito.
Estes temas são, sem a menor dúvida, polêmicos, e as diversas propostas a eles concernentes possuem inúmeras justificativas técnicas, mas todas, sem exceção, apontam um equívoco que vem sendo historicamente reiterado:
Os denominados “vícios” da chamada Reforma Judiciária não devem ser restritos ao Judiciário, mesmo porque os temas em questão pertencem à sociedade civil.
Vejamos porque:
Discute-se muito, atualmente, os atuais problemas do Poder Judiciário, e aqui, especificamente, propomo-nos a comentá-los sob o prisma da Justiça do Trabalho, amparada na Consolidação das Leis do Trabalho, criada em 1943, de inspiração corporativista, que hoje clama por reformas – urgentes – haja vista a atual crise no Judiciário, que vem repercutir diretamente no jurisdicionado, que, sem querer nem compreender as razões, ou seja, involuntariamente, acaba “por pagar o pato”.
As emendas de reformas constitucionais que atingirão as aposentadorias dos magistrados não são e não devem ser entendidas como solução para a crise do Judiciário, aliás, estampada, nos dias atuais, em todos os meios de comunicação.
S.M.J, trata-se de uma forma orquestrada de tentar, sem êxito, a nosso ver, desprestigiar a magistratura, e, por que não, o advogado?
O Exmo. Senhor Desembargador Prof. Dr. Dirceu de Mello, DD. Presidente do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo já afirmou que, em média, tem assinado dois pedidos de aposentadoria de juízes por dia.
Mais:
Completou ainda sua Excelência que 58 comarcas do Estado estão sem juízes.
Vale dizer, uma vez mais o jurisdicionado tem sobre si refletida a crise que hoje assola nosso mais digno e confiável do três Poderes: o Judiciário.
Entretanto, e qui plus est, além da aposentadoria precoce dos magistrados, temos a aposentadoria de parte significativa do quadro de serventuários da Justiça, funcionários de seu quadro de apoio, circunstância que sem dúvida alguma, vem reforçar a máxima que Justiça tardia nunca foi Justiça, mas injustiça.
O quadro sinistro, senão muito sombrio que se nos apresenta na Justiça do Trabalho não é diverso, pois cediço é que muitos pedidos de aposentadoria de juízes trabalhistas têm sido diariamente encaminhados e deferidos. Isto por quê?
Por conta do verdadeiro terrorismo das conseqüências de uma necessária reforma previdenciária, que veio apressar a corrida à aposentadoria no Judiciário.
Entretanto, e de forma equivocada, venia concessa, o cidadão comum, tem a falsa impressão, alimentada por uma mídia comprometida e interessada em enfraquecer o Judiciário, de que o juiz “ganha bem”.
Não, o juiz não ganha bem.
Ao contrário, seus vencimentos estão bastante aquém do que realmente – frise-se realmente – demandariam seu trabalho, a sua vocação, a sua dedicação, pois os vencimentos atuais dos juízes já não atraem mais os jovens e talentosos candidatos a magistrados.
Solução existe, e para que a população, o jurisdicionado e o profissional advogado não sofram ainda mais as conseqüências do quadro que aí está, urge que haja aprovação de reformas para aumentar os seus vencimentos.
Caso isso não ocorra, toda a estrutura do Poder Judiciário estará sendo comprometida, y compris a situação do próprio advogado, que milita e que também sofre (e como) com a morosidade da Justiça.
A título de exemplo, tão-somente, temos a recente entrevista do presidente da Associação dos Magistrados do Brasil (AMB), juiz Luiz Fernando Ribeiro de Carvalho, à Revista IstoÉ, edição de 08 de abril último.
Afirma sua Excelência que o salário inicial líquido de um magistrado é R$ 3,5 mil, em média.
Disse mais, que há 5 milhões de processos novos anuais, e só na Justiça do Trabalho, 2 milhões por ano.
Os juízes federais do Trabalho estão sem quaisquer aumentos em seus vencimentos há aproximadamente três anos.
