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“Preservação da intimidade é conquista da civilização”

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12 de novembro de 2013, 20h27

Interlocutor do cantor Roberto Carlos no Congresso Nacional na batalha das biografias, o advogado Antonio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, diz que a preservação da intimidade é uma conquista da civilização. “Em nenhum país civilizado existe direito absoluto”, afirma o advogado em entrevista à Folha de S.Paulo. Diante do desafio que é equilibrar dois direitos fundamentais, o da informação e o da intimidade, o advogado traz soluções de países como a França, onde há uma legislação definindo o direito de intimidade: saúde, amizades e direito familiar.

Leia a entrevista:

Folha — Quais são os "ajustes" que o Roberto Carlos defende na questão das biografias não autorizadas?
Antônio Carlos de Almeida Castro — O que ele colocou é uma dificuldade natural na definição do que é intimidade. Há dois direitos contrapostos, de mesmo nível constitucional, o da informação e o da intimidade. Se na lei [que tramita na Câmara] fica constando só o direito da informação, de certa forma isso induz o julgador a colocar o direito de informação em um patamar maior do que o da intimidade. Existe uma legislação francesa que diz o que é o direito de intimidade, não de forma taxativa, porque é impossível, mas faz uma pequena descrição: direito à saúde, às amizades, direito familiar. O Roberto Carlos me disse: "Kakay, concordo. Preservar o direito à intimidade no texto já está bom, vamos esquecer a questão relativa à necessidade de autorização". Falei a ele que existem em algumas outras leis um rol minimamente descritivo de quais condutas seriam intimidades. Quando ele falou em ajustes, seria esse rol.

Folha — Os deputados concordam?
Antônio Carlos de Almeida Castro — Não, o Newton [Lima, do PT de São Paulo, autor do projeto] acha que aí seria a reabertura da discussão. A nossa ideia era tentar fazer isso no substitutivo do Ronaldo Caiado [o advogado se refere a uma proposta alternativa do deputado do DEM de Goiás que prevê o fim da exigência de autorização prévia, mas estabelece um rito sumário na Justiça para pedidos de retirada de partes da obra em edições seguintes]. Como entramos na 25ª hora nessa discussão, estamos tentando colocar o que é possível. Se colocarmos a intimidade, seria o gol que poderíamos fazer na Câmara. Quando você fala em procurar o Judiciário, algumas pessoas levam isso ao extremo e falam que é uma espécie de censura. Não há censura nenhuma nisso. Se o cara está escrevendo uma biografia, pode até ser verdadeiro, mas são fatos que dizem respeito à intimidade. Em nenhum país civilizado existe direito absoluto. A preservação da intimidade é fundamental, é uma conquista da civilização.

Folha — Essa previsão, se aprovada, não manteria um limitador?
Antônio Carlos de Almeida Castro — Aí é caso a caso. O direito não é uma ciência exata. A interpretação posterior vai depender da sociedade, da maturidade como a sociedade vai reagir. Mas tudo tem uma reserva de intimidade, não é preciso que ninguém saiba como é o dia a dia da minha minha vida, com minha mulher, meus filhos.

Folha — Sobre o fim da autorização para as biografias…
Antônio Carlos de Almeida Castro — Acho que isso todo mundo hoje quer. O principal de todo esse debate foi esse consenso de que não tem que haver autorização prévia.

Folha — Como o senhor encarou a crítica de Caetano Veloso, para quem Roberto Carlos recuou após "apanhar da mídia"?
Antônio Carlos de Almeida Castro — Isso só vou dizer quando for escrever minha biografia, ou a biografia autorizada. Sou advogado do Roberto Carlos com muita honra, sempre representei o Roberto e fui chamado para uma única reunião desse grupo [o Procure Saber, formado por artistas para defender causas da categoria], a convite, e a discussão foi ótima. Agora, evidentemente, eu sou de Patos de Minas, interior de Minas, sou mais da Jovem Guarda [movimento liderado, entre outros, por Roberto Carlos]. Desde que conversei com o Roberto pela primeira vez a posição dele era essa. Ele me dizia: "O que você acha que é possível?" Eu dizia que era possível lutar pela intimidade.

Folha — Os juízes do STF são suscetíveis às ruas?
Antônio Carlos de Almeida Castro — O juiz, seja de primeira instância, seja do STF, é um homem, sujeito, sim, a influências, dependendo do momento que está vivendo. O juiz deve ouvir a voz das ruas, o que ele não deve é julgar pela voz das ruas.

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