Segunda Leitura

No mundo jurídico, não é saudável
mesclar eleições com emoções

Autor

  • Vladimir Passos de Freitas

    é professor de Direito no PPGD (mestrado/doutorado) da Pontifícia Universidade Católica do Paraná pós-doutor pela FSP/USP mestre e doutor em Direito pela UFPR desembargador federal aposentado ex-presidente do Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Foi secretário Nacional de Justiça promotor de Justiça em SP e PR e presidente da International Association for Courts Administration (Iaca) da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) e do Instituto Brasileiro de Administração do Sistema Judiciário (Ibrajus).

2 de novembro de 2014, 7h00

Spacca
Dia 26 de outubro, 20h, o Tribunal Superior Eleitoral anunciou os resultados das eleições para a Presidência da República. O equilíbrio na disputa gerou expectativas dos dois lados e a decisão definitiva causou euforia e frustrações, conforme a opção de cada eleitor. Até aí nada demais, faz parte do processo democrático.

Ocorre que, entre vencedores e vencidos, sobrevieram acusações recíprocas, injúrias, manifestações destemperadas, menos pessoalmente, mais através das redes sociais, quase sempre recheadas de adjetivos ofensivos. Nesta onda de emocionadas mensagens através do WhatsApp, Facebook, Twitter, e-mails, Linkedin e outros meios de comunicação, envolveram-se pessoas de diferentes idades, sexo, posição social e partes do Brasil.

Na enxurrada de mensagens, surgiram todos os tipos de acusações, boa parte delas carregadas de expressões graves, preconceituosas e genéricas. Pela primeira vez na história das eleições deste país viu-se um conflito entre norte x sul, negros x brancos, nordestinos x sulistas e paulistas, pobres x ricos e até dentro do mesmo estado, como eleitores do norte x sul de Minas Gerais. O Brasil ficou dividido.

O resultado foi desastroso. Redes de discussão de temas de Direito no WhatsApp resultaram na saída de pessoas, com grande perda para a qualidade dos debates. No Facebook amizades foram desfeitas. No interior de famílias, rompimentos por vezes permanentes. Promessas de boicotes econômicos, futuras vinganças, aflorou-se tudo o que há de mais negativo no ser humano.

Referidas manifestações geraram, apenas no Estado do Paraná, 143 denúncias ao Ministério Público Federal (Gazeta do Povo, 30.10.2014, p. 15). Imagine-se no Brasil inteiro quantas apurações, medidas burocráticas a tomar o tempo de quem não tem muito tempo para dispor sobre desavenças políticas.

Se isto foi algo comum em todas as áreas, é preciso analisar quais os resultados nos operadores do Direito, tanto jovens estudantes, quanto pessoas maduras ocupando posições de destaque. Sim, porque o que pode ser uma reação comum a um trabalhador de determinada área, não pode ser aceito em alguém do mundo jurídico, que deve manter o equilíbrio nas suas relações pessoais e profissionais. Deve manter, sim, porque dele depende a sua credibilidade, o respeito que gera perante terceiros com múltiplas consequências evidentes e a simples necessidade de precisar de bons e muitos relacionamentos para o seu sucesso.

Se assim é, permito-me fazer algumas observações, principalmente aos mais jovens. E o faço não apenas com a experiência de 50 anos no mundo jurídico, mas também por conhecer todos os estados do Brasil, algo não muito comum. Vejamos:

1ª) Não percam sua energia, apaixonando-se e chegando ao extremo de arrumar inimigos eternos por causa da disputa entre políticos. O que acontecerá é que eles, meses depois, estarão fazendo alianças, de olho nas próximas eleições. E quem brigou ficará com as inimizades para sempre, com direito a ser vítima de uma vingança na hora de entrar em um escritório de advocacia, de disputar um cargo de professor em uma faculdade ou na promoção em uma carreira pública.

2ª) Meçam as palavras. A ofensa dita na hora da emoção, geralmente por escrito, não tem volta. É ódio para sempre. É sinal de imaturidade lançar acusações genéricas contra pessoas desta ou daquela região, até porque as uniões familiares, formais ou não, entrelaçam pessoas de toda parte. Entre os ofendidos poderá estar seu sobrinho predileto.

3ª) Não se iludam demais. Mantenham o ideal, mas com equilíbrio. Lutem para que o Brasil melhore, por uma melhor distribuição de renda, por serviços públicos adequados. Porém, olho aberto à realidade. Conheci muitos idealistas em minha vida, com lindos discursos de igualdade social. Estão todos bem mais ricos do que eu. Dois apenas mantiveram-se fiéis aos seus ideais, um professor da PUC-PR e outro da UFRGS.

4ª) Pensem na possibilidade de que este acirramento pode interessar a alguém e que muitos entram, ingenuamente, nesta inútil troca de ofensas. Maquiavel já ensinava que dividir á a melhor forma de reinar. Foi dividindo tribos indígenas que os colonizadores conquistaram territórios. Assim é em toda parte e em qualquer época.

5ª) Se as eleições tiveram e sempre terão vencedor e vencido, o mesmo se dá no mundo do Direito. O conflito sempre terá alguém do outro lado e um vencedor. Se é assim, é bom acostumar-se ao fato de que isto faz parte da vida. E nas ações judiciais, quem perde não sai com ódio, sem se despedir do advogado da parte contrária. É absoluta falta de profissionalismo.

6ª) Pensem que a realização pessoal depende muito mais de si próprios do que do Estado. Isto significa que o Estado não lhes dará tudo, seja nos Estados Unidos, em Cuba ou na organizada Finlândia. A felicidade está mais na busca pessoal do que no Estado. Se o Sílvio Santos nascesse na URSS comunista, não seria o dono da SBT, mas, com certeza, seria um líder do Partido Comunista, com direito a todas as regalias da posição.

Aí estão algumas observações para serem pensadas com calma no momento certo. Emoções exacerbadas não combinam com o profissional do Direito. Nos testes, concursos, no exercício da profissão, gritos, rosto vermelho de raiva, frases ofendendo esse ou aquele, geram mais AVCs ou ações por danos morais do que vitórias profissionais. Saber controlar o ímpeto é tão importante quanto ler Dworkin. Aliás, é mais importante do que ler Dworkin.

A insatisfação com o resultado de eleições ou com outras coisas que nos pareçam reprováveis se resolve com a análise do caso, das causas e um plano estratégico para que não se repitam. Valores como a democracia, a disputa legítima, estão acima de aspirações pessoais.

Autores

  • é desembargador federal aposentado do TRF 4ª Região, onde foi corregedor e presidente. Mestre e doutor em Direito pela UFPR, pós-doutor pela Faculdade de Saúde Pública da USP, é professor de Direito Ambiental no mestrado e doutorado da PUC-PR. Vice-presidente para a América Latina da "International Association for Courts Administration - IACA", com sede em Louisville (EUA). É presidente do Ibrajus.

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