Segunda Leitura

Estudar a administração da Justiça sob olhares de países diversos

Autor

  • Vladimir Passos de Freitas

    é professor de Direito no PPGD (mestrado/doutorado) da Pontifícia Universidade Católica do Paraná pós-doutor pela FSP/USP mestre e doutor em Direito pela UFPR desembargador federal aposentado ex-presidente do Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Foi secretário Nacional de Justiça promotor de Justiça em SP e PR e presidente da International Association for Courts Administration (Iaca) da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) e do Instituto Brasileiro de Administração do Sistema Judiciário (Ibrajus).

23 de abril de 2017, 8h03

Spacca
A tripartição de Poderes concebida por Montesquieu revelou-se a forma mais inteligente de equilíbrio entre os que detêm o  poder de mando. Nesta divisão, o Judiciário, que no passado fazia o papel de simples árbitro dos conflitos individuais, nos últimos tempos cresceu em importância e assumiu um protagonismo nunca antes experimentado.

O fenômeno não é brasileiro, mas comum a todas as democracias. Evidentemente isto não ocorre nas ditaduras, onde o Poder Executivo dita as ordens. Mas a contrapartida foi que a responsabilidade também aumentou na mesma proporção. E esta responsabilidade inclui o dever de efetividade, dever este que no Brasil está muito longe da realidade.

Todavia, o estudo da matéria em nosso país anda em baixa. O Conselho da Justiça Federal, que de 2000 a 2004 realizou excelentes congressos na área, saiu de cena. O Conselho Nacional de Justiça não conseguiu assumir a liderança. Muito embora, isoladamente,  os 91 Tribunais venham dedicando atenção ao assunto, o certo é que falta uma ação conjunta, nacional.

Apesar disto, cada unidade judiciária, do Supremo Tribunal Federal ao mais distante Juizado Especial, tem o dever de dar a prestação jurisdicional em prazo razoável. Ou, se isto for apenas uma das muitas quimeras constitucionais, pelo menos tem o dever de dedicar o maior dos esforços para que a efetividade seja a melhor dentro do possível.

Foi isto que fez, em boa hora, o STF, ao atender ao pedido da OAB para criar uma força tarefa de apoio ao ministro Edson Fachin, relator de grande quantidade de investigações da “lava jato” na Corte.[1] Louvável tentativa de evitar o vexame de todas as acusações saírem aos poucos de foco e acabarem em discretas decisões que reconhecem a prescrição.

Pois bem, como o interesse na efetividade da Justiça é global e não nacional, duas entidades voltadas para a administração judiciária, International Association for Court Administration (IACA) e a National Association for Court Management (NACM), promoverão em Washington, D.C. (EUA), de 9 a 13 de julho próximo, um congresso internacional denominado “Excelência em escala global”, com tradução simultânea para o espanhol.  Entre conferências e painéis, serão debatidos temas como:

a. Tendências emergentes que afetam a administração da Justiça

Administrar a Justiça é agir preventimente, estudar as tendências e preparar-se para os desafios. Lamentavelmente, temos feito o inverso no Brasil. À medida que os problemas surgem saímos à procura de soluções.

Temos exemplos de sobra no passado (milhares de ações envolvendo o Sistema Financeiro deHabitação nas varas federais) e agora (varas federais despreparadas para receber processos envolvendo dezenas de pessoas em operações da Polícia Federal).

Evidentemente, antecipar-se é o que deve ser feito. Por exemplo, antes que venha mais uma rebelião nos presídios, com todas as suas consequências, informatizar a execução das penas, de modo que nenhum preso fique um só dia a mais do que foi condenado.

b. O desafio da igualdade na Justiça

A igualdade formal das partes no  processo, a que se referiam Cappelletti e Garth há décadas,[2] não é mais suficiente para que haja adequada distribuição de Justiça. Que fazer para que ela se torne real, ou seja, vá além do formal? Não é tarefa fácil, com certeza. Não há como, por exemplo, garantir às partes defensores com igual nível de qualidade e quem contrata um advogado mais capacitado, certamente, sai em vantagem. Por ser o tema muito difícil, é preciso discuti-lo e conhecer experiências estrangeiras.

c. Gerenciando casos de alta complexidade

Todos sabem que nas varas ou nos tribunais casos de extrema dificuldade misturam-se com centenas de outros rotineiros. Todos são importantes para a vida das pessoas envolvidas. Mas os mais complexos, por vezes, alcançam de forma abrangente um grande número de pessoas, o Estado, o meio ambiente ou uma minoria vulnerável.

