Opinião

LC 157/2016 efetiva aprimoramentos nas normas gerais do ISS

Autor

  • Alberto Macedo

    é mestre e doutor em Direito Econômico Financeiro e Tributário pela USP MBA em Gestão Pública Tributária pela Fundação Dom Cabral (FDC) professor Insper e Fipecafi assessor especial da Secretaria Municipal da Fazenda de SP representante de SP na Câmara Técnica Permanente da Abrasf membro do Conselho de Altos Estudos de Finanças e Tributação da ACSP e ex-subsecretário da Receita Municipal de SP.

18 de janeiro de 2017, 5h41

A recente Lei Complementar 157, sancionada em 29 de dezembro de 2016, trouxe algumas novidades importantes para as normas gerais do ISS e para o repasse da cota-parte do ICMS pertencente aos municípios (doravante denominada cota-parte do ICMS) [1].

Podemos sintetizá-las em três tópicos: (i) dispositivos antiguerra fiscal; (ii) nova forma de repasse da cota-parte do ICMS relativo às mercadorias saídas dos centros de distribuição de grandes magazines e empresas de venda de eletroeletrônicos; e (iii) aprimoramento e atualização da lista de serviços tributáveis pelo ISS.

Dispositivos Antiguerra Fiscal
A previsão inserida na Constituição de 1988 pela EC 37/2002, de que o ISS não poderia ter alíquota efetiva inferior a 2% (artigo 88 do ADCT) não foi o suficiente para alguns municípios que, na ânsia de atraírem empresas prestadoras de serviço para seu território a todo custo, valeram-se de estratégias inconstitucionais criativas, mantendo a alíquota nominal em 2%, mas permitindo deduções indevidas na base de cálculo do imposto.

Finalmente, artimanhas como essas foram rechaçadas recentemente pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento, em 2016, da ADPF 190, movida pelo Distrito Federal contra leis do Município de Poá, as quais permitiam a dedução, da base de cálculo do ISS, de diversos tributos federais, bem como a exclusão do valor do bem no caso do serviço de leasing.

Mas, haja vista o histórico de julgamentos sobre guerra fiscal no âmbito do ICMS, entre os Estados, em que o STF julgava inconstitucional determinada lei estadual, por conceder benefício fiscal à revelia do Confaz, e o mesmo Estado, logo em seguida, publicava nova lei, com conteúdo idêntico, fazendo um verdadeiro by pass na decisão da Suprema Corte; o legislador complementar, para evitar o mesmo quanto ao ISS, percebeu que alguma regra de maior efetividade seria necessária para coibir os municípios de seguir método inconstitucional similar.

Para tal, a LC 157/2016, além de trazer texto similar àquele previsto no artigo 88 do ADCT, previu ainda que: (i) será nula a lei ou ato do Município que desrespeite a regra da alíquota mínima efetiva de 2%, no caso de serviço prestado a tomador localizado em município diverso daquele onde está localizado o prestador; (ii) essa anulação gera, para o prestador, perante o município que não respeitar a alíquota mínima efetiva, o direito à restituição do valor efetivamente pago de ISS (§§ 2º e 3º do artigo 8º-A); e que (iii) constitui ato de improbidade administrativa a concessão de benefício financeiro ou tributário que implique em alíquota mínima efetiva de ISS inferior a 2% (artigo 10-A e inciso IV ao artigo 12, ambos da Lei de Improbidade Administrativa – Lei 8.429/1992).

Alguns poderão dizer que tais comandos ferem o princípio da autonomia dos municípios, que como entes tributantes autônomos, ver-se-iam limitados no exercício de sua competência tributária. Não concordamos com tal argumento, dado que a autonomia de cada ente não é absoluta, mas sim moldada pela própria Constituição. Até porque, se não fosse assim, não seria autonomia, mas sim soberania, e então não estaríamos mais falando de uma Federação. E o texto constitucional é claro ao prever que, em relação ao ISS, cabe à lei complementar não só regular as suas alíquotas máximas e mínimas (artigo 156, §3º, I), mas também regular a forma e as condições como isenções, incentivos e benefícios fiscais serão concedidos e revogados (artigo 156, §3º, III).

Assim, a possibilidade de responsabilização por improbidade administrativa, com as correspondentes penas, aos chefes dos Poderes Executivo e Legislativo municipal, com certeza atuarão em favor ao respeito à faixa de alíquotas definida para o ISS entre 2% e 5%.

Há que se fazer a distinção entre guerra fiscal, que, no caso do ISS, é o município prever alíquotas efetivas inferiores a 2%, o que é vedado pelo ordenamento; e concorrência fiscal, em que o município, legitimamente, tenta atrair empresas para seu território, reduzindo sua alíquota, mas não a valor (efetivo) inferior a 2%.

