Liberdade de imprensa

Imprensa: Quem somos, onde estamos, para onde vamos?

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24 de agosto de 2000, 0h00

O Congresso Nacional está prestes a votar uma nova Lei de Imprensa em um momento, diriam alguns, apropriado; diriam outros, desaconselhável. Propício a criar um clima de revanchismo, conquanto jornalistas e empresas de comunicação são acusados de embarcar numa nova onda de denuncismo – com o perdão da palavra, que apenas expressa algo, na verdade, tão velho quanto os tipos de madeira de Gutemberg: os noticiários precisam de emoções fortes. É de sua natureza.

Quem vive sob o foco da mídia pode até achar que cidadãos acima de qualquer suspeita não podem ser julgados por uma espécie de tribunal que lhes tolhe o sagrado direito de defesa. Portanto, há que se estabelecer limites à informação. Do outro lado, há quem veja nisso uma grave ameaça aos preceitos constitucionais de liberdade de expressão.

Pode ser e pode não ser. Para Cícero, filósofo que viveu em Roma entre 106 e 43 antes de Cristo, o paradoxo é sempre desejável nos debates porque, além de fascinar, nos leva a propor o assombroso. Meu amigo José Paulo Cavalcanti Filho, advogado e estudioso da comunicação no Brasil, introduziu, a esse respeito, o que chamou de “Paradoxo da Liberdade com Responsabilidade”. Infelizmente, como sempre acontece, nem os jornalistas nem as empresas de comunicação deram seqüência ao que ele propôs, o que não deixa de ser um assombro. Qual seja: não existe democracia sem imprensa livre, do mesmo modo que não existe democracia com imprensa livre. Limites à liberdade de expressão existem nas democracias mais abertas, mas não nos enganemos: o controle só vale se for público. Se isso existisse por aqui, não teríamos corporações dominando os meios de comunicação, como poderíamos também evitar concessões políticas na área de radiodifusão.

Ora, o Conselho de Comunicação Social que a Constituição de 1988 criou está engasgado no Congresso Nacional porque, sendo o seu objetivo controlar as atividades de empresas jornalísticas e de radiodifusão, algumas pessoas passaram a encará-lo de viés, confundindo, propositadamente, controle social com censura. Enquanto isso, este mesmo Congresso estuda um meio de permitir a entrada de capital estrangeiro nas empresas de comunicação nativas, que a Constituição proíbe. Apesar de não constar de seus textos constitucionais, outros países (Estados Unidos, Canadá, Suíça, França etc) cuidam desse tema com zelo. E que zelo, tendo em vista a preservação de seus valores culturais e de suas nacionalidades. Globalização por aí.

A Federação Nacional dos Jornalistas gasta dinheiro, cimento e esforço na construção de um monumento à liberdade de imprensa em Brasília. Liberdade de imprensa não pertence aos jornalistas, nem às empresas de comunicação. Pertence ao povo, como o céu ao avião (mil perdões). Certa vez, fui mal compreendido quando tentei estabelecer uma fronteira no trabalho do assessor de imprensa e do repórter. Passou-se a idéia, falsa, de que na minha opinião assessor não é jornalista. Eu apenas disse que um não é o outro no desempenho de suas funções, embora ambos sejam a mesma coisa. Pausa para pensar. Corro risco de novo: desta vez, de querer inverter o papel dos sindicatos de jornalistas. Viver, disse João Guimarães Rosa, é mesmo perigoso.

Na minha época de Sindicato (isso foi há uma década), um número expressivo de jornalistas já havia concluído o que eu demorei a perceber: que há vida fora das redações. Um novo mercado surgiu como subproduto da democracia, da necessidade de empresas e instituições buscarem novos canais de comunicação com a sociedade. Profissionais que antes tinham seus contratos amarrados à Consolidação das Leis do Trabalho tornaram-se pequenos, médios e alguns até com muito jeito de grandes empresários. Tradicionais empresas de comunicação também começaram a contratar jornalistas à margem dos acordos coletivos, remunerando-os como pessoas jurídicas. O Sindicato é de trabalhadores e sua missão é lutar por salários, melhores condições de trabalho. Nessa condição, participei de pelo menos de duas grandes greves e perdi a conta de quantas paralisações-relâmpago. Faz parte.

Dez anos depois, o que aconteceu com a categoria? Eu, por exemplo, vivo hoje do meu próprio negócio como jornalista. Não posso participar de uma assembléia no Sindicato para discutir, digamos, os efeitos da recente reforma gráfica do Correio sobre o trabalho dos repórteres da casa. Ou as propostas de reivindicações apresentadas às direções dos jornais na data-base da classe. Seria um tanto estranho. Mas gostaria de provocar um debate sobre a liberdade de informar e a responsabilidade dos jornalistas no uso dessa liberdade. Ou sobre os direitos e deveres na circulação de informações na Internet. Me interessa discutir, ainda, privacidade e interesse público. Por que não sobre a responsabilidade da mídia na defesa da língua portuguesa? Por fim, gostaria de refletir sobre um código de ética que não seja este que está aí, aprovado pelo Congresso de Jornalistas de 1986, feito de dentro para dentro, infelizmente transformado em pano de fundo para resolver intrigas de coleguinhas. Para onde irei?

Não serão os sindicatos, nem a Fenaj (entidades de cunho laboral), nem a Associação Brasileira de Imprensa (instituição de natureza cível), por quem tenho grande admiração, que reunirão os jornalistas em torno de um debate conseqüente a respeito desses grandes temas. Tudo deságua para um Conselho Nacional de Jornalistas, com estatuto e normas de disciplina fundados em lei federal, na qual sejam estabelecidas relações democráticas entre a liberdade de informar e o respeito ao direito dos cidadãos. Como fazê-lo, não sei, mas penso que essa é a nova construção que se coloca diante dos jornalistas brasileiros.

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