Continuação 4: acusados de improbidade
9 de dezembro de 1998, 23h00
53 – Nesta mesma ação, o Ministério Público levantou além das irregularidades formais que constavam do edital e que acarretavam a sua nulidade, questões sobre a ilegalidade do seu objeto. Dos dezessete itens elencados no Edital da 1ª Convocação, procurou-se, em total desrespeito à Constituição Federal e aos princípios da Lei nº 9.472/97, além da Lei 6.044/76, a efetivação da cisão parcial da companhia, mediante versão de parcela de seu patrimônio ao capital de outras 12 novas sociedades anônimas a serem criadas na assembléia, e da instituição de uma "fundação privada" que ficaria com o acervo líquido afeto ao Centro de Pesquisa e Desenvolvimento.
54 – Acolhendo as alegações do Ministério Público, foi proferida decisão concessiva da liminar suspensiva da primeira assembléia, onde ficou reconhecida a ilegalidade do objeto do edital, visto que inexistia a lei específica, necessária por imposição constitucional, para que se operasse a cisão da Companhia, nos seguintes termos:
"Nesta sede, reputo bastante consistentes os argumentos jurídicos invocados pelo Ministério Público Federal.
A Constituição Federal explicita, no seu art. 37, incisos XIX e XX, verbis:
XIX – somente por lei específica poderão ser criadas empresas públicas, sociedade de economia mista, autarquia ou fundação pública;
XX – depende de autorização legislação em cada caso, a criação de subsidiárias das entidades mencionadas no inciso anterior, assim como a participação de qualquer delas em empresa privada
É certo que o Congresso Nacional optou em autorizar o Executivo a incrementar o seu plano de desestatização. Porém, este deve ser executado de acordo com a lei e a Constituição. A urgência, a pressa, e os objetivos políticos momentâneos não podem servir de pretexto para que não se observe a lei e a Constituição.
Mesmo contendo a Lei Geral de Telecomunicações autorização – do que não estou convencido – para que a Telebrás constitua novas sociedades de economia mista, verifico a sua contrariedade com a Constituição Federal, já que esta exige lei específica para essa finalidade ( a Lei nº 9.472/97 é geral)
Malgrado os demais argumentos, contento-me com o enfoque quanto à ausência de lei para que se opere a cisão da Companhia tal como prevista no Edital ora impugnado.
Assim, em exame ainda que preliminar, parece-me apontar o Edital em testilha para o desrespeito à legislação de regência. As razões do Autor desta Ação potencializam, portanto, o fumus boni juris."
55 – Contra essa decisão, foi interposto recurso de Agravo de Instrumento pela Telebrás, ao qual por decisão preliminar foi negada a atribuição do efeito suspensivo sendo, no entanto, reconhecido também pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região que o processo de reestruturação do Sistema Telebrás não se amoldava à normatização constitucional pertinente, arrematando ainda que "a convocação de Assembléia Geral Extraordinária pela Telebrás, com o fim de deliberar sobre a cisão desta empresa estatal, tendo presente o escopo imediato de constituir novas sociedades, como já assinalado, independentemente da prévia autorização legislativa para tanto (C.F. art. 37, IXI e XX) mostra-se atentatória às regras jurídicas constitucionais précitadas."
56 – A despeito da liminar deferida, com o uso de sua força política e mostrando total desapego à lei, o Poder Executivo voltou a promover a apressada, irresponsável e ilegal privatização da Telebrás.
57 – E no mesmo diapasão em que foi suspensa a primeira convocação da assembléia, foi suspensa também a assembléia convocada para o dia 13 de maio de 1998, por nova decisão liminar concedida nas ações civis públicas interpostas pelo Sindicato dos Trabalhadores em Atividades Diretas e Indiretas em Pesquisa e Desenvolvimento em Ciência e Tecnologia de Campinas e Região e pelo Ministério Público.
58. Nesta decisão ficou expressamente reconhecido pelo MM. Juízo Monocrático que o edital de convocação e a o objeto de discussão de assembléia estavam eivados de nulidades, tanto mais porque, os assuntos que se pretendia discutir iriam colocar "em risco o patrimônio tecnológico conquistado por empresa mantida com capital público, durante mais de 26 anos de pesquisa e desenvolvimento científico, transferindo-o gratuitamente para uma entidade de direito privado, violando disposições legais, atingir-se-ia a própria Constituição Federal que determina à Administração Pública, o dever da ESTRITA LEGALIDADE, bem como ofender-se-ia até o princípio Constitucional da Garantia do Desenvolvimento Nacional, previsto no inciso II do art. 3º da Carta Magna."
59 – Embora o Poder Executivo insistisse na realização de assembléia, convocou "segunda" assembléia para o dia 22 de maio de 1998, que não foi realizada por força de medidas liminares concedidas nas ações civis públicas.
60 – Porém, de forma absolutamente irregular, a assembléia convocada para o dia 22/05/98, às 08:00 h., embora não realizada no horário previsto no Edital de Convocação, com suporte na decisão proferida pelo Presidente do Tribunal Regional Federal da 3ª Região que suspendeu os efeitos das medidas liminares, por volta de 16:00 h. desse mesmo dia 22, foi realizada com início às 16:30 h..