Curiosamente, no entanto, na Justiça do Trabalho, há holleriths de diretores de Secretarias, apenas para exemplificar, que auferem vencimentos maiores do que aqueles percebidos pelos próprios juízes.
Contradição? Injustiça?
Ambos.
Não basta que se clame pela extinção do vocalato, cujos gastos representam a vultosa e expressiva cifra (não contestada pelas entidades de classe) de U$ 208 milhões de dólares por ano.
Evidente que uma economia desse porte e assim expressiva poderia ser alocada, por exemplo, à contratação de novos magistrados e mais funcionários. E todos ganhando salários justos, corretos, dignos.
O Exmo Senhor ministro do Trabalho recém-empossado, prof. Edward Amadeo, já nos adiantou reformas e projetos necessários e imprescindíveis, tais como a extinção da unicidade sindical, assim como a extinção do imposto sindical, providências que, sem dúvida, se de fato, levadas a efeito, trarão certo alento aos profissionais militantes na área, mas urge que se faça mais.
Porém, o ilustre professor afirmou também, a inexistência de crise de desemprego no País….
Com razão o ministro, pois crise não, há o próprio desemprego, que assume dia a dia proporções maiores.
A declaração de sua Excelência, concessa venia, vem de encontro ao verdadeiro caos do desemprego havido e conseqüente pós-real (não estamos criticando o Plano Real), mas impossível não se curvar ante as evidências advindas e originadas do Plano de Estabilização Econômica, responsável pelo desemprego e pelo mercado informal que assolam o Brasil da atualidade.
A realidade é diversa, infelizmente, senhor ministro, e a pasta do Trabalho (já tão desprestigiada) deveria sim pugnar pela adoção de leis que procurassem coadunar desemprego e mercado informal com normas adequadas, verdadeiramente úteis à sociedade.
E se defendemos melhores e mais dignos vencimentos aos magistrados, o que procuramos, na realidade, é dar-lhes um maior estímulo para melhor cumprir o já árduo mister de julgar.
Estimulados com vencimentos justos e condignos, teremos um Poder Judiciário mais forte.
E quanto à aposentadoria integral, trata-se, nada mais nada menos, que uma questão de direito adquirido.
Impõe-se que a Justiça do Trabalho seja tratada seriamente pelos governantes.
Impõe-se que o orçamento a ela destinado, notadamente ao Estado de São Paulo, seja condizente com suas reais necessidades, pois em um passado, não muito remoto, a Justiça do Trabalho de São Paulo recebia orçamento menor do que aquele destinado ao Estado de Pernambuco.
Afinal, aqui em São Paulo estão sediados os dois Tribunais Regionais do Trabalho mais importantes e mais movimentados em números de processo do País:
o Egrégio TRT da 2ª Região e o Egrégio TRT da 15ª Região, este com sede na cidade de Campinas.
O que não podemos aceitar é que uma reclamação trabalhista demore, em média, seis anos para ser solucionada, não havendo neste iter a conciliação entre as partes.
E o quer dizer das condições de trabalho do advogado militante?
Tomando-se como exemplo a Capital do Estado de São Paulo, temos a caótica realidade de falta de funcionários nas Secretarias das Juntas de Conciliação e Julgamento, temos o périplo a que é o advogado militante obrigado a percorrer nos cinco prédios que abrigam as 79ª Juntas da Capital, e que seria enfim resolvido este ano, mas recentemente as obras do novo Fórum Trabalhista da Barra Funda foram interrompidas sine die, por conta de uma Ação Civil Pública e auditorias diversas.
Eqüivale dizer: tão cedo os advogados não terão as mínimas e mais dignas condições de trabalho na Justiça Laboral da capital.
A Ordem do Advogados do Brasil, Secção Paulista, a maior e mais importante seccional do País certamente não fechará os olhos às condições de trabalho que hoje são “oferecidas” ao advogado militante, pois esta questão também e sobretudo afeta os dirigentes da classe, que devem estar sensíveis aos problemas diários de seus associados e não somente às questões institucionais.
