Prejuízo ao contribuinte

Manter devedor no Cadin de SP é inconstitucional

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10 de fevereiro de 2013, 6h32

A Lei Estadual de São Paulo 12.799, de 11 de Janeiro de 2008, criou o Cadastro Informativo de Créditos não Quitados de órgãos e entidades estaduais (Cadin Estadual).

Nos termos do artigo 2º, do diploma normativo referido, o Cadin Estadual conterá a relação de pessoas físicas e jurídicas que sejam responsáveis por obrigações pecuniárias vencidas e não pagas, em relação a órgãos da Administração direta e indireta, incluídas as empresas controladas pelo Estado (inciso I) e que não tenham prestado contas exigíveis em razão de disposição legal, cláusula de convênio, acordo ou contrato, ou que as tenham tido como rejeitadas (inciso II).

O que se abordará, neste estudo, é a inconstitucionalidade da manutenção do nome de contribuintes neste cadastro informativo, em razão de débitos tributários que são objeto de discussão em ação judicial, com o oferecimento de garantia idônea e suficiente ao juízo.

Pois bem.

O artigo 8º, da Lei 12.799/2008, estabelece o seguinte, verbis:

“Artigo 8º – O registro do devedor no Cadin Estadual ficará suspenso na hipótese de suspensão da exigibilidade da pendência do registro, nos termos da lei.

§ 1º – A suspensão do registro não acarreta a exclusão do Cadin Estadual. 

§ 2º – Enquanto perdurar a suspensão, não se aplica o impedimento previsto no § 1º do artigo 6º desta lei.”

Como se vê, o texto da lei se refere às hipóteses de suspensão de exigibilidade do crédito tributário descritas no artigo 151, do Código Tributário Nacional, sendo certo que, dentre elas, não está prevista a garantia do débito fiscal.

Já no âmbito federal, a disciplina atinente à suspensão do registro do nome dos devedores do Cadin é bastante diferente, conforme disposição do artigo 7º da Lei Federal 10.522/2002, cujo teor vale recordar, verbis:

“Art. 7º – Será suspenso o registro no Cadin quando o devedor comprove que:

I – tenha ajuizado ação, com o objetivo de discutir a natureza da obrigação ou o seu valor, com o oferecimento de garantia idônea e suficiente ao Juízo, na forma da lei;

II – esteja suspensa a exigibilidade do crédito objeto do registro, nos termos da lei.”

A Lei Federal prevê, textualmente, que, estando o débito tributário “sub judice”, bem assim garantido o juízo, o devedor tem o direito de ver suspenso o registro de seu nome do cadastro (art. 7º, inciso I), sinalizando neste mesmo sentido a jurisprudência pátria, firmada no âmbito federal, conforme se vê, a título exemplificativo, do seguinte julgado:

“TRIBUTÁRIO. CERTIDÃO NEGATIVA DE DÉBITO. DÉBITO JUDICIAL EM DISCUSSÃO NO JUDICIÁRIO. A autoridade coatora deverá fornecer a empresa Certidão Positiva de Débito, com efeito de Negativa vez que a dívida encontra-se ‘sub judice’. Por conseguinte, o nome da impetrante também deverá ser excluído do Cadin. Apelo provido.” (TRF-3, processo nº 2000.380.00.13337-6, rel. Des. Hilton Queiroz, j. em 13/02/2001, DJ de 30.03.2001) (nossos os grifos)

Com o devido respeito a entendimento diverso, a mesma solução preconizada no âmbito federal, deve ser adotada no âmbito estadual, mesmo a despeito de a Lei 12.799/2008 (mais precisamente o artigo 8º) não incluir, entre as hipóteses de suspensão da inclusão do devedor no Cadin, a discussão judicial do débito com garantia idônea.

E tal porque não se mostra razoável que o débito fiscal pendente de discussão em ação judicial, com o oferecimento de garantia idônea e suficiente ao juízo (como a penhora de bens, por exemplo), traga, por antecipação, efeitos condenatórios ao devedor, consubstanciados no abalo de credibilidade junto ao mercado e no impedimento de contratar com o Poder Público Estadual ou receber valores decorrentes de contratos já cumpridos (artigo 6º, § 1º, da lei 12.799/2008).

Tal situação, por óbvio, acarreta prejuízos imensuráveis ao contribuinte, impedindo o exercício de sua atividade profissional, em flagrante violação ao disposto no artigo 170, parágrafo único, da Magna Carta, cujo teor é o seguinte:

“Art. 170. (…) Parágrafo Único: É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei.”

