Política de Locomoção

Lei da mobilidade urbana suscitam debates

Autor

  • João Victor

    é advogado no escritório Alves e Guimarães Advogados membro do Grupo de Debates Tributários do Rio de Janeiro sócio da Associação Brasileira de Direito Financeiro pós-graduado em direito público e tributário pela UCAM e mestrando em economia empresarial pela UCAM.

16 de fevereiro de 2012, 10h58

Este despretensioso artigo visa trazer primeiras impressões, sem intenção de esgotar o tema, mas de suscitar o debate sobre a exegese de um dispositivo legal posto na “Lei de Mobilidade Urbana”, lei 12.587, publicada no dia 4 de janeiro de 2012, que veio a lume em boa hora para dar um tratamento especificado à política urbana, preconizada no artigo 182 da Constituição da República, que por sua vez pontifica a necessidade de ordenamento e desenvolvimento pleno das diretivas sociais das cidades e garantir o bem-estar de seus habitantes, com integração ao Estatuto da Cidade. 
 

A política urbana hoje é uma necessidade do ponto de vista pragmático, muito debatida na seara acadêmica brasileira, sobretudo nas cidades e Estados do Rio de Janeiro, que sediarão eventos de relevância mundial e de São Paulo, onde não se precisa de rigor técnico para constatar a necessidade da política urbana, necessidade que se estende a este país de relevância mundial chamado de Brasil, permitindo maior atração de investidores e geração de renda, de empregos, desenvolvimento da livre iniciativa.

O que nos leva a escrever este artigo é uma questão que está gerando confusão no Mundo Jurídico, mediante a confusão entre taxa para exercício do poder de polícia, este tratado no famoso artigo 78 do Código Tributário Nacional e a figura do pedágio, alvo de controvérsias na doutrina e já abordadas em alguns precedentes do Supremo Tribunal Federal, que o reputou como tributo em algumas decisões. 
 

A novel lei trouxe à baila no seu artigo 23, inciso III, objeto do nosso estudo, a viabilidade da cobrança de tributos, in litteris: 
 

Art. 23. Os entes federativos poderão utilizar, dentre outros instrumentos de gestão do sistema de transporte e da mobilidade urbana, os seguintes:
III – aplicação de tributos sobre modos e serviços de transporte urbano pela utilização da infraestrutura urbana, visando a desestimular o uso de determinados modos e serviços de mobilidade, vinculando-se a receita à aplicação exclusiva em infraestrutura urbana destinada ao transporte público coletivo e ao transporte não motorizado e no financiamento do subsídio público da tarifa de transporte público, na forma da lei. 
 

Percebemos a sabedoria do legislador e o cuidado técnico em permitir aos entes federados instituírem tributos para gerirem o sistema de mobilidade urbana. Dentro da óptica constitucional, qual seria, ab initio a melhor forma de se remunerar para fins de aplicação exclusiva em infraestrutura urbana destinada ao transporte público coletivo e ao transporte não motorizado e no financiamento do subsídio público da tarifa de transporte público? 
 

Parece-nos, sem dúvida, que estamos juridicamente diante da necessidade de instituição da “taxa de mobilidade urbana”, em consonância com a Matriz Constitucional estabelecida no artigo 145, inciso II, que permite à União, aos Estados, ao Distrito Federal e ao Municípios instituírem taxas em razão do exercício do poder de polícia ou pela utilização efetiva ou potencial de serviços públicos, específicos ou divisíveis, prestados aos contribuintes ou postos a sua disposição. In casu, ao meu sentir, a taxa aqui nomeada de “taxa de mobilidade urbana” decorre do exercício do poder de polícia, com guarida no artigo 78 do Código Tributário Nacional, in verbis:
 

Considera-se poder de polícia a atividade da administração pública que, limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato, em razão de interesse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas decorrentes de concessão ou autorização do poder público, à tranquilidade pública, ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos.

Percebe-se então, mediante a redação do artigo 78 do Código Tributário Nacional, que a lei de mobilidade urbana se encontra de conformidade com o eixo estabelecido pela Constituição e pela legislação tributária, eis que a tributação será mediante “taxa de mobilidade urbana”, novel exemplo de taxa extrafiscal de polícia, seguindo a linha de Ricardo Lobo Torres, Billac Pinto e Aliomar Baleeiro e não por outra via, como a tarifa ou preço público porque o objetivo aqui é garantir o desenvolvimento urbano.
 