Afinal, o advogado só conta com a OAB na defesa de seus interesses e prerrogativas.
Já no que respeita ao efeito vinculante, discute-se no Congresso Nacional a proposta de estender o efeito vinculante (que aliás já existe nas hipóteses de ações declaratórias de inconstitucionalidade, ex. vi., CF/88, art. 102, I, “a” e § 2) às declarações de inconstitucionalidade acima referidas e as determinadas matérias decididas pelo STF e pelo STJ, mediante consenso dos ministros de cada uma daquelas Cortes, expresso por quorum qualificado, nas áreas de suas respectivas competências.
O pragmatismo desta idéia é claro, salta aos olhos:
Esvaziar um pouco as prateleiras dos gabinetes dos ministros. Mas este não é o problema.
O efeito vinculante, na verdade, tolherá os juízes, e a persistir esta tese, no futuro, não mais haverá magistrados, mas autotextos pré-selecionados para cada caso.
E este tema relativo ao efeito vinculante, entretanto, e S.M.J., é mero paliativo, porquanto se existe acúmulo, este se deve, como se sabe (e não ignorado pelo governantes), em grande parte, à descabida insistência do próprio Governo que, ainda que convencido da pacífica e remansosa orientação jurisprudencial, na maior parte dos casos, resiste e recorre “para ganhar tempo”, amparado em um decreto do ex-presidente Geisel que proíbe a extensão de decisões judiciais, entre partes, a toda a Administração.
Mais uma inverdade. Este decreto existe para evitar evidente corrupção com vistas a beneficiar funcionários, quando, por exemplo, houver mera decisão isolada, calcada em tese ainda não consolidada.
Por outro lado, as dificuldades do chamado efeito vinculante serão enormes, pois o que se almeja, na verdade, com esta “cortina de fumaça” nada mais é que ocultar do cidadão comum os verdadeiros problemas que envolvem o Judiciário.
Um deles seria de ordem prática:
Se os juízes julgarem contra a súmula de efeito vinculante, nada mais restará às partes que recorrer ordinariamente, providência essa que acabará por preencher ainda mais a prateleiras já repletas de processos.
A segunda objeção seria de ordem doutrinária.
O juiz, de acordo com o sistema brasileiro, está jungido à lei.
Deve julgar de acordo com a lei, podendo levar até as últimas conseqüências o mandamento legal, consoante o amplo espectro disponível acerca da interpretação ou hermenêutica, não porém, a ponto de contrariá-lo.
O julgador não tem poderes para pensar novamente o que já foi pensado pelo legislador, embora não deva isolar a lei do restante do ordenamento jurídico, mas sim, harmonizá-la com ele e com os princípios gerais do Direito.
Se, entretanto, com todo este arsenal jurídico, não lograr ele, juiz, resolver o problema da prestação jurisdicional e de uma justiça razoável, não será por intermédio da súmula vinculante que os objetivos da Justiça serão atingidos.
· O argumento daqueles que defendem a Avocatória assemelha-se, data venia, a uma ação terrorista, pois quando da decisão proferida em qualquer juízo ou tribunal decorrer imediato perigo de grave lesão à ordem, à saúde, à segurança, ou às finanças públicas, o procurador-geral ou o advogado-geral da União poderiam requerer ao Supremo a avocação da causa, para que se lhe suspendam os efeitos, devolvendo-se o conhecimento da causa àquele Tribunal.
· Trata-se de recriminável “razão de estado”, em desprestígio da magistratura e do próprio direito.
Já quanto ao Controle Externo da Magistratura, todos clamamos por maior transparência nas decisões interna corporis do Poder Judiciário, mas propomos uma indagação:
Quem faria esse controle externo? O Legislativo? Membros da OAB? Quem? Esta questão deve ser mais discutida, e com maior seriedade, não devendo servir apenas de “bandeira, tampouco de chavão político” às circunstanciais e periódicas campanhas de classe.
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