Vejamos um exemplo. O caso do rompimento da barragem da Samarco sensibilizou toda a sociedade pelo elevado grau de destruição que originou, afetando a vida de milhares de pessoas e também o meio ambiente. No entanto, no Poder Judiciário foi tratado como um caso a mais nas abarrotadas varas da Justiça estadual ou federal, sem qualquer estratégia de efetividade. Ao contrário, o Ministério Público de Minas Gerais criou uma força-tarefa para cuidar do caso.[3]  

Outro exemplo. O Superior Tribunal de Justiça tem competência para processar e julgar governadores, deputados estaduais, desembargadores, conselheiros dos Tribunais de Contas e outras autoridades (Constituição, artigo,105, inciso I). Evidentemente, boa parte destas ações penais são complexas, envolvem provas técnicas, milhares de documentos. No entanto, não se vê no STJ nenhuma medida para gerenciar estes casos. Eles entram na rotina de milhares de outros tantos, acabam sendo  esquecidos e um dia o Diário Oficial Eletrônico publicará no canto de uma página um sucinto despacho, reconhecendo a prescrição. Foi exatamente o que ocorreu com a condenação do ex-governador do Paraná, Jaime Lerner.[4]

d. Construindo competências judiciais e administrativas. Comparando experiências dos Estados Unidos, França, Japão e Abu-Dhabi

O título diz tudo. A necessidade de aprimoramento de nossas instituições judiciais e administrativas pode ser conseguida a partir da experiência de países diferentes. Ouvir o que os seus representantes têm a dizer é o melhor caminho.

e. A história legal, neurociência e toxicologia da maconha: o que o sistema de Justiça precisa saber

Assunto de grande interesse no Brasil, onde opiniões divergem e a Justiça começa a receber pedidos sem estar preparada para enfrentar tema tão difícil.

f. Sucesso através da realização e resiliência. Uma alternativa de programa para menores vítimas do tráfico sexual

Realidade que não agrada ver e nem saber, o fato é que juízes, agentes do Ministério Público, psicólogos, advogados, assistentes sociais e outros atores, veem-se envolvidos em casos de enorme complexidade, envolvendo menores vítimas do tráfico e de outras formas de abordagem e assédio sexual. O combate exige conhecimentos especializados e a discussão é a única saída para os profissionais da área conseguirem dar a melhor solução.

g. Juízes, servidores e dinheiro. Como devem ser bem alocados? A Justiça Federal norte-americana compartilha seus segredos

Em 50 anos de experiência na área jurídica, nunca vi qualquer discussão sobre este tema. E para brasileiros ele é mais do que oportuno. A crise econômica pegou de surpresa os Tribunais e obrigou todos a estudar e aplicar melhor seus recursos. Conhecer os segredos das Cortes Federais americanas pode ser um excelente auxílio suplementar.

A pequena amostra dos assuntos a serem debatidos aponta o quanto temos a discutir. Aos mencionados exemplificativamente, outros tão importantes quanto se juntarão. Por exemplo, Liderança nas Cortes, Design nos Tribunais ao redor do mundo, Liderança, da Casa Branca às Cortes de Justiça: quatro práticas de líderes efetivos, Engajamento da comunidade nos Tribunais Estaduais, Como as Cortes podem desenvolver e aplicar programas para ensinar ao público a importância do Judiciário e outros.

As matérias do congresso estão disponíveis aos interessados[5] e outros dados, como a forma de inscrição, também.[6] Tribunais, associações de magistrados, servidores em funções de liderança, não podem perder esta e outras tantas oportunidades de desenvolver seus conhecimentos, assumirem lideranças e transformarem suas unidades judiciárias em exemplo de excelência. O Brasil merece.

Autores

  • é desembargador federal aposentado do TRF da 4ª Região, onde foi corregedor e presidente. Mestre e doutor em Direito pela UFPR, pós-doutor pela Faculdade de Saúde Pública da USP, é professor de Direito Ambiental no mestrado e doutorado da PUC-PR. Presidente da International Association for Courts Administration (IACA), com sede em Arlington (EUA). É vice-presidente do Ibrajus.

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!