61 – Essa decisão da presidência do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, a qual suspendeu os efeitos das liminares, foi objeto de Agravo interposto pelo ora Requerente e foi revogada pelo Pleno desse Eg. Tribunal, por 10 a 4 votos, em julgamento realizado no dia 18/06/98.
62 – No entanto, mais uma vez alicerçada no artigo 4º da Lei nº 8.437/92, foi deferida a suspensão de segurança, agora pelo Presidente do Superior Tribunal de Justiça contra a decisão do Órgão Especial do TRF – 3ª Região. Contra essa decisão do Presidente do TRF-3ª Região, foi interposto recurso de Agravo foram submetidas ao órgão colegiado, mas que não foram apreciadas a tempo, em vista das férias de julho naquele tribunal.
63 – Nas razões desse Agravo foi, dentre outros argumentos, alegada a incompetência do Presidente do Superior Tribunal de Justiça para suspender os efeitos de decisão do Órgão Especial do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, em sede de Agravo sobre suspensão de medida liminar deferida em Ação Civil Pública, bem como a inexistência de prova inequívoca, necessária por determinação legal, do dano decorrente da eficácia da liminar suspensa.
64 – Isto porque, o artigo 4º da Lei nº 8.437/92 atribuiu competência ao Presidente do Tribunal Regional Federal da 3ª Região para apreciar pedido de suspensão contra medida liminar deferida pelo Juízo Federal Monocrático dessa 3ª Região, e não ao Superior Tribunal de Justiça. Tanto é assim que o pedido de suspensão já havia sido apresentado e deferido num primeiro momento, e negado por maioria de 10 a 4 votos.
65 – Do mesmo modo, o artigo 4º da Lei 8.437/92 não atribui competência ao Superior Tribunal de Justiça para suspender decisão colegiada do Tribunal Regional Federal, pois esse dispositivo legal, trata, exclusivamente, da suspensão de medidas liminares em Ação Civil Pública pelo Tribunal imediatamente superior, ou seja o Tribunal Regional Federal, frise-se, como de fato ocorreu.
66 – Diz o artigo 4º da Lei nº 8.437/92:
Art. 4º Compete ao presidente do tribunal, ao qual couber o conhecimento do respectivo recurso, suspender, em despacho fundamentado, a execução da liminar nas ações movidas contra o Poder Público ou seus agentes, a requerimento do Ministério Público ou da pessoa jurídica de direito público ou de flagrante ilegitimidade, e para evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e às economias públicas. (grifamos)
67 – Do mesmo modo, os artigos 25 da Lei nº 8.038/90 e 271 do RISTRJ, com redações semelhantes, não autorizam o Presidente do Superior Tribunal de Justiça, a suspender decisão do Tribunal Regional Federal da 3ª Região que dá provimento ao Agravo contra suspensão de segurança, pois prevê, exclusivamente, competência para suspender execução de liminar ou de decisão concessiva de mandado de segurança.
68 – Daí porque, a r. decisão prolatada pelo Excelentíssimo Ministro Antônio Pádua Ribeiro é nula de pleno direito, posto que não é atribuída competência ao Superior Tribunal de Justiça para suspender decisão colegiada do Tribunal Regional Federal que dá provimento a Agravo contra decisão de suspensão concedida pelo presidente desse mesmo Tribunal Federal, acerca de medida liminar deferida em Ação Civil Pública e não em Mandado de Segurança ou Ação Cautelar.
69 – Destarte, naquela época, com a impossibilidade de apreciação daquele agravo, bem como com o risco iminente do dano decorrente da efetivação do leilão objeto do ilegal processo de privatização, o Autor apresentou, ainda, pedido ao Presidente do Supremo Tribunal Federal, para que, em termos de Reclamação (RISTF) ou Poder Geral de Cautela, suspendesse o leilão até o julgamento do mérito, mas tal providência não gerou o resultado pretendido, tendo sido o pedido não conhecido.
70 – Permaneceu vigindo a decisão de suspensão do Superior Tribunal de Justiça, a qual revigorou a suspensão concedida pelo Presidente do Tribunal Regional da 3ª Região, embora reformada pelo seu Órgão Especial por maioria esmagadora.
71 – Com efeito, com a vigência da decisão do Presidente do Superior Tribunal de Justiça, o Leilão de Privatização da Telebrás estava no dia 28 de Julho de 1998 prestes a ocorrer sob o manto de decisões de Suspensão de Segurança proferidas no TRF da 3ª Região, essa cassada pelo Órgão Especial daquele Tribunal, e do próprio Superior Tribunal de Justiça, ambas com fundamento no artigo 4º da Lei nº 8.437/92.