Nova forma de repasse da cota-parte do ICMS relativo às mercadorias saídas dos centros de distribuição de grandes magazines e empresas de venda de eletroeletrônicos
Uma iniquidade acontece hoje em relação à cota-parte do ICMS quando mercadorias são vendidas em diversos estabelecimentos comerciais de uma mesma rede localizados em vários municípios, mas o cliente não sai com essa mercadoria da loja, e sim ela sai de um único centro de distribuição dessa rede, localizado num único município. Todo o ICMS relativo a essas transações comerciais, em que pese terem sido realizadas em diversos municípios, é repassado somente àquele município onde localizado o centro de distribuição, dado que é nele que é registrada a saída da mercadoria, conforme previa a LC 63/1990.

Com a alteração trazida pela LC 57/2016, nesses casos, a partir de 01º de julho de 2017, o novo critério de repasse considerará o município onde realizada a transação comercial, e não mais o município onde se encontra o centro de distribuição. Essa medida traz mais justiça tributária entre os municípios, repartindo melhor o bolo do ICMS a que têm direito.

Aprimoramento e atualização da lista de serviços tributáveis pelo ISS
A lista de serviços teve novos serviços previstos, seja inseridos em subitens já existentes ou em novos subitens; bem como teve a redação de serviços já existentes aprimorada, seja também em subitens já existentes, seja em novos subitens. Vamos ater nossa análise aqui aos subitens 1.03, 1.09, 13.05 e 17.25.

Em relação àqueles serviços já existentes na lista, mas em que houve aprimoramento de redação, um exemplo são os previstos no subitem 1.03. A sua redação original na LC 116/2003 era “processamento de dados e congêneres”, e passou a ser “processamento, armazenamento ou hospedagem de dados, textos, imagens, vídeos, páginas eletrônicas, aplicativos, sistemas de informação, entre outros formatos, ou congêneres”.

O processamento de dados sofreu bastante evolução ao longo dos últimos 40 anos, sendo antigamente feito num só local da empresa, onde ficavam seus mainframes, ou nos chamados Centros de Processamento de Dados (CPD). Com o avanço da Tecnologia da Informação e Comunicação (TIC) e a comercialização da Internet, cada vez foi se tornando mais viável comercialmente a consecução do Processamento de Dados Distribuído (PDD), revolucionando-se o ambiente de negócios. Ou seja, uma empresa, para processar dados para outra empresa, e cobrar por isso, não precisa mais realiza-lo em um grande e único espaço, podendo essa empresa processar esses dados em servidores espalhados às vezes até em outros países. Atualmente, empresas de TIC oferecem uma gama completa de serviços de PDD utilizando a Internet. [2]

Assim, quando uma empresa hoje armazena ou hospeda dados, textos, imagens, vídeos, páginas eletrônicas, aplicativos e sistemas de informação para outras empresas, cobrando por esse serviço, já presta o serviço de processamento de dados previsto na redação original do subitem 1.03, ainda mais quando alargado pela expressão “e congêneres”, podendo fazê-lo de forma concentrada (o que acontecia antigamente) ou distribuída (o que é comum hoje em dia).

O subitem 1.09 também traz um aprimoramento na redação de serviços já previstos – apesar de a mídia em geral e alguns doutrinadores estarem tratando isso como uma novidade. Os serviços de streaming de áudio, vídeo, imagem e texto, ali previstos, já estavam previstos genericamente no subitem 1.05 da lista (“Licenciamento ou cessão de direito de uso de programas de computação”). É o caso, por exemplo, do Netflix.

No streaming de vídeo, basta ir ao contrato de licença de usuário final para ver que se trata de um software que é projetado para habilitar a transmissão online de conteúdo, protegido por direitos autorais, através de aparelhos compatíveis, não sendo vendido ao usuário, mas sim licenciado de forma não exclusiva, limitada, pessoal e intransferível. Vê-se que se enquadra perfeitamente no subitem 1.05 da lista. Mas agora, com a previsão mais específica no subitem 1.09, este será seu enquadramento mais correto.

E nem há que se alegar que o referido licenciamento não seria abrangido pelo conceito constitucional de serviços de qualquer natureza com lastro na cada vez mais ultrapassada teoria da obrigação de fazer [3], data maxima venia.

Além disso, há que afastar o entendimento daqueles que defendem ser o streaming de vídeo (assim como o de áudio, imagem e texto por meio da Internet) um serviço de comunicação. O streaming de vídeo, assim como qualquer outro Serviço de Valor Adicionado (SVA), vale-se de um provedor de infraestrutura, como Embratel, Vivo etc., que presta serviço de comunicação, nessa qualidade de provedor de infraestrutura (deixamos isso claro, porque ainda que às empresas de telecomunicação venha a ser permitido prestar SVA, terão que emitir notas fiscais de serviços distintas — de ICMS para o serviço de comunicação e de ISS para o SVA).

O serviço de “Inserção de textos, desenhos e outros materiais de propaganda e publicidade, em qualquer meio (exceto em livros, jornais, periódicos e nas modalidades de serviços de radiodifusão sonora e de sons e imagens de recepção livre e gratuita)” retornou à lista pelo subitem 17.25.

