Doença controlável

EUA começam a rever sistemas de punição para "predadores sexuais"

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19 de junho de 2015, 11h41

No final da década de 80, começo da década de 90, os crimes contra a liberdade sexual se tornaram tão frequentes, nos EUA, que quase todos os estados passaram leis duras, muitas vezes classificadas de “cruéis” (e, portanto, inconstitucionais) para preveni-los.

Alguns estados aprovaram a castração química, enquanto 20 outros criaram programas que permitem segregar o criminoso sexual da sociedade por tempo indefinido — isto é, depois de cumprir sua pena na prisão, a pessoa é imediatamente transferida para uma instituição de tratamento, com todas as características de uma prisão, de onde não sai até que haja certeza total de que não voltará a cometer o crime.

Em Minnesota, mais de 700 “pacientes”, que foram “encarcerados” no instituto de tratamento, desde que o programa foi criado em 1994, jamais foram libertados. Uma ação coletiva, movida por 14 delas, poderá mudar esse quadro para todos os internos.

Na quarta-feira (17/6), o juiz Donovan Frank, de um tribunal federal em St. Paul, decidiu que a lei que criou esse programa no estado é inconstitucional, porque “viola os direitos fundamentais dos condenados por crime sexual”. Para ele, “esse esquema é um sistema punitivo que segrega uma classe de indivíduos potencialmente perigosos, sem as salvaguardas do sistema de justiça criminal”.

“É fundamental para nossa noção de sociedade livre que não encarceremos cidadãos porque tememos que eles podem cometer um crime no futuro”, ele escreveu em sua decisão de 76 páginas. Sobre a estrutura e história do programa, ele disse que, como está, nenhum dos internos pode ter “uma esperança realista de algum dia sair dessa detenção civil”.

A opinião do juiz não convence os políticos e eleitores conservadores, que preferem se livrar dos “predadores sexuais” para sempre. Mas tem o apoio, em parte, de autoridades estaduais, que estão preocupadas com o custo da manutenção do sistema — não com alternativas para os condenados.

Para eles, o melhor argumento do juiz foi o de que o custo de segregar os “predadores sexuais” em instituições chamadas de tratamento é realmente significativo. Em Minnesota, o custo para manter uma pessoa na instituição é de quase US$ 125 mil por ano — pelo menos três vezes o custo de manter um prisioneiro no sistema penitenciário. No geral, o programa custa ao estado US$ 80 milhões por ano.

Doença controlável?
O juiz tem um apoio maior de psicólogos, psiquiatras e de algumas organizações que acreditam que algumas alternativas ao encarceramento contínuo podem trazer bons resultados. Para eles, a ideia prevalecente há algumas décadas, de que os predadores sexuais são pessoas ruins, não doentes, mudou. Hoje se acredita que essas pessoas sofrem de uma doença neurológica, que pode ser tratada preventivamente e, com isso, evitar a reincidência.

O suporte a essa teoria deriva, principalmente, de um estudo, de 2007, do Centro de Prevenção da Violência, do Instituto Karolinska, em Estocolmo, Suécia, de acordo com o jornal The Christian Science Monitor.

O estudo concluiu que os predadores sexuais são significativamente mais propensos a sofrer de alguma doença mental, do que um cidadão comum. Esses criminosos são cinco vezes mais hospitalizados por esquizofrenia e outros distúrbios psicóticos. E 30 vezes mais propensos a serem diagnosticados com distúrbio de personalidade. E, ainda, correm mais riscos de dependência química ou de álcool.

“Identificar e tratar esses distúrbios reduz significativamente o risco de os predadores sexuais voltarem a praticar o crime”, escreveu o psiquiatra Seena Fazel, principal pesquisador do estudo.

A diretora do Instituto para o Bem-Estar Sexual de Massachusetts, Renee Sorrentino, disse ao jornal que uma alternativa eficaz para manter os predadores sexuais sob controle é utilizar o Lupron, um agente hormonal usado para tratar pedófilos. “No caso deles, o medicamento é muito eficiente, porque permite aos pedófilos continuar vivendo suas vidas sem sentir desejo por crianças”.

Ao contrário da castração química, obrigatória em alguns estados para criminosos sexuais reincidentes, o Lupron não causa disfunção sexual. “A capacidade de manter a função sexual é importante para o criminoso sexual que queira, algum dia, manter um relacionamento adulto saudável”, ela disse.

Para Renee Sorrentino, pessoas que não se envolvem em relacionamentos saudáveis se tornam de alto risco. Se forem rejeitados, é ainda pior. Esse costuma ser o caso dos criminosos sexuais que recebem um outro tipo de punição nos EUA. As autoridades enviam aos moradores, de quando em quando, um e-mail como nomes e fotos de “predadores sexuais em sua área”. As escolas também enviam aos pais dos alunos informes semelhantes.

Diante disso, os ex-condenados têm dificuldade para alugar uma residência, não encontram empregos e se tornam moradores de rua, com gana para o crime.

“Os predadores sexuais se tornam menos perigosos se encontram algum relacionamento próximo ou suporte”, diz Renee Sorrentino. E esse foi o caminho encontrado pela organização canadense Círculos de Suporte e Responsabilização (COSA – Circles of Support and Accountability). A COSA, começou a funcionar em 1994 em uma igreja e seu modelo se espalhou por todo os Estados Unidos e pela Europa.

A organização faz reuniões de ex-condenados e pessoas com tendências a cometer crime contra a liberdade sexual com pessoas normais, voluntários que dedicam tempo para conversar com eles, trocar ideias e informações e, enfim, se relacionar. Um estudo publicado no jornal Sexual Abuse mostrou que o COSA reduziu a reincidência em 83% entre ex-condenados.

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