Política de inclusão

Critério de seleção para garantir cotas é equivocado

Autor

  • Cristiane Olivieri

    Diretora da Olivieri e Associados Advocacia advogada pela Pontifícia Universidade Católica (PUC) especialista em Gestão de Processos Comunicacionais e Culturais pela Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo Mestra em política cultural pela Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo. Master em Administração das Artes pela Universidade de Boston (USA). Co-autora do Guia de Produção Cultural edição 2003-2004 2007 e 2010 e autora do livro “Cultura Neoliberal – Leis de incentivo como política pública de cultura” entre outras publicações.

4 de abril de 2013, 18h00

A Funarte publicou Edital “Prêmio Funarte e Arte Negra” objetivando premiar projetos artísticos feitos por proponentes autodeclarados pretos (pretos e pardos, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). O texto já causa estranheza inicial. Afinal, não é apoio para arte afro, para produção vinculada à expressão artística negra, mas para proponentes auto declarados negros. Veja que proponente não é o artista, é a figura que propõe.

Mesmo em total concordância com a importância de políticas para fortalecer as minorias, garantir cotas e reverter alguns erros históricos, o critério de seleção proposto é equivocado. É defensável e louvável o papel do Estado em apoiar ações transformadoras da sociedade e fortalecimento de setores hipossuficientes. Mas, o equívoco da limitação do edital público criou fato no mínimo esdrúxulo: não importa o conteúdo do projeto, se o proponente for branco, não poderá ser inscrito! E ainda, além do gestor, devem também ser negros os demais artistas envolvidos. Profissionais brancos interessados e qualificados, muitas vezes participantes dos grupos de longa data, podem impedir a inscrição porque são brancos.

Por conta disso, o projeto do coreógrafo brasileiro premiado Irineu Nogueira, que é preto de acordo com o IBGE, foi negado porque apresentado pela Cooperativa Paulista de Dança, que tem um dirigente branco. É mais que um erro formal do edital, uma vez que vários projetos não foram aceitos porque apresentados pela Cooperativa. Importante notar que projetos apresentados por cooperativas teriam descontos tributários menores e possibilitariam ao artista a regularização inclusive junto ao INSS e demais órgãos públicos, enquanto que a apresentação como pessoa física gera pelo menos 27,5% de desconto de imposto de renda na fonte. Conclusão: ou o dirigente da cooperativa se auto declara negro (quem sabe sua ascendência, afinal!), ou cria-se outra cooperativa só para negro (convite para o reforço da discriminação), ou o artista paga mais impostos e recebe verba menor. Não me parece uma política de inclusão.

Não obstante as ponderações dos envolvidos, o equívoco e ilegalidade não foram retificados. Será um assunto para um próximo edital, embora fosse um erro de fácil retificação. Essa inflexibilidade gera a desconfiança de que não foi um erro impensado, mas uma crença de que assim se estaria criando processos eficientes.

As políticas para minorias precisam ser elaboradas sem criar comportamentos tão excessivos que esbarrem na legalidade e no bom senso. Parece óbvio que a criatividade e manifestação artística afro, ou do preto do IBGE como pretende o Edital, não podem ser vetadas em razão da cor do gestor da produção (é um ato discriminatório, e, portanto, ilegal), assim como o Bombril do figurino da modelo do São Paulo Fashion Week não pode ser classificado como ato de racismo por definição.

Autores

  • Diretora da Olivieri e Associados Advocacia, advogada pela Pontifícia Universidade Católica (PUC), especialista em Gestão de Processos Comunicacionais e Culturais pela Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo, Mestra em política cultural pela Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo. Master em Administração das Artes pela Universidade de Boston (USA). Co-autora do Guia de Produção Cultural edição 2003-2004, 2007 e 2010, e autora do livro “Cultura Neoliberal – Leis de incentivo como política pública de cultura”, entre outras publicações.

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