Opinião

Investidor-anjo, uma previsão legal introduzida pela LC 155/2016

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27 de fevereiro de 2017, 7h07

1. Previsão legal
A Lei Complementar 155, de 27 de outubro de 2016, inseriu dispositivos na Lei Complementar 123, de 14 de dezembro de 2006, para regular o formato e características do investidor-anjo, que entraram em vigor em 1º de janeiro de 2017. A LCP 155/2016 também trouxe alterações no regime de apuração de impostos das empresas optantes pelo Simples Nacional.

2. Definição do investidor-anjo
O site Anjos do Brasil assim define o investidor-anjo:

“O Investidor-Anjo é normalmente um (ex-)empresário/empreendedor ou executivo que já trilhou uma carreira de sucesso, acumulando recursos suficientes para alocar uma parte (normalmente entre 5% a 10% do seu patrimônio) para investir em novas empresas, bem como aplicar sua experiência apoiando a empresa. Importante observar que diferentemente que muitos imaginam, o Investidor-Anjo normalmente não é detentor de grandes fortunas, pois o investimento-anjo para estes seria muito pequeno para ser administrado”[1].

A mesma fonte descreve as características do investimento-anjo:

“O Investimento-Anjo é o investimento efetuado por pessoas físicas com seu capital próprio* em empresas nascentes com alto potencial de crescimento (as startups) apresentando as seguintes características:

1. É efetuado por profissionais (empresários, executivos e profissionais liberais) experientes, que agregam valor para o empreendedor com seus conhecimentos, experiência e rede de relacionamentos além dos recursos financeiros, por isto é conhecido como smart-money.

2. Tem normalmente uma participação minoritária no negócio.

3. Não tem posição executiva na empresa, mas apoiam o empreendedor atuando como um mentor/conselheiro.

*O Investimento com recursos de terceiros é chamado de "gestão de recursos". É efetivado por fundos de investimento e similares, sendo uma modalidade importante e complementar a de Investimento-Anjo, normalmente aplicado em aportes subsequentes”.

Cassio Spina comenta a origem da expressão investidor-anjo, nos Estados Unidos, no início do século 20, para designar os investidores que bancavam os custos de produção das peças da Broadway, assumindo os riscos e participando de seu retorno financeiro, bem como apoiando a sua execução[2].

São quatro aspectos principais que chamam a atenção dos investidores-anjo[3] na análise das oportunidades:

  • inovação: fazer algo diferente ou fazer algo de uma forma diferente, não necessariamente criar algo novo. Essa diferenciação proporcionará potencial de crescimento ao negócio;
  • escalabilidade: potencial do negócio crescer sem depender de investimentos e/ou uma equipe especializada;
  • mercado e público-alvo amplo: o crescimento estaria limitado se dependesse de poucos clientes; e
  • empreendedor engajado: essencial para desenvolver o negócio — uma ideia sem implementação não tem valor.

3. Condições da formação do investimento de acordo com a LCP 155/2016
A LCP 155/2016 estabeleceu requisitos para a realização do investimento-anjo. A numeração indicada nos parágrafos seguintes refere-se aos artigos da LCP 123/2006, conforme alterada pela LCP 155/2016, salvo se de outra forma indicada:

  • ser formalizado por contrato de participação (artigo 61-A, parágrafo 1º);
  • a sociedade investida estar enquadrada como micro empresa ou empresa de pequeno porte (destaca-se que a sociedade investida deve ter faturamento anual inferior a R$ 4,8 milhões/ano) (artigo 61-A, caput);
  • ter como finalidade fomento a inovação e a investimentos produtivos (artigo 61-A, caput);
  • o contrato de participação deve ter vigência não superior a sete anos (artigo 61-A, parágrafo 1º); e
  • pode ser realizado por pessoa física ou jurídica (artigo 61-A, parágrafo 1º) ou mesmo fundo de investimento (artigo 61-D).

4. Características do investidor-anjo
As características do investidor-anjo delineadas na regulamentação são:

  • não será considerado sócio ou administrador da sociedade investida e não possuirá poder de gestão desta (artigo 61-A, parágrafo 4º, I);
  • não responde por dívidas da sociedade investida e não se sujeita à desconsideração da personalidade jurídica (artigo 61-A, parágrafo 4º, II);
  • será remunerado pelos aportes de acordo com contrato de participação, por até cinco anos (artigo 61-A, parágrafo 4º, III), não superior a 50% dos lucros da sociedade (artigo 61-A, parágrafo 6º);
  • poderá resgatar o valor aportado somente dois anos a realização do investimento ou se prazo maior for estipulado no contrato de participação; o pagamento do investimento deve ser realizado na forma prevista no artigo 1031, do Código Civil, e não ultrapassando o valor do investimento corrigido (artigo 61-A, parágrafo 7º);
  • poderá ceder sua posição no contrato de participação, mediante o consenso dos sócios da sociedade investida ou observado o que dispuser o contrato de participação (artigo 61-A, parágrafos 8º, 9º e 10); e
  • terá direito de preferência na aquisição de participação societária da sociedade investida caso os sócios decidam vender, bem como direito da venda do aporte de capital conjunta, nos mesmos termos e condições ofertadas aos demais sócios da sociedade investida (artigo 61-C).