Conteúdo similar já existia no item 86 da Lista de Serviços prevista pela LC 56/1987, e foi previsto também na LC 116/2003, no então subitem 17.07 (“Veiculação e divulgação de textos, desenhos e outros materiais de propaganda e publicidade, por qualquer meio”). Entretanto, este foi vetado pelo pálido argumento de que a ausência da ressalva à imunidade constitucional do artigo 150, VI, ‘d’, sugeriria a previsão de incidência de ISS sobre essa hipótese de imunidade, o que obviamente não se sustenta, pois as regras de imunidade, que são previstas no texto constitucional, não têm que ser replicadas nos diplomas infraconstitucionais para serem observadas.

E finalmente, a nova redação dada ao subitem 13.05 (antes: “Composição gráfica, fotocomposição, clicheria, zincografia, litografia, fotolitografia”; agora: “Composição gráfica, inclusive confecção de impressos gráficos, fotocomposição, clicheria, zincografia, litografia, fotolitografia, exceto se destinados a posterior operação de comercialização ou industrialização, ainda que incorporados, de qualquer forma, a outra mercadoria que deva ser objeto de posterior circulação, tais como bulas, rótulos, etiquetas, caixas, cartuchos, embalagens e manuais técnicos e de instrução, quando ficarão sujeitos ao ICMS”) atendeu a um clamor antigo do setor econômico das gráficas.

Em que pese ter afetado a arrecadação dos municípios, pelo menos é a técnica correta — ou seja, por lei complementar — de se desonerar de ISS serviços prestados no meio da cadeia produtiva (sobre bens sujeitos a posterior industrialização ou comercialização), e não como foi feito com a infeliz, data maxima venia, interpretação econômica insculpida na decisão do STF na ADI-MC 4.389, que entendeu que, em que pese haver prestações de serviço para industriais e comerciantes, sobre bens sujeitos a posterior industrialização ou comercialização, não pode incidir ISS porque onerará a cadeia produtiva, como se o ISS previsto na Constituição fosse um imposto sobre serviços no varejo, com uma materialidade constitucional do tipo “prestação de serviços de qualquer natureza, desde que prestados a usuário final” [4]. Tal interpretação equivocada tem inclusive contaminado decisões dos tribunais sobre serviços prestados a industriais previstos no subitem 14.05 da lista, que não deixam de ser serviços (inclusive o item correspondente da lista — item 14 — se denomina “Serviços relativos a bens de terceiros”), à luz do disposto no art.156, III, da Constituição.

Enfim, depois de 13 anos, os municípios finalmente conseguem efetivar aprimoramentos nas normas gerais do ISS, o único imposto previsto constitucionalmente cujo exercício da competência tributária demanda a intermediação de uma lei complementar, o que dificulta por demais sua atualização, mas por outro lado, confere a adequada segurança jurídica, dado que tributado por mais de 5 mil entes tributantes no país.


1 Os entendimentos aqui defendidos pelo autor são feitos na sua qualidade de docente, e não necessariamente coincidem com entendimentos da Administração Tributária paulistana ou de qualquer entidade municipalista a respeito.

2 Para maiores detalhes, cf. DE LIMA, Alexandre Barbosa. Estudo sobre a Possibilidade de Tributação dos Serviços de Valor Adicionado pelo Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza. In: PINTO, Sérgio Luiz de Moraes; MACEDO, Alberto; ARAÚJO, Wilson José de (Coord.). Gestão Tributária Municipal e Tributos Municipais. Vol.4. São Paulo: Ed. Quartier Latin, 2014, p.23-44.

3 Para esclarecer e fundamentar essa afirmação, cf. o nosso MACEDO, Alberto. ISS – O conceito econômico de serviços já foi juridicizado há tempos também pelo direito privado. In: XII CNET – Direito Tributário e os Novos Horizontes do Processo. MACEDO, Alberto [et all]. São Paulo: Editora Noeses, 2015, p.1-79; e também o nosso MACEDO, Alberto. ISS versus ICMS-Mercadoria: software e a impossibilidade do avanço do conceito constitucional de mercadoria como bem imaterial. In: PINTO, Sérgio Luiz de Moraes; MACEDO, Alberto; ARAÚJO, Wilson José de (Coord.). Gestão Tributária Municipal e Tributos Municipais. Vol.6. São Paulo: Ed. Quartier Latin, 2017, no prelo.

4 Para maiores detalhas, cf. nosso MACEDO, Alberto. ISS, ICMS-Mercadoria e o Caso “Embalagens” (ADI-MC 4.389 DF) – A Constitucionalização, pelo STF, de Critérios que não são Constitucionais. In: MACEDO, Alberto; CASTRO, Leonardo Freitas de Moraes e (Coord.). Tributação Indireta Empresarial: Indústria, Comércio e Serviços. São Paulo: Quartier Latin, 2016, p.809-846.

Autores

  • Brave

    é mestre e doutor em Direito Econômico, Financeiro e Tributário pela USP; MBA em Gestão Pública Tributária pela Fundação Dom Cabral – FDC. Auditor Fiscal, assessor especial da Secretaria Municipal de Fazenda de São Paulo. Ex-presidente do Conselho Municipal de Tributos de São Paulo.

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