Questões de classe

Entidades criticam projeto de lei que regulamenta atuação do paralegal

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22 de setembro de 2014, 19h42

A Associação Brasileira de Ensino do Direito (Abedi) e o colégio de presidentes dos institutos dos advogados do Brasil criticaram o Projeto de Lei 5.479/13, que regulamenta a profissão de paralegal — bacharel em Direito que não tem registro de advogado.

Em nota, a Abedi afirma que “não existem diagnósticos claros sobre o mercado de trabalho na área jurídica (…), o que torna qualquer discussão nesse sentido uma mera exposição retórica de impressões e de manifestações pessoais marcadas pelo subjetivismos”.

A alfinetada faz referência a um dos argumentos usados pelo deputado Sergio Zveiter (PSD-RJ), autor da proposta, para defender a regulamentação. O parlamentar afirma que o país tem “um verdadeiro exército de bacharéis que, sobretudo por não lograrem êxito no exame da Ordem dos Advogados do Brasil, ficam fora do mercado de trabalho”.

A associação — que conta com nomes como Alexandre Veronese, Otávio Luiz Rodrigues, Fernando Fontainha e Lenio Streck — acrescenta que a discussão sobre o tema ainda é rasa. “Se o projeto de lei funda-se na deficiente formação nos cursos de Direito para criar o ‘paralegal’, em momento algum ele oferece soluções para o que considera a causa para a criação desse novo agente. Trata-se de identificar um sintoma e não combater as causas da patologia, algo bastante comum no debate de políticas públicas no Brasil.”

Já o colégio de presidentes dos institutos de advogados do Brasil sustenta que é falsa a argumentação de que os paralegais estariam nos escritórios de advocacia. “Ao contrário, a esses escritórios só interessa o profissional capaz, habilitado na OAB. De outro modo, a qualidade de seus serviços estaria posta em cheque”.

A entidade critica, ainda, a quantidade de faculdades voltadas ao ensino do Direito no país, onde “está, certamente, a origem do problema”. O grupo apontado dados da seccional paulista da OAB, estimando que o Brasil tem, atualmente, cerca de 1,2 mil instituições, e o resto mundo, somado, 1,1 mil.

Veja, abaixo, a íntegra dos documentos:

Colégio de Presidentes dos Institutos dos Advogados do Brasil

Tramita no Congresso Nacional, em Brasília, o equivocado projeto de lei nº 5.479/2013 que, a pretexto de criar a categoria profissional dos “paralegais”, atribui esse rótulo aos bacharéis em direito malsucedidos no “Exame da Ordem”. Assim, aqueles que reprovados pela Ordem dos Advogados do Brasil estariam, automaticamente, acomodados dentro dessa nova profissão: dos “paralegais”.

O Brasil não conhece, por tradição, a profissão dos “paralegais”. Poderá, todavia, vir a conhecê-la. Mas esta não é a questão. Ocorre que bacharel em Direito não é um “paralegal”. Os cursos de direito não conferem a seus bacharéis essa qualificação. Com a péssima formação que o ensino jurídico dedica aos estudantes em geral – e ressalvemos, há ilhas de excelência de ensino jurídico no Brasil – já são mais de um milhão de pessoas reprovadas no exame da OAB. Este número cresce, geometricamente, a cada nova edição desse exame de habilitação, indispensável, no Brasil, à admissão como advogado.

A solução simplista e equivocada de abrigar esses bacharéis como “paralegais” leva a questão à situação do inusitado. Nas provas e nos concursos em geral, de aferição de conhecimento, premia-se o saber dos vencedores. Com esses “paralegais”, seria, o Brasil, o único lugar no mundo onde a pessoa, é promovida, ganhando uma profissão. Na maioria dos casos, esses pobres bacharéis já foram enganados por uma vez, ao frequentarem cursos desprovidos de condições mínimas de ensino. Não podem, com rótulo novo, ser enganados mais uma vez.

Na medida em que tal projeto se convole em lei – vade retro – os próximos passos, já se antevê: esses mais de um milhão diplomados nos cursos de direito, reprovados no Exame de Ordem (exatamente os que demonstraram inaptidão para o exercício da advocacia) formariam um “sindicato” ou algo do gênero. Em seguida, viria uma pressão sobre a OAB e assim, de novo, se reabre a demanda sobre a manutenção do Exame de Ordem. O risco de se comprometer a advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil é maior do que parece.

É falsa a argumentação de que esse contingente de bacharéis estaria nos escritórios de advocacia. Ao contrário, a esses escritórios só interessa o profissional capaz, habilitado na Ordem dos Advogados do Brasil. De outro modo, a qualidade de seus serviços estaria posta em cheque, já que realizado por mãos inabilitadas.

É preciso trazer a texto que a função dos “paralegais” não pode se confundir com a função do advogado. O radical “para”, de origem grega, corresponde a estar ao lado, não no mesmo lugar. Para o exercício de suas funções, necessariamente auxiliares, presume-se, a pessoa deve deter habilidades variadas, como a organização da agenda, o manuseio de computadores e sistemas de comunicação, a confecção de relatórios; são trabalhos que reclamam outro tipo de formação. Dessa equivocadamente pretendida acomodação do exercito de bacharéis frustrados como “paralegais”, resultaria, na verdade, uma humilhação desse contingente, a todos ludibriando, inclusive a si próprio.

