Turismo do litígio

Mover ação coletiva contra empresas ficou mais difícil nos EUA

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24 de junho de 2017, 11h13

O Condado de Madison em Illinois, nos EUA, localizado em uma área notadamente rural, tem menos de 270 mil habitantes, um pouco mais de 108 mil residências, cerca de 72 mil famílias e um fluxo “turístico” considerável. Nesse condado, são movidas um terço de todas as ações coletivas do país contra fabricantes que usam amianto em seus produtos, que teriam provocado doenças graves nos autores das ações.

Madison é um dos condados em território americano, cujas jurisdições são consideradas “amigáveis a autores” de ações de indenização por danos físicos – na maior parte, ações coletivas. Dois outros condados de Illinois, o de Cook e o de St. Clair, bem como outros condados na Califórnia, em Missouri, Nova Jersey, Flórida e na cidade de Nova York, abrigam “fóruns amigáveis” a demandantes.

O fluxo constante de advogados e partes interessadas para esses condados passou a ser denominado pela comunidade jurídica do país como “turismo do litígio” (“litigation tourism”). Entidades que defendem as corporações e os advogados que as representam chamam essas jurisdições de “Judicial Hellholes” (buracos do inferno judicial).

Nessa semana, a Suprema Corte dos EUA tomou uma decisão que vai, praticamente, acabar com a indústria do "turismo do litígio”. A corte decidiu, por 8 a 1, que fóruns estaduais não têm jurisdição sobre ações movidas por habitantes de outros estados (ou não-residentes no estado do fórum).

No caso perante a Suprema Corte, Bristol-Meyers Squibb Co. v. Superior Court of California, et al. (“BMS”), a ação coletiva foi movida em um fórum da Califórnia por mais de 600 pessoas Elas alegam que sofreram danos físicos ao usar o medicamento Plavix, um anticoagulante ou um remédio que “afina” o sangue. Mas a maior parte dos autores da ação não reside na Califórnia. E a sede da empresa é em Nova York.

A Suprema Corte disse que isso está errado. “Os fóruns estaduais não têm jurisdição sobre ações movidas por não residentes contra empresas cuja única ligação com o fórum escolhido é apenas a venda de seu produto naquele estado”, diz o voto vencedor.

Consequentemente, os consumidores que costumavam processar grandes corporações nos fóruns “mais amigáveis aos autores”, em qualquer lugar do país, agora ficarão restritos a mover ações apenas em seus estados de residência — ou onde a empresa foi incorporada ou tem sua sede.

“Agora você pode processar uma empresa em Illinois apenas se você mora e sofreu um dano físico em Illinois”, disse ao Chicago Tribune e ao site JDSupra o professor da Faculdade de Direito da Universidade de Chicago, Jonathan Masur. “Os dias em que era possível mover uma ação coletiva contra uma corporação em qualquer jurisdição amigável do país acabaram”, ele afirmou.

Esses foram os motivos que levaram a ministra Sonia Sotomayor a escrever um voto dissidente. Para ela, a decisão da maioria vai limitar tremendamente a capacidade das pessoas de moverem ações coletivas contra empresas nos EUA.

Efeito dominó
A decisão da Suprema Corte anulou a decisão anterior de um tribunal superior da Califórnia, que favoreceu os autores da ação. E ela exercerá um efeito dominó sobre milhares de ações pendentes em diversas jurisdições, que serão derrubadas umas após as outras, dizem os jornais.

Por exemplo, horas depois que a decisão da Suprema Corte foi anunciada, um juiz de Missouri interrompeu o julgamento de uma ação coletiva movida contra a Johnson & Johnson, pedindo indenização por danos alegadamente causados por um talco produzido pela empresa.

Embora a autora principal da ação coletiva seja residente de Missouri, muitos dos demais demandantes são de outros estados. O juiz estabeleceu um prazo de quase quatro meses para as partes decidirem o que vão fazer nesse processo, após levar em conta a decisão da Suprema Corte.

Prós e contras
Os especialistas consultados pelos jornais ainda não sabem dizer até que ponto a decisão da Suprema Corte favorece (ou desfavorece) as empresas. É certo que o acesso a “fóruns amigáveis” ou ao “turismo do litígio” ou ao “buraco do inferno judicial” estão todos eliminados.

No entanto, uma empresa poderá ter de se defender de centenas de ações coletivas menores, em dezenas de estados, ao mesmo tempo. Isso pode ser uma tarefa complexa e significa que seus advogados continuarão peregrinando de uma cidade para outra.

Mas essa é uma visão pessimista. Os advogados que defendem os demandantes acreditam que haverá um esvaziamento geral de ações coletivas, porque será difícil reunir, em um único estado, um número suficiente de pessoas que torne a entrada da ação coletiva compensadora.

E, obviamente, não será mais possível consolidar ações coletivas de diversas estados em uma grande ação coletiva, como se fazia até agora. A American Association for Justice, uma organização de advogados especializados em contencioso, declarou que a decisão colocou um encargo injusto sobre as pessoas que sofrem danos por má conduta de corporações, porque mover ações coletivas contra elas ficou praticamente impossível.

Além disso, agora é a vez das corporações buscarem “fóruns amigáveis” a empresas, para julgar suas disputas com consumidores. A Suprema Corte estabeleceu que a escolha da jurisdição deve estabelecer uma conexão entre o fórum e o problema específico em disputa. O fato de a empresa não operar em muitos estados (a não ser pela venda de seus produtos) pode não estabelecer essa conexão.

Assim, empresas que se metem em imbróglios jurídicos com muitos consumidores podem mudar sua sede (ou se incorporar) em jurisdições “amigáveis a empresas”, diz o professor Jonathan Masur.

Outro tipo de ação que irá se tornar inviável é o de um grupo de consumidores processando um grupo de empresas. Cada empresa pode ter sido incorporada (ou ter sede) em um estado diferente. E, portanto, não será mais possível mover ação contra todas elas em um mesmo estado.

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