Incompatibilidade das normas da compensação tributária
18 de fevereiro de 1998, 23h00
Indiscutível a atual relevância despendida acerca do tema da Compensação Tributária, já que os contribuintes frente a desburocratização do procedimento de ressarcimento de importâncias pagas indevidamente aos cofres públicos, proporcionada através deste instituto, vêm dele se utilizando amplamente como forma de capitalização de suas empresas.
Há décadas o contribuinte brasileiro vem sendo submetido a uma avalanche de medidas inconstitucionais por parte da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, que levaram a questionamentos judiciais acerca da legalidade da cobrança de determinados tributos, instando o Supremo Tribunal Federal a se manifestar no sentido de declarar a inconstitucionalidade de determinados dispositivos legais. Assim, referidas manifestações pela Corte Máxima vêm resultando na possibilidade concreta dos contribuintes virem a levantar créditos tributários ressarcíveis, provenientes de recolhimentos a maior no passado (Majorações do FINSOCIAL para as empresas comerciais e mistas, PIS recolhido nos termos dos Decretos-Leis 2.445/88 e 2.449/88,…).
Atrelado ao surgimento de créditos tributários em razão das decisões prolatadas pela Suprema Corte, deu-se a evolução do instituto da compensação, no que diz respeito a sua aplicabilidade no âmbito do Direito Tributário, relegando a repetição de indébito a um papel secundário.
Sendo definitivamente introduzida de forma inquestionável no campo tributário, através do artigo 66 da Lei nº 8.383/91, embora prevista de longa data no Direito Civil, a compensação de créditos tributários, enquanto exercida nos termos em que fora instituída, ou seja, realizada pelo contribuinte de forma administrativa/gerencial nos moldes de um lançamento por homologação, vem sendo alvo de ínumeras discussões administrativas e judiciais, que até aqui não resultaram num posicionamento definitivo.
Não obstante, foram introduzidas no ano de 1997, Instruções Normativas por parte do Secretário da Receita Federal (nº 21, 32 e 73), as quais vieram além de ratificar as disposições legais já existentes em matéria de compensação, possibilitaram uma ampliação da sua aplicabilidade mediante procedimentos internos da Repartição Pública, viabilizando sua realização entre créditos e débitos, inclusive os inscritos em dívida ativa, entre tributos de espécies distintas e até para quitação de débitos de terceiros.
Todavia, enquanto pensava-se que as discussões acerca da viabilidade da compensação se encerrariam, fomos surpreeendidos – embora de forma previsível – com uma verdadeira resistência por parte da Administração Pública que não vinha reconhecendo como créditos tributários compensáveis, os montantes recolhidos indevidamente em razão de dispositivos legais declarados inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal, ainda que de forma definitiva e aplicável a todos (efeito erga omnes), exigindo-se, para tanto, a existência de decisão judicial transitada em julgado do próprio contribuinte reconhecedora do direito de referida compensação.
A negativa encontrava-se consubstanciada básica e quase que unicamente, no não reconhecimento do efeito ex-tunc inerente às decisões declaratórias de incostitucionalidade pelo STF, que implica na sua retroatividade à data da promulgação do dispositivo declarado inconstitucional, tornando-o nulo desde sua instituição, inclusive quanto aos seus efeitos.
Destarte, embora reconhecedora das decisões prolatadas pelo Supremo, enquanto ordem judicial suspendedora das cobranças declaradas inconstitucionais, a Administração Pública não reconhece como indevidas as importâncias até então recolhidas pelos contribuintes, e assim sendo, mais uma vez, os inadimplentes seriam presenteados.
Nesse sentido encontra-se inserido no § 2º, do artigo 18, da Medida Provisória nº 1.542, que vem sendo reeditada no mesmo teor desde 18 de dezembro de 1996, o dispositivo legal de vedação do direito de ressarcimento do contribuinte, que ao tratar acerca da dispensabilidade de constituição de créditos dos tributos que especifica, assim dispõe:
“Art. 18. Ficam dispensados a constituição de créditos da Fazenda Nacional, a inscrição como Dívida Ativa da União, o ajuizamento da respectiva execução fiscal, bem assim cancelados o lançamento e a inscrição, relativamente:
(…)
§ 2º – O disposto neste artigo não implicará restituição de quantias pagas.”
Já convictos da inutilidade dos diplomas legais reguladores da compensação tributária, no tocante aos créditos em questão, face a existência do dispositivo supracitado, foi promulgado também pelo Chefe do Poder Executivo, o Decreto nº 2.346 de 10.10.97, o qual determinou a observância por parte da Administração Pública Federal do efeito retroativo das decisões do Supremo nos seguintes termos:
“Art. 1º – As decisões do Supremo Tribunal Federal que fixem, de forma inequívoca e definitiva, interpretação do texto constitucional deverão ser uniformemente observadas pela Administração Pública Federal direta ou indireta, obedecidos aos procedimentos estabelecidos neste Decreto.
§ 1º – Transitada em julgado decisão do Supremo Tribunal Federal que declare a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, em ação direta, a decisão, dotada de eficácia ex tunc, produzirá efeitos desde a entrada em vigor da norma declarada inconstitucional, salvo se o ato praticado com base na lei ou ato normativo inconstitucional não mais for suscetível de revisão administrativa ou judicial.
§ 2º – O disposto no parágrafo anterior aplica-se, igualmente, à lei ou ao ato administrativo que tenha sua inconstitucionalidade proferida, incidentalmente, pelo Supremo Tribunal Federal, após a suspensão de sua execução pelo Senado Federal. (…)”
Diante do dispositivo legal retroelencado, o qual veio derrubar em definitivo o argumento utilizado pelo “fisco” para indeferimento das compensações requeridas, pensou-se que se encerrariam quaisquer dúvidas quanto ao reconhecimento dos créditos provenientes das decisões prolatadas pelo STF, esperando-se por conseqüência e total coerência lógica, fosse excluído o citado § 2º do art. 18 da MP nº 1.542/97 nas suas posteriores reedições, o que não veio a ocorrer.
Assim, a disposição inserida na mencionada Medida Provisória constitui hoje o mais recente obstáculo para consumação do direito de compensação de indébitos tributários, direito este tão almejado pelos contribuintes, configurando norma impeditiva da aplicabilidade e eficácia do Decreto posteriormente promulgado.
Configurada a incoerência legislativa em matéria de compensação de créditos tributários, diante da vigência de dois dispositivos totalmente antagônicos entre si, num contexto de verdadeiro caos jurídico-normativo causado principalmente pelo infindável número de Medidas Provisórias e suas consequentes reedições, esperamos que esta não passe de um simples esquecimento por parte do Poder Executivo, que deve ser sanado o mais breve possível, mediante a sua imediata supressão do citado texto legal, sob pena de acarretar prejuízos ímpares e irreparáveis aos contribuintes.
Além disso, vale frisar que, mais do que uma questão jurídica, a presente representa uma questão moral, a medida em que admitir a não aplicação imediata de um direito básico de ressarcimento de importâncias recolhidas indevidamente pelo contribuinte, visaria homenagear a “ilegalidade tributária”, transformando-a em “princípio eficaz”, constituindo essa, a evidência da não observância do fundamento do princípio da Moralidade Pública a que trata a Constituição Federal, o que não se poderia jamais admitir, a bem de um Estado Democrático de Direito.
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