O Brasil detém, hoje, aproximadamente 1.260 Faculdades de Direito, e o resto do mundo, somado, possui 1.100 (dados da OAB/SP). Está aí, certamente, a origem do problema. É preciso impedir que esse projeto, que já venceu a etapa da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados, em Brasília, se transforme em lei.

A proposta compromete e conspira contra a lei que rege o estágio profissional. Também como proteção à cidadania, urge a rejeição à esse projeto, tendo em vista os prejuízos que a atuação desses bacharéis reprovados no Exame da OAB, poderiam causar à sociedade.


Associação Brasileira de Ensino de Direito

O Congresso Nacional discute hoje o Projeto de Lei 5.749/2013, de autoria do Deputado Sérgio Zveiter (PSD-RJ), que altera a Lei 8.906, de 04 de julho de 1994, dispondo sobre a criação da figura do “paralegal”. Nos termos da proposição parlamentar, o bacharel em Direito, que comprove essa condição com um “diploma ou certidão”, desde que prove “idoneidade moral” e faça o requerimento na Seccional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), terá direito à inscrição como “paralegal”.

O “paralegal”, de acordo com o PL 5.749/2013, poderá praticar atos privativos de advogado, desde que “em conjunto” e “sob a responsabilidade deste”. Na exposição de motivos, o autor do projeto deixa explícito qual a razão da norma: haveria aproximadamente 5 milhões de bacharéis em Direito no Brasil e muitos deles, “após dedicarem cinco anos de suas  vidas, com grande investimento pessoal e financeiro, descobrem-se vítimas de  verdadeiro estelionato educacional”. Tal circunstância seria comprovada pela reprovação dos candidatos no Exame de Ordem. O modo de solucionar esse problema estaria em “conferir status jurídico, perante a OAB, ao bacharel que ainda carece desse requisito fundamental à sua inscrição como advogado: a aprovação no Exame de Ordem”.

A Diretoria da Associação Brasileira de Ensino do Direito (ABEDi), que reúne pesquisadores da área do ensino e da pesquisa jurídica no Brasil, vem a público, por meio desta nota, manifestar-se contrariamente ao PL no 5.749/2013, por entender que ele não soluciona os problemas da educação jurídica brasileira.

O Brasil enfrenta um grande problema relacionado à expansão da oferta de cursos de direito. Essa expansão tem-se traduzido em uma ampla gama de egressos que não conseguem acessar à advocacia e que não logram aprovação em concursos públicos nos quais não seria exigida a prática jurídica. É um grave problema social e econômico. A solução evidente é a melhora de qualidade nos cursos jurídicos, que precisa ser estimulada por ações governamentais específicas.

O Congresso Nacional é o depositário da soberania popular e a sua legitimidade para editar normas não pode ser questionada. Trata-se de um postulado da democracia que os conflitos sociais tenham seu desaguadouro natural no Parlamento. A iniciativa do PL no 5.749/2013 deve ser respeitada como uma tentativa de se oferecer uma resposta ao sério problema dos egressos dos cursos jurídicos que não conseguem admissão nos exames profissionais, de entre estes não apenas o Exame de Ordem.

Respeitar a iniciativa dos membros do Congresso Nacional não se confunde, porém, com a concordância com seu conteúdo e não impede o exercício do direito de crítica de associações e entidades. Nessa chave é que a Diretoria da  ABEDi  reafirma sua posição de que o PL no 5.749/2013 não resolverá os problemas a que se propõe eliminar. Ao contrário, ele possui o risco de agravar o quadro atual, sob diversos fundamentos:

1. Em primeiro lugar, não existem diagnósticos claros sobre o mercado de trabalho na área jurídica. Neste problema, como em tantos outros sobre o Direito, faltam dados objetivos e estatísticos confiáveis, o que torna qualquer discussão nesse sentido uma mera exposição retórica de impressões e de manifestações pessoais marcadas pelo subjetivismo.

2. Em segundo lugar, a figura profissional – após as modificações no projeto original – não se assemelha aos assistentes jurídicos de outros países, já que aqueles constroem uma carreira técnica em grandes firmas de advocacia, ao passo em que a figura proposta possui um limite temporal de três anos.

3. Em terceiro lugar, o debate tem sido feito sem dimensionar como a figura do “paralegal” se relacionaria com o curso de graduação. Se o projeto de lei funda-se na deficiente formação nos cursos de Direito para criar o “paralegal”, em momento algum ele oferece soluções para o que considera a causa para a criação desse novo agente. Trata-se de se identificar um sintoma e não combater as causas da patologia, algo bastante comum no debate de políticas públicas no Brasil.

Com base nestes motivos, a Diretoria da Associação Brasileira de Ensino do Direito (ABEDi) não pode se furtar a indicar que diverge do  PL no 5.749/2013 e apoia as organizações, os professores e estudantes que se colocaram de modo crítico contra seu conteúdo.  A sociedade brasileira quer e precisa discutir o futuro das profissões jurídicas. Antes, porém, é necessário definir que tipo de educação jurídica nós queremos para as próximas décadas.

Com respeito à soberania parlamentar e compreendendo as razões que levaram à apresentação do PL no 5.749/2013, mas delas divergindo de maneira honesta e frontal, a Diretoria da ABEDi coloca-se ao dispor do Congresso Nacional para o debate sobre o “paralegal” e outras questões relevantes sobre o Direito e a formação jurídica.

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