72 – E aqui Exa., dada as flagrantes irregularidades acima aventadas, faz-se um adendro para que também se esclareça e apure a existência ou não de interferências de agentes do Poder Executivo que poderiam influenciar no Poder Judiciário para efeito de dar continuidade ao processo irregular de privatização já consumado. Isto também porque, causa-nos estranheza as afirmações nunca negadas, diga-se, leviandades lançadas pelo Ministro Mendonça de Barros e pelo Secretário de Comércio Exterior José Roberto Mendonça de Barros, na conversa gravada entre os dois, cujo teor foi publicado pela imprensa nas Revistas "Carta Capital" e "Época". Tudo, por dedução do próprio teor do diálogo abaixo transcrito:
José Roberto: Agora você percebeu que vai ficando perigoso, né? O Bandeira de Mello entrou com uma ação lá em Campinas.
Mendonça de Barros: Esse é um babaca.
José Roberto: Agora fodeu.
Mendonça de Barros: É agora fodeu. Porque esse, realmente… A Carola agora vai ficar tranquila, né?
José Roberto: Que babaca que é esse cara, né? Entrou em Campinas, pô.
Mendonça de Barros: É pro cara lá do, do, do….
José Roberto: Mas deve ter entrado com aquela arrogância dele, né?…. De que o homem não pode ser elegível, aquele negócio todo. Mas eu dei muita risada a hora que eu vi – Bandeira de Mello entrou em Campinas. Falei. Ah, Agora acabou. Agora pode ir para casa. (Revista Época, nº 27, p.27)
73 – Note-se Exa., a gravidade e a perplexidade das afirmações acima transcritas. Cabe assim, a esta Procuradoria, apurar tais fatos e alegações, especialmente quanto a indignação por parte dos dois irmãos, ambos agentes públicos, da propositura de ação judicial pelo Prof. Celso Antônio Bandeira de Mello; esclarecimentos sobre as afirmações "A Carola agora vai ficar tranquila", "Mas eu dei muita risada quando eu vi – Bandeira de Mello entrou em Campinas" (lembre-se que todas as liminares concedidas foram decorrentes de ações civis públicas interpostas na Comarca de Campinas) e finalmente, "Ah, agora acabou. Pode ir para casa". De resto, dispensa-se maiores explicações dos termos ditos pelos interlocutores da conversa, pois são auto-explicativas e consubstanciadas em linguagem mais condizente com frequentadores de "cabarets" decadentes daquela que se poderia esperar de pessoas que ocupam cargos da mais alta relevância do Poder Executivo.
74 – Mas, continuando o caminho das irregularidades seguido pelo processo de privatização do Sistema Telebrás, temos que nos dias 28 e 29 de julho de 1.998, foram ainda concedidas várias liminares com o intento de novamente obstar o referido processo, tendo-se em vista a detectação e reconhecimento das ilegalidades e inconstitucionalidades insanáveis.
75 – Entretanto, a União Federal, maior interessada nessa privatização, pois carente de fundos para recuperar o déficit público, conforme amplamente divulgado pela imprensa, imediatamente se estruturou para apresentar pedidos de suspensão dessas liminares, obviamente por serem certas em termos de deferimento judicial, tendo sido algumas medidas liminares suspensas antes da realização do Leilão de Privatização que ocorreu às 10:00 horas do dia 29 de Julho.
76 – Ocorre que, com certeza, pelo menos uma dessas diversas medidas liminares deferida para impedir o referido leilão não foi suspensa à tempo. Ou seja, com certeza o leilão foi realizado quando vigente e eficaz uma decisão judicial liminar que o impediu, não obstante a Ré União Federal já tivesse ciência dessa proibição.
Ou seja, com certeza o leilão foi realizado quando vigente e eficaz uma decisão judicial liminar que o impediu, não obstante a Ré União Federal já tivesse ciência dessa proibição.
77 – Trata-se da medida liminar deferida pelo Juiz Federal da 6ª Vara da Justiça Federal de Pernambuco, nos autos da Ação Popular nº 98.0013665-7, o qual reconheceu, do mesmo modo que outros Juízes Federais em ações contrárias à realização dessa privatização, que o Leilão é consequência indevida de um processo irregular de privatização.
78 – Essa medida liminar foi deferida no dia 28 de julho de 1998, suspendendo o leilão do dia 29 seguinte, com destaque à irretorquível lição de cidadania inserta na decisão, pelo que nesse momento pede-se vênia para a merecida transcrição:
"Com base no § 4º, do art. 5º da Lei 4.717/65 determino a suspensão liminar da alienação de ações ordinárias e preferenciais das empresas federais de telecomunicações anunciadas pelo Edital MC/BNDES nº 01/98, inclusive, de todos os atos administrativos descritos no cronograma de eventos descritos na norma editalícia.
(…)
Ainda que esta decisão judicial, como outras símiles surja natimorta, oxalá o autor popular um dia, quiça agora, em casos como este, possa Ter fé do moleiro de Sans Soucis, do qual falou Calamandrei, e proclamar, não, que há juízes no Brasil, mas que o Brasil é um Estado Democrático de Direito."
79 – Ressalta-se que o MM. Juiz Federal deferiu ainda, a Carta Precatória Intimatória da medida liminar via telex, telefone, telegrama ou radiograma, e determinou a citação dos réus.
Continua em Comunidade Jurídica
Revista Consultor Jurídico, 10 de dezembro de 1998.
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