5. Discussão
Não há dúvida de que toda novidade legislativa que tenha o propósito de dar nova dinâmica para a nossa economia será sempre bem-vinda, sem prejuízo do debate do que puder aprimorar.

Há dois aspectos da novidade legislativa que trazemos para discussão, a saber: (i) se o contrato de participação perderia a sua eficácia caso a sociedade investida não mais se enquadre como ME ou EPP e (ii) o resgate do investimento-anjo estar limitado ao valor corrigido do aporte (artigo 61-A, parágrafo 7º) e o investidor-anjo não pode receber mais do que 50% dos dividendos distribuídos pela sociedade investida (artigo 61-A, parágrafo 6º) encorajariam a realização de investimentos-anjo?

Discorreremos sobre os pontos apontados a seguir.

5.1. Eficácia do contrato de participação caso a sociedade investida não mais se enquadre como ME ou EPP
A questão a discutir é: se superado o limite de valor de faturamento da ME ou da EPP, o contrato de participação perderia sua eficácia?

Nossa resposta é não.

O propósito desse tipo de investimento-anjo é alavancar os negócios da sociedade investida, fazendo-a crescer, inclusive em faturamento.

E espera-se que a sociedade investida consiga aumentar significativamente o seu faturamento e ultrapasse o limite de faturamento da EPP.

A regulamentação tratou dos elementos que devem ser observados para a formação do contrato de participação, mas nada dispôs sobre a obrigatoriedade de a sociedade investida manter-se enquadrada como ME ou EPP durante o prazo de duração do investimento-anjo.

Inexiste, assim, qualquer condição de eficácia do contrato de participação relacionado ao enquadramento da sociedade investida como ME ou EPP.

Assim, entendemos que o contrato de participação permanece válido e gerando todos os seus efeitos mesmo se ultrapassado o limite de faturamento da EPP. De toda sorte, não seria demais que esta condição fosse devidamente explicitada no texto legal.

5.2. Limitação do valor do resgate do investimento e na distribuição de dividendos
A questão a discutir é: se a limitação do valor do resgate do investimento-anjo e na distribuição de dividendos de até 50% dos lucros da sociedade investida encoraja a realização de investimentos-anjo?

Nossa resposta é não.

5.2.1. Critério legal para a apuração do valor do resgate
O artigo 61-A, parágrafo 7º, da LCP 123/2006 dispõe que, no momento da saída do investidor-anjo, devem ser observadas as condições tratadas no contrato de participação limitado ao valor corrigido do investimento e observado o disposto no artigo 1.031, do Código Civil[4] quanto ao pagamento dos haveres.

Quanto à correção do valor do investimento, entende-se que seria a aplicação de índice oficial de inflação (IGPM e IPCA, dentre outros).

O artigo 1.031, do Código Civil[5] estabelece que o pagamento da quota liquidada do sócio deve ser feito com base no valor patrimonial contábil, na data da deliberação, apurado em balanço especial. O parágrafo 2º do citado artigo 1.031 determina pagamento em dinheiro, em 90 dias, salvo outra forma estabelecida no contrato social.

O parágrafo 7º do artigo 61-A, da LCP 123/2006 não permite às partes estabelecerem critério para avaliar o valor do investimento no contrato de participação de comum acordo. O único ponto que as partes podem tratar é o estabelecimento de prazo de resgate maior que o de dois anos da data do aporte.

Aplicando-se os critérios legais, o valor do investimento-anjo deve ser calculado de acordo com o valor do aporte corrigido e pago em até 90 dias, salvo se prazo diferente estiver estabelecido no contrato social ou o contrato de participação.

5.2.2. Expectativa de retorno do investimento
Sem ingenuidade, o investidor-anjo usa do seu tempo para estudar, analisar, avaliar e decidir sobre investimento em negócio promissor, que lhe possa trazer o esperado retorno esperado, no prazo previsto. E apto a tomar risco.

Pesquisa conduzida no primeiro semestre de 2005 entre investidores-anjo integrantes do Gávea Angels aponta taxa de retorno anual esperada na faixa de 48,87%[6]. Mostra-se, portanto, acima do valor corrigido do investimento.

Tendo em vista que o valor do resgate do investimento está limitado ao valor do investimento corrigido pela inflação, não será muito inteligente ao investidor fazer todo o seu esforço por um retorno limitado, que não reflete a parcela do valor do negócio que lhe caberia em função do investimento realizado, inferior à sua expectativa ou em face da aplicação financeira de renda fixa onde poderia aplicar os recursos que seriam dedicados ao investimento-anjo.

