Opinião

Convenção 158 da OIT pode levar a mais reclamações trabalhistas

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4 de junho de 2017, 6h43

O poder diretivo concedido aos empregadores na condução da atividade empresarial, dentro da liberdade de atuação do artigo 2º da CLT, autoriza as medidas necessárias para o desempenho das atividades e organização de toda a produção. A rescisão do contrato de trabalho se apresenta como uma das formas de fruição mais evidente do poder diretivo, admitido pela CLT e utilizado conforme a necessidade da atividade empresarial.

Diferentemente do que estabelece a demissão por justa causa, onde há rol de situações em que se admite a ruptura do contrato de trabalho motivadas pelas atitudes do empregado, que autoriza a não percepção por parte do empregado de alguns direitos e garantias, a rescisão sem justo motivo carece da necessidade de explicitar as motivações da medida demissionária.

Inegável que a rescisão do contrato de trabalho, mesmo que sem a necessidade empírica de apresentação formal de suas motivações, decorre de um fato gerador que desencadeia o desligamento do colaborador. As motivações podem variar desde a redução de quadros da empresa por motivações econômicas ou até mesmo infrações não apresentadas como graves na relação de emprego, mas que de alguma forma torna insustentável a relação entre as partes.

Se por um lado temos o poder diretivo como norteador das questões de gestão da atividade empresária, de outro temos o Direito do Trabalho como pilar essencial das garantias dos direitos tidos como universais, sendo o trabalho a atividade que dignifica o indivíduo perante a coletividade, não só como instrumento de sobrevivência econômica, mas de inserção social.

Dessa forma, surge a tão discutida Convenção 158 da OIT (Organização Internacional do Trabalho), a qual foi devidamente aprovada pelo Brasil por meio do Decreto Legislativo 68/92 e promulgada pelo Decreto 1.855/96.

A Convenção 158 estabelece, de forma geral, a necessidade de justificar por parte do empregador a dispensa do colaborador, evitando práticas arbitrárias de rescisão do contrato de trabalho. Tem como objetivo principal preservar as relações estabelecidas pelas partes, dentro de um cenário de transparência na relação, em especial a necessidade de apresentação de motivos para o término da relação de emprego.

Embora ratificada pelo Brasil, seus efeitos não estão em vigor por força da denúncia ofertada em 20 de novembro de 1996 por meio do Decreto 2.100/96, pelo então presidente da República, Fernando Henrique Cardoso.

Após o ato de denúncia da Convenção 158, a Central Única dos Trabalhadores (CUT) e a Confederação Nacional dos Trabalhadores da Agricultura (Contag) distribuíram ação direta de inconstitucionalidade, objetivando a nulidade da denúncia, fundamentada pela impossibilidade do ato ser realizado de forma unilateral pelo Poder Executivo, o qual deveria ter percorrido os trâmites legais, com base no artigo 49, inciso I da Constituição Federal, onde se torna inexorável a participação do Congresso Nacional para discussão e aprovação da medida.

Atualmente, o processo ainda aguarda conclusão do julgamento no Supremo Tribunal Federal, suspenso em virtude do pedido de vista do ministro Dias Toffoli. Com a necessidade de voto de parte da composição atual do STF, resta indefinida a conclusão sobre o tema e validade dos efeitos da Convenção 158. Acredita-se que um dos cenários possíveis é a modulação dos efeitos da denúncia, com a necessidade de sua análise pelo Congresso Nacional para convalidar os seus efeitos.

Dentro desse cenário de incerteza sobre a aplicação da Convenção 158, é certo que haverá uma necessidade especial do mundo corporativo em adaptar-se às novas formas de rescisão do contrato de trabalho. Avaliando um futuro onde a Convenção 158 seja aplicada nas relações de trabalho, cria-se a figura da rescisão do contrato de trabalho justificada, onde, mesmo com a presença do poder diretivo no gozo de suas atribuições de condução da atividade empresarial, o empregador deverá apresentar as justificativas da rescisão do contrato de trabalho.

E dentro desses cenários que estão sendo desenhados pelo STF, é importante avaliar os impactos que a vigência efetiva da Convenção 158 poderá ter no cotidiano das corporações, ainda mais dentro de uma crise econômica na qual a redução de postos de trabalho e a diminuição das operações acarretam, inevitavelmente, o desligamento de profissionais e a redução de quadros.

Cabe às empresas o exercício de objetivar o campo das rescisões do contrato de trabalho sob a ótica da 158, onde se faz necessário, também, uma exegese dos seus artigos e disposições, alinhadas as suas práticas internas de compliance.

Diversas empresas, especialmente as de amplitude global, possuem atualmente em seus regulamentos e procedimentos internos requisitos de avaliação e governança, que, hoje direcionados ao desenvolvimento individual ou em grupo de determinados profissionais, poderão ser adaptados sob o viés da justificativa da rescisão contratual à luz da Convenção 158 da OIT.

Entre os requisitos necessários para justificar a rescisão sem justa causa, estão as motivações de caráter técnico, tecnológico, econômico ou financeiro, mantendo-se vedadas as dispensas discriminatórias ocorridas contra empregados com estabilidades provisórias ou garantias de emprego.

