Opinião

Constituição veda reeleição de Rodrigo Maia à Presidência da Câmara

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12 de janeiro de 2017, 7h50

O atual presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM/RJ), foi eleito quando da renúncia do então ocupante do posto, o ex-deputado Eduardo Cunha (PDMB-RJ). A eleição contou com o apoio de diversos partidos, inclusive daqueles que não integram a base do governo Temer. Para dar um exemplo, o PCdoB apoiou a candidatura de Rodrigo Maia, especialmente em razão de o 2º turno dessa eleição ter sido disputado com Rogério Rosso (PSD/DF), membro do chamado “centrão” da Câmara dos Deputados e, em tese, “aliado” de Eduardo Cunha.

Dentre os candidatos, muitos dos quais sem a menor chance efetiva, Rodrigo Maia despontou como a melhor opção, sobretudo para conduzir a Casa Legislativa em momento de inegável transição e crise política. Sua gestão, cujo período foi bastante curto, não trouxe grande novidade. Ao contrário, notícias apontam para gastos excessivos por parte da Câmara Federal. Todavia, Rodrigo Maia conseguiu conduzir sessões que aprovaram medidas importantes ao país. Mas isso se deve ao seu papel de presidente? Penso que não! A aprovação de propostas apresentadas pelo governo Temer e por sua base aliada pode ser creditada à costura política que tanta falta fez ao governo Dilma e que existe no governo atual.

No final de 2016, Rodrigo Maia passou a articular sua reeleição para a Presidência da Câmara dos Deputados. A atitude traz preocupação a políticos e deve chamar a atenção de toda a sociedade. Aparentemente, o governo Temer apoia — ainda que de maneira velada — essa iniciativa. Contudo, a estratégia não encontra respaldo na Constituição Federal de 1988 nem no Regimento Interno da Câmara dos Deputados. Parece que o “poder” realmente seduziu Rodrigo Maia. O ano novo teve início e o intento de reeleição por parte do parlamentar está estampado em jornais e revistas brasileiros. Fala-se, inclusive, que o senador Renan Calheiros (PMDB-AL), é um dos grandes responsáveis pelos conchavos favoráveis à recondução de Maia.

Apesar do tema ser tratado como “estritamente político”, o real empecilho à reeleição de Rodrigo Maia é de ordem jurídica. Quando o deputado carioca foi conduzido à Presidência da Câmara dos Deputados, tinha ciência acerca de seu papel. Ele não foi eleito para um mandato de dois anos, mas sim para o chamado “mandato tampão”, a fim de concluir o período que restava do mandato até então exercido por Eduardo Cunha. Maia já exerceu alguns mandatos na Câmara Federal e não pode alegar desconhecimento a respeito da Constituição Federal ou do Regimento Interno da Câmara dos Deputados. Mesmo assim, a vontade de permanecer à frente da Casa parece superar o dever de cumprir e fazer cumprir as leis brasileiras.

O artigo 57, § 4º, da Constituição Federal é bastante claro. Conta com a seguinte redação: “Cada uma das Casas reunir-se-á em sessões preparatórias, a partir de 1º de fevereiro, no primeiro ano da legislatura, para a posse de seus membros e eleição das respectivas Mesas, para mandato de 2 (dois) anos, vedada a recondução para o mesmo cargo na eleição imediatamente subsequente”. O artigo 5º do Regimento Interno da Câmara dos Deputados apresenta texto similar: “Na segunda sessão preparatória da primeira sessão legislativa de cada legislatura, no dia 1º de fevereiro, sempre que possível sob a direção da Mesa da sessão anterior, realizar-se-á a eleição do Presidente, dos demais membros da Mesa e dos Suplentes dos Secretários, para mandato de dois anos, vedada a recondução para o mesmo cargo na eleição imediatamente subsequente”.

A Constituição Federal e o Regimento Interno vedam a recondução para o mesmo cargo na eleição imediatamente subsequente. Nada se afirma a respeito da “qualidade do mandato”. Em outras palavras, pouco importa se o eleito exerce um “mandato tampão” ou se concluiu integralmente o período de dois anos do mandato. A Câmara dos Deputados já emitiu parecer com esse teor. Contudo, Maia buscou pareceres de juristas, que buscam fundamentar a possibilidade de sua reeleição.

Para os consultados por Maia, a restrição apenas se opera nos casos em que o eleito tenha exercido o mandato de presidente em sua plenitude. Com todo respeito aos pareceristas favoráveis à reeleição, não se pode conferir maior valor ao período do mandato do que à limitação constitucional e regimental para a recondução.

Admitir a reeleição de Rodrigo Maia é negar o que há de essencial no dispositivo constitucional e naquele constante do Regimento Interno. A razão de ser de ambos é vedar a recondução de quem quer que tenha exercido determinado cargo na Mesa na eleição subsequente e para o mesmo cargo. É esta a situação na qual se encontra o deputado carioca.

Se o aspecto temporal fosse determinante, poderíamos cogitar situação ainda mais esdrúxula, na qual um presidente da Casa que tivesse exercido mais de 20 meses de “mandato tampão” pudesse deturpar a lei e eleger-se para o mesmo cargo, para mandato de mais dois anos, na eleição subsequente. Nessa hipótese, o mesmo parlamentar poderia ficar à frente da Câmara dos Deputados por quase quatro anos. Nada mais absurdo! É exatamente isso que as normas buscam evitar.

Como afirmado acima, a questão está longe de ser “unicamente política”. Ela é essencialmente jurídica. Se Rodrigo Maia puder disputar a reeleição, as normas invocadas serão simplesmente descartadas. A segurança jurídica, uma vez mais, sofrerá com base em interpretações jurídicas que se mostram convenientes apenas e tão somente aos parlamentares que as invocam. Pior ainda é notar que diversos partidos da base do governo Temer, inclusive o PSDB, apoiam a medida como forma de garantir alguma “estabilidade política”. Olvidam-se, contudo, que tal estabilidade não pode aniquilar a correta aplicação das normas jurídicas no país.

Os que apoiam e atestam a viabilidade da reeleição de Rodrigo Maia ousam sustentar que a matéria é interna corporis, como se a Câmara pudesse rasgar a Constituição e o Regimento Interno em razão de interesses exclusivamente políticos. O ministro do Supremo Tribunal Federal Roberto Barroso parece ser adepto dessa mesma tese, caso consideremos parecer que preparou — antes de integrar o STF — para o senador Garibaldi Alves (PMDB/RN), quando este ocupava a Presidência do Senado Federal, exercendo “mandato tampão”. O ministro do STF merece respeito, embora suas decisões costumem se apartar da essência dos textos legais.

Não se pode admitir que a Constituição e o Regimento Interno fiquem sujeitos à vontade política dos parlamentares. A razão de ser desses dispositivos constitucionais e regimentais reside na disciplina do Poder Legislativo. Essas normas limitam a livre escolha de parlamentares, exatamente para prestigiar o interesse público e não a conveniência pessoal de políticos ou do próprio governo.

Por todas essas razões, Rodrigo Maia já é muito menor do que aquele parlamentar que assumiu a Câmara Federal em momento de transição. Desrespeita quem nele depositou confiança, revelando apego ao poder e negando o dever de cumprir e fazer cumprir as leis brasileiras. Em outras palavras, Rodrigo Maia se apresenta como “mais do mesmo”.

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