Por outro lado, não há dúvidas de que a manutenção do nome do contribuinte no Cadin Estadual, estando a dívida “sub judice” e integralmente garantida, também configura, em última análise, verdadeira afronta aos princípios do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa (artigo 5º, incisos LIV e LV, da Constituição Federal).

Ou seja, a manutenção da negativação importa em coação do devedor ao pagamento de débito devidamente garantido – para evitar os efeitos nefastos do ato – retirando-lhe a possibilidade de discussão quanto ao acerto ou desacerto da cobrança que lhe é dirigida.

A jurisprudência do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo está recheada de precedentes, segundo os quais o devedor tem o direito de ver suspenso o registro de seu nome junto ao Cadin Estadual em razão de débitos que contam com garantia idônea e suficiente.

Confiram-se, a propósito do tema, alguns precedentes do TJ-SP:

“MANDADO DE SEGURANÇA. Apelação. Pretensão de efeito suspensivo. Suspensão da inscrição no Cadin estadual, enquanto perdurar o julgamento do recurso. Medida excepcional que se mostra cabível. Risco de prejuízos de grande monta às atividades comerciais da agravante. Perigo de demora caracterizado. Ausência de possibilidade de dano irreparável ao Fisco, tendo em vista que o débito encontra-se integralmente garantido, não havendo problemas de liquidez ou insolvência da agravante. Aplicação do artigo 558 do CPC. Recurso provido.” (12ª Câmara de Direito Público, Agravo de Instrumento nº 990.10.414510-4, rel. Des. Edson Ferreira, j. em 9 de Fevereiro de 2.011) (nossos os grifos)

Agravo de instrumento – Liminar deferida em mandado de segurança – Decisão que não se vislumbra teratológica – Recurso desprovido.” (13ª Câmara de Direito Público, Agravo de Instrumento nº 990.10.360990-5, rel. Des. Luciana Bresciani, j. em 19 de Janeiro de 2.011)

Deste último precedente, vale a transcrição do voto da I. Relatora, Desembargadora Luciana Bresciani, por ser deveras elucidativo, verbis:

“(…) A inscrição da recorrida junto ao Cadin tem sua origem nas CDA’s de nºs 761353169, 761424386, 741434600 e 1004921816, já garantidas por meio de penhora e depósito judicial em ação de execução fiscal.

Nessa esteira, não se vislumbra qualquer prejuízo à agravante, bem como razoabilidade para manutenção da inscrição da recorrida junto ao Cadin, como bem apontou o MM. Juiz de Direito, considerando que a negativação importa em coação do devedor ao pagamento do débito, débito este devidamente garantido. (…)”.

No ponto, é de se dizer que a exigência do depósito judicial integral do valor discutido, como forma de obter a suspensão do nome do devedor junto ao CADIN Estadual, igualmente não se mostra razoável, vez que também inviabiliza as atividades do contribuinte que não dispõe de numerário para obter a suspensão da exigibilidade do crédito tributário.

Como muito bem observado pelo I.Desembargador Antonio Carlos Villen, do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, no julgamento do Agravo de Instrumento 990.10.418685-4, “Embora, ao contrário do que ocorre no âmbito da União (Lei Federal nº 10.522/2002), a Lei Estadual nº 12.799/2008 (art. 8º) não inclua entre as hipóteses de suspensão da inclusão do devedor no Cadin a discussão judicial do débito com idônea garantia do Juízo, ela deve ser admitida sob pena de se inviabilizar as atividades da empresa que não disponha de numerário para obter a suspensão da exigibilidade do crédito tributário mediante depósito do montante integral”.

Em suma, a manutenção do nome do devedor no Cadin Estadual, na hipótese aqui abordada, ofende frontalmente os princípios constitucionais supracitados, pois impõe verdadeira privação à liberdade do contribuinte de exercer sua atividade econômica, sem que haja respeito ao devido processo legal, pautado pelo contraditório e pela ampla defesa.

Com efeito, há verdadeira privação à liberdade do contribuinte de exercício de sua atividade econômica, uma vez que, repita-se, a restrição junto ao Cadin Estadual importa em negativa de financiamentos, abalo de crédito no marcado, além de impedir o devedor de contratar com o Poder Público Estadual ou receber valores decorrentes de contratos já cumpridos (artigo 6º, § 1º, da lei nº 12.799/2008).

Por tudo, conclui-se que o contribuinte tem o direito de ver suspenso o registro de seu nome junto ao Cadin Estadual, quando o débito tributário motivador da inscrição é objeto de discussão em ação judicial, com o oferecimento de garantia idônea e suficiente ao juízo.

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