A justificativa em nada se assemelha com os motivos descritos no artigo 482 da CLT, não sendo alterado o que trata das situações que ensejem a rescisão por justo motivo.

A justificativa narrada está explicitada no artigo 4º da convenção, o qual dispõe que não será admitido o término da relação de trabalho, a menos que exista uma causa justificada, essas relacionadas ao comportamento do profissional ou necessidades de funcionamento da empresa.

Tal condicional imposta pela Convenção 158 da OIT estabelece que a rescisão deverá ser justificada com dados ou informações necessárias que possam sustentar a decisão, antes motivada apenas pelo poder diretivo do empregador, agora com a explicita exigência de comprovação.

Compreende-se como causas comportamentais do colaborador as questões que envolvem sua própria forma de conduzir as atividades, bem como a qualidade da contrapartida na relação estabelecida com o seu empregador. É nesse aspecto que se mostra cada vez mais importante disciplinar as regras de compliance e atendimento do pacto laboral em sua plenitude. O setor de compliance e a governança corporativa tomam o protagonismo da relação entre o colaborador e a empregador, uma vez que regras transparentes, aplicadas e bem acompanhadas pela gestão, constituirão justificativas sólidas para a rescisão contratual futura.

Se hoje a rescisão se pauta apenas pelo poder diretivo, com aparente motivação em desempenho, no futuro se fará essencial a demonstração do não atendimento do colaborador aos objetivos traçados no plano de metas e resultados pactuados com o empregador. Estabelecer o plano, contudo, não supre a necessidade da norma — será necessário demostrar a efetiva presença do gestor e da empresa no acompanhamento e desempenho do profissional, sendo que somente o não atendimento e retorno positivo resultará na conclusão do seu desligamento.

A vigência da 158 trará, para as empresas que não visam o desempenho de suas equipes e de seus profissionais no desenvolvimento de suas atividades e de suas vidas profissionais, uma mudança drástica na sua forma de gestão. A Convenção 158 deixa de lado o desligamento imotivado, ou subjetivamente motivado por desempenho ou necessidade de equalização financeira, para a justificativa concreta e devidamente demonstrada, passível inclusive de impugnação pelo colaborador.

Isso porque a própria Convenção 158 em seu artigo 7º estabelece a necessidade de possibilitar ao empregado se defender das acusações feitas, no caso de empresas que possuam organismos internos para apuração e abertura para ampla defesa de seus empregados, sendo que na inexistência desse ambiente interno o Judiciário será o caminho da revisão do entendimento que se fundou a rescisão. E nesse sentido é que a Convenção 158 poderá ensejar um número ainda maior de reclamações trabalhistas.

Imaginamos um cenário no qual o empregado é dispensado sem justo motivo, justificando o empregador a demissão em virtude do seu desempenho abaixo do esperado. O empregado que não concorda com tal justificativa poderá buscar no Judiciário a reversão de sua dispensa sem justa causa injustificada, objetivando o atendimento efetivo da convenção.

Em tempos de práticas onde se busca cada vez mais a redução das reclamações trabalhistas, a Convenção 158 poderá expandir o número de reclamações trabalhistas pautadas em ausências ou discordâncias com a justificativa apresentada pelo empregador.

Necessidades antes desprezadas ou não utilizadas por empregadores, principalmente os médio e pequenos empresários, deverão ser atendidas para o perfeito cumprimento da convenção. A convenção não prevê como essas justificativas devam ser apresentadas ou colhidas para efetivar a rescisão do contrato de trabalho imotivado, entretanto, é certo que deverá existir um mínimo de conjunto formal e objetivo de evidências para se atestar a justificativa utilizada.

É crível que, em uma rescisão contratual pautada em questões econômico-financeiras, a empresa anexe ao prontuário do empregado os levantamentos de setor e desempenho econômico da área de atuação da companhia, visando estabelecer o nexo causal entre a rescisão contratual e dificuldade financeira alegada.

É certo que ainda é prematuro para dizer quais os efeitos que a Convenção 158 poderá trazer ao ambiente corporativo, e até mesmo para concluir qual será o resultado do julgamento da matéria no STF, porém, é certo também que haverá necessidade de estabelecer parâmetros internos críveis para justificar a rescisão dos contratos de trabalho, seja pelos motivos econômicos muitas vezes e subjetivamente verbalizado pelas empresas, seja pelos próprios requisitos de desempenho dos profissionais.

As empresas que atualmente possuem programas de governança corporativa e compliance atrelados às práticas internas, com avaliações de desempenho, metas e resultados estabelecidos, deverão orientar suas ações, inclusive com objetivos direcionados para justificar possíveis términos de relação de trabalho.

Nesse sentido, o acompanhamento objetivo das relações de trabalho se apresenta como elemento essencial nos departamentos internos, concedendo um protagonismo infestável às áreas de RH e compliance das empresas como foco na redução e neutralização dos índices de contenciosidade no exato momento em que finda a relação estabelecida entre empregador e empregado.

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