Irmão salvador

Congresso deve legislar sobre “savior sibling”

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20 de fevereiro de 2012, 14h29

Nessa semana foi noticiado o nascimento de Maria Clara, o primeiro caso brasileiro da utilização, via Diagnóstico Genético Pré-Implantatório (DGPI) para criação de um “Savior Sibling” (em tradução literal “irmão salvador”). História semelhante, inclusive, foi objeto do filme “Uma prova de amor” que ganhou em 2009 as telas brasileiras, baseado no romance de Jodi Picoult.

A reportagem narra a vida de Maria Vitória, menor portadora de Talassemia Major ou Anemia de Cooley, uma doença hereditária autossômica recessiva (causada pela transmissão de dois genes defeituosos herdado dos pais) que ocasiona anemia grave e outras alterações orgânicas importantes, como o aumento do baço, atraso no crescimento e problemas nos ossos e, em último caso, a morte precoce do portador da doença.

O DGPI nada mais é do que a prévia análise de anomalias genéticas em embriões obtidos por fertilização in vitro (FIV), para daí então selecionar os que possuem determinadas características ou eliminar os que tenham algum defeito congênito e, assim, serem implantados no útero.

O método DGPI para criar um “Savior Sibling”, consequência da garantia constitucional do planejamento familiar (CR, art. 226, parágrafo 7º cc. Lei 9.263/1996) permite a concepção não só de um bebê que está livre da enfermidade hereditária que sofre o irmão mais velho, como também proporciona um doador idôneo capaz de possibilitar sua cura, dada a compatibilidade genética proporcionado pelas modernas técnicas biomédicas.

Visivelmente, na reportagem exibida pela Rede Globo de televisão, a família já havia decidido pelo desejo de ter mais uma filha, a recém nascida Maria Clara. Mesmo sob perversos argumentos contrários e questionamentos éticos, os pais buscaram auxílio da genética para ter Maria Clara de forma a que essa nova vida estivesse livre da doença genética e, ainda, tenha o propósito de possuir compatibilidade genética com a irmã Maria Vitória, sendo sua “salvadora”.

O problema levantado pelos posicionamentos contrários à utilização da técnica reside na possibilidade de, silenciosamente, a humanidade progredir para, v.g., a seleção das características físicas dos bebês, de maneira a criar crianças sob medida (designer baby), ao desejo e vontade dos pais, ressuscitando velhos sonhos nazistas do eugenismo. Da mesma forma, há quem levante questões éticas e jurídicas sobre se há o direito de criar uma vida para salvar outra.

Felizmente, entretanto, em casos como da pequena Maria Vitória a medicina comemora os resultados com alegria, pois se têm notícias de que a cada transplante bem sucedido envolvendo um “Savior Sibling” há o relato de cura total, sem rejeição ou efeitos colaterais, graças à proximidade da partida genética.

A primeira vez que foi noticiado acerca do chamado “Savior Sibling” foi do nascimento em 29 de Agosto de 2000, de Adam Nash no Estado do Colorado, EUA. Trata-se de um bebê que foi selecionado geneticamente para salvar a vida de sua irmã, Molly, de 6 anos, que sofria até então com anemia de Fanconi, uma rara doença que causaria sua morte antes dos 10 anos. Após o nascimento, o sangue do seu cordão umbilical foi coletado e posteriormente transplantado para sua irmã. De lá para cá, outros casos foram noticiados pela mídia, sendo a pequena Maria Clara, a primeira “Savior Sibling” brasileira.

A normatização da técnica do DGPI paulatinamente vêm sendo regulamentada na Europa, sobretudo para se evitar o chamado “turismo reprodutivo”. A título de exemplo, até junho de 2011, a Alemanha proibia o uso do DGPI, quando o Parlamento Alemão voltou atrás em sua decisão e aprovou, de forma apertada e ainda que com inúmeras restrições, o uso da técnica. Vale mencionar ainda que a Inglaterra criou o órgão Human Fertilization and Embryology Authority (HFEA) para fiscalizar as práticas de DGPI e que está apto a conceder, caso a caso, sua autorização.

No Brasil, o Conselho Federal de Medicina (CFM), por meio da Resolução 1.358/1992, instituiu as Normas Éticas para a Utilização das Técnicas de Reprodução Assistida, que prevêem que “as técnicas de RA não devem ser aplicadas com a intenção de selecionar o sexo ou qualquer outra característica biológica do futuro filho, exceto quando se trate de evitar doenças ligadas ao sexo do filho que venha a nascer”. Especificamente acerca do diagnóstico de pré-embriões, dispõe: “Toda intervenção sobre pré-embriões ‘in vitro’, com fins diagnósticos, não poderá ter outra finalidade que a avaliação de sua viabilidade ou detecção de doenças hereditárias, sendo obrigatório o consentimento informado do casal”. No entanto, ainda carece o ordenamento jurídico brasileiro de legislação específica a respeito.

Espera-se que o nascimento de Maria Clara e as esperanças da técnica agora em solo tupiniquim sejam bons motivos para o Congresso Nacional, a exemplo dos países europeus, legislar sobre essa prática de modo se evite, no futuro, maiores problemas.

Para outras informações a respeito da repercussão jurídica e bioéticas dos casos dos “irmãos salvadores”, consulte nosso “Savior Sibling: limites ao poder familiar?”, in “Informação e Direitos Fundamentais” publicado pela Editora Saraiva em 2011, sob a coordenação da Profa. Dra. Débora Gozzo, fruto de um projeto de pesquisa realizado pelo UNIFIEO/Osasco. 

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