Cabe mencionar que as salvaguardas caracterizadas do investidor-anjo — distância da administração, não responder por dívidas, não sujeito a desconsideração da personalidade jurídica — baixariam a sua exposição. Porém, o acompanhamento próximo da administração do negócio pelo investidor nos faz acreditar que mitigaria dita exposição.

Se a aplicação dos tipos societários com base na legislação societária e tributária vigentes, já testada e de maior familiaridade dos nossos tribunais e árbitros permite ao investidor comum estabelecer regras que lhe possibilitam alcançar os seus objetivos (e sem necessidade de desbravar este novo formato), não há razão para usar a figura do investidor-anjo.

Dessa forma, entendemos que a limitação sobre o valor do resgate do investimento imposta pela LCP 155/2016 afasta investimentos-anjo.

5.2.3. Sobre a limitação na distribuição de dividendos
Como comentado, o pagamento de dividendos está limitado a 50% dos lucros da sociedade investida (artigo, 61-A, parágrafo 6º).

Não se espera pagamento de dividendos relevantes de uma empresa em fase start-up. E ainda que houvesse, o valor do negócio (calculado por fluxo de caixa descontado ou múltiplos de EBITDA) seria bem provavelmente muito maior que o valor do aporte corrigido. E, novamente, o investidor perderá a chance de apropriar-se integralmente da parcela do valor do negócio que lhe caberia em função do investimento realizado.

É fato que o pagamento de dividendos no patamar apontado pode deixar o investimento mais atrativo, mas não se figura como suficiente para atrair investimento-anjo.

5.2.4. Nossa contribuição
Com o propósito de contribuir para o incremento do investimento-anjo, trazemos sugestão da redação do parágrafo 7º, do artigo 61-A, para que as partes do contrato de participação tenham a liberdade de estabelecer o critério de avaliação do valor do resgate do aporte:

Art. 61-A …

§ 7º O investidor-anjo somente poderá exercer o direito de resgate depois de decorridos, no mínimo, dois anos do aporte de capital, ou prazo superior estabelecido no contrato de participação, e seus haveres serão pagos na forma do art. 1.031 da Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002 – Código Civil, salvo se de outra forma tiver sido estabelecida pelas partes no contrato de participação”.

O artigo 61-A, parágrafo 10 estabelece que caberá ao Ministério da Fazenda regulamentar a tributação sobre a retirada do capital investido. Visando fomentar o investimento-anjo, sugerimos que a tributação do rendimento obtido esteja nos mesmos patamares daqueles aplicados sobre os rendimentos de aplicações financeiras.

6. Conclusão
Entendemos a regulamentação da figura do investidor-anjo, delineando as suas características e os direitos decorrentes, como positiva.

Quanto ao desenquadramento da sociedade investida como ME ou EPP, entendemos que tal fato não desfigura ou invalida o contrato de participação ou o investimento-anjo.

Com relação ao resgate do investimento-anjo, entendemos que a limitação do potencial retorno, como tratada na LCP 155/2016, afastará o interesse nessa modalidade de investimento. A possibilidade de receber até 50% dos dividendos da sociedade investida pode ser atrativo, mas ainda insuficiente para fomentar investimentos-anjo. Acreditamos que uma maior liberdade para as partes tratarem do valor do resgate tornarão atrativo o investimento-anjo.


[1] http://www.anjosdobrasil.net/o-que-eacute-um-investidor-anjo.html, acessado em 10/2/2017.
[2] https://endeavor.org.br/afinal-o-que-e-investimento-anjo, acessado em 10/2/2017.
[3] https://www.napratica.org.br/investimento-anjo-o-que-e-e-como-funciona/, acessado em 10/2/2017.
[4]Art. 61-A …
§ 7º O investidor-anjo somente poderá exercer o direito de resgate depois de decorridos, no mínimo, dois anos do aporte de capital, ou prazo superior estabelecido no contrato de participação, e seus haveres serão pagos na forma do art. 1.031 da Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002 – Código Civil, não podendo ultrapassar o valor investido devidamente corrigido.
[5] Art. 1.031. Nos casos em que a sociedade se resolver em relação a um sócio, o valor da sua quota, considerada pelo montante efetivamente realizado, liquidar-se-á, salvo disposição contratual em contrário, com base na situação patrimonial da sociedade, à data da resolução, verificada em balanço especialmente levantado.
§ 1º O capital social sofrerá a correspondente redução, salvo se os demais sócios suprirem o valor da quota.
§ 2º A quota liquidada será paga em dinheiro, no prazo de noventa dias, a partir da liquidação, salvo acordo, ou estipulação contratual em contrário.
[6] BOTELHO A. J.; DIDIER, D.; HOCHMAN, N.; RODRIGUES, M V R., Impulsionando o take-off da inovação no Brasil: O Investidor Anjo. 2006. Disponível em www.anpad.org.br/enanpad/2006/dwn/enanpad2006-gctb-0483. Acessado em 10/2/2017.

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