Adequação da linguagem

Vitória de Trump nas eleições americanas traz lições para advogados

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27 de dezembro de 2016, 10h21

Até hoje, os americanos frustrados com o resultado da eleição presidencial em 8 de novembro buscam explicações para o que consideram a surpreendente vitória do politicamente inexperiente Donald Trump sobre Hillary Clinton.

O advogado e professor de Direito Elliott Wilcox, editor do Trial Theater, encontrou explicações que servem de lição para os advogados. A primeira delas: enquanto a advogada Hilary Clinton tem um discurso sofisticado, o empresário Donald Trump tem um discurso que os eleitores não sofisticados entendem.

Em outras palavras, Trump apresentou melhor seu caso aos eleitores. Para os advogados, promotores e procuradores, que têm de apresentar melhor seu caso a jurados, juízes, desembargadores, etc., as estratégias de Trump são úteis.

Lição 1: Fale para ser entendido
Com seu discurso muito bem articulado e com um vocabulário de alto nível, a advogada Hillary Clinton se sente totalmente confortável diante de uma audiência composta por diplomatas, acadêmicos ou qualquer audiência com uma alta formação educacional. Mas diante de gente simples, não consegue se comunicar apropriadamente.

Ao contrário, a vida treinou Donald Trump para se comunicar muito bem com gente simples, com formação educacional que mal passa do curso primário —apesar de ele haver feito faculdade e ter capacidade de se comunicar com pessoas de mais alto nível educacional, ainda que seu vocabulário não se compare ao de Hillary.

Segundo Wilcox, a revista Rolling Stone entrevistou muitos eleitores de baixo nível de escolaridade e apurou um sentimento, quase comum, de que o discurso de Hillary era “muita conversa para boi dormir”, pois não se sabia o que ela estava falando. Ao contrário, disseram que entendiam tudo o que Trump dizia.

Alguns analistas dizem, hoje, que a linguagem de Trump foi, provavelmente, a que produziu a retórica política mais simples de todas as campanhas eleitorais nos Estados Unidos. “Os eleitores nunca tiveram de forçar seus cérebros para entender o que Trump estava dizendo. Ele sempre falou no mesmo nível de compreensão deles ou mesmo abaixo disso. Nunca acima”, diz Wilcox.

A necessidade de adaptar a própria fala (e o próprio comportamento) ao nível da audiência não é uma estratégia nova. Na verdade, está na Bíblia, na carta de Paulo aos coríntios (1 Coríntios 9:19-23), diz o editor do Trial Theather:

“Porque, sendo livre e não pertencendo a ninguém, fiz-me de escravo de todos, para ganhar muitos deles. Para os judeus, fiz-me de judeu, para ganhar os judeus; para aqueles observadores da lei, me tornei alguém observador da lei (embora não tivesse de observar a lei), para ganhar os observadores da lei. Para os que não observam a lei, me tornei alguém que não observa a lei (apesar de não estar livre da lei de Deus e observando a lei de Cristo), para ganhar os que não observam a lei. Fiz-me de fraco para os fracos, para ganhar os fracos. Fiz-me tudo para todos, para, por todos os meios, chegar a salvar alguns”.

Em resumo, ele se colocava no mesmo lugar de seus interlocutores. Não tentava mudá-los, não tentava mudar suas crenças, aceitava-os do jeito que eram e falou a eles em um patamar de igualdade, diz Wilcox.

Da mesma forma, o advogado que quer persuadir juízes, desembargadores, ministros, pode usar, sem problemas, seu discurso academicamente articulado. Mas, ao falar com jurados, cujo nível educacional equivale ao primário (ou, no máximo, secundário), o advogado deve saber se comunicar na linguagem mais simples possível. E transmitir ideias também de maneira simples, sem qualquer elaboração intelectual.

O prêmio para quem consegue fazer isso é a Presidência dos EUA – ou a vitória em um julgamento. Os jurados consideram a linguagem sofisticada de um advogado como uma incapacidade de se comunicar com eles. E acham que o que não conseguem entender não tem realmente valor.

Lição 2: Esses eleitores serão seus jurados
Diversos líderes populares (ou populistas) se elegeram na história recente da América Latina. Os eleitores que os elegeram serão, basicamente, os que vão compor os júris, em cada país. Não importa se o advogado concorda ou não com eles. Serão eles que irão decidir a sorte de seus clientes no tribunal do júri.

Para Wilcox, os advogados e promotores que querem ganhar causas nos tribunais têm de entender suas audiências (sejam jurados ou desembargadores). No caso dos jurados, a melhor maneira de o advogado fazer isso é conversando com os “eleitores”, principalmente com aqueles que têm pontos de vista muitos diferentes do seu.

“Converse com esses 'eleitores' que têm pontos de vista muito diferentes dos seus, sem tentar mudar suas ideias ou convencê-los de qualquer coisa. Seu objetivo é apenas entender porque eles assumem determinados posicionamentos (ou sentimentos). Em outras palavras, você deve calçar o sapato deles, para perceber como se sentem”, diz Wilcox.

Lição 3: Vise os eleitores mais valiosos
Hillary Clinton ganhou o voto popular: mais votos que Trump na contagem geral do país. Porém Trump obteve mais votos onde precisava ganhar, para ter mais eleitores no Colégio Eleitoral.

Trump ganhou: 92,2% de votos em condados onde menos de 20% dos eleitores frequentaram uma faculdade; 90,5% dos votos nas áreas rurais; 88,5% em áreas onde a renda média anual é inferior a US$ 50 mil; 93,7 dos votos em condados com população inferior a 10 mil habitantes; 91,9% dos votos em condados em que menos de 5% da população é estrangeira.

Com isso, seu Partido Republicano de Trump fez 290 eleitores para o Colégio Eleitoral, enquanto o Partido Democrata de Hillary Clinton só fez 228.

Nos EUA, isso é mais importante porque os advogados e promotores têm a oportunidade de conhecer melhor os jurados, durante o processo de seleção do júri. Nesse caso, eles procuram descobrir os jurados que serão mais decisivos na sala de deliberação do veredicto e lhes dão especial atenção durante o julgamento (através de contato visual, principalmente).

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