O pedágio é um instituto criado na época de Roma, portorium. Sua natureza jurídica é delineada em três correntes: a primeira capitaneada pelo Carraza, entendendo o pedágio como taxa de serviço, com a ressalva de que o pedágio não atende ao requisito prestação efetiva ou potencial de serviço público, questionando sua constitucionalidade, indagando se há outra modalidade de taxa. Para Luciano Amaro, segunda corrente, trata-se taxa de utilização de bem público, em razão de sua previsão constitucional no artigo 150, inciso V, da Constituição da República que excepciona, in fine, a cobrança do pedágio. A terceira corrente entende que o pedágio se coaduna como preço público, encabeçada pelo autor Antônio Carlos Cintra Amaral, compondo a minoria doutrinária.

A corrente que tem prevalecido, em consonância com o entendimento do Supremo Tribunal Federal é a 4ª corrente, que aduz ser o pedágio de natureza mista, podendo ou ser taxa ou preço público, de acordo com o caso concreto e algumas condições: se o cidadão possui a opção de seguir por outra via em vez daquela na qual o pedágio existe, ele pagará preço público; caso ele não tenha outra alternativa de estrada, ele pagará taxa. Este é o entendimento de Celso Antônio e Aliomar Baleeiro, dentre outros.
Neste sentido, vejamos:

AI 531529 / RS – RIO GRANDE DO SUL
AGRAVO DE INSTRUMENTO
Relator(a): Min. JOAQUIM BARBOSA
Julgamento: 25/11/2009
Publicação
DJe-231 DIVULG 09/12/2009 PUBLIC 10/12/2009
Partes
AGTE.(S) : DAER – DEPARTAMENTO AUTÔNOMO DE ESTRADAS DE RODAGE
M DO RIO GRANDE DO SUL
PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL
AGDO.(A/S) : NILSON RUSCHEL
ADV.(A/S) : SILVANA AFONSO DUTRA
Decisão
DECISÃO: Trata-se de agravo de instrumento contra decisão que inadmitiu recurso extraordinário (art. 102, III, a, da Constituição) interposto de acórdão, proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, cuja ementa possui o seguinte
teor:
“TRIBUTÁRIO. PEDÁGIO. NATUREZA JURÍDICA. TRIBUTO OU PREÇO PÚBLICO.
1) Após a Constituição de 1988(art. 150, V), é razoável o entendimento de que o pedágio tem natureza jurídica de taxa, somente podendo ser instituído através de lei. 2) O pedágio preço público ou tarifa distingue-se do pedágio tributo (taxa) pela sua facultatividade (não compulsório). A compulsoriedade dos tributos decorre da potestade tributária. A faculdade do preço público decorre da liberdade contratual. O pedágio-tarifa tem natureza contratual, tem por essência a facultatividade, que se caracteriza pela voluntariedade do pagamento e se concretiza através da existência de uma rodovia alternativa. 3) Ao largo da divergência doutrinária e jurisprudencial quanto à natureza jurídica do pedágio, certo é que, não havendo rodovias alternativas
à disposição dos usuários, configura-se como taxa, espécie tributária que deve submeter-se ao princípio da legalidade.” (fls. 44)
Alega-se violação dos arts. 5° e 145, II, da Carta Magna.
Por ocasião do julgamento do RE 181.475, o Supremo Tribunal Federal confirmou a possibilidade da caracterização do pedágio como tributo da espécie taxa. Registro, por oportuno, a ementa do referido precedente:
“EMENTA: – CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. PEDÁGIO. Lei 7.712, de 22.12.88. I.- Pedágio: natureza jurídica: taxa: CF., art. 145, II, art. 150, V. II.- Legitimidade constitucional do pedágio instituído pela Lei 7.712, de 1988. III.- RE. não conhecido.” (RE
181.475, rel. min. Carlos Velloso, DJ de 25.06.1999)
Confiram-se, em sentido semelhante, o RE 194.862 (rel. min. Carlos Velloso, Segunda Turma, DJ de 25.06.1999) e o RE 401.114 (rel. min. Celso de Mello, DJ de 31.05.2005).
Dessa orientação não divergiu o acórdão recorrido.
Ademais, concluir diversamente do Tribunal a quo quanto à ausência de facultatividade no uso do serviço demandaria o reexame do quadro fático-probatório, o que é vedado no âmbito de cognição do recurso extraordinário, em razão do disposto na Súmula 279 desta Corte.
Do exposto, nego seguimento ao presente agravo.
Publique-se.
Brasília, 25 de novembro de 2009.
Ministro JOAQUIM BARBOSA
Relator
 

Portanto, os objetivos da lei de mobilidade urbana são justamente trazer ordem, a tranquilidade pública, como destacado no artigo 78 do Código Tributário Nacional, preponderando in casu, o interesse público, que também se faz presente na mens legis do inciso III, do artigo 23 da lei de mobilidade urbana, com a previsão de lei do tributo visando a desestimular o uso de determinados modos e serviços de mobilidade, vinculando-se a receita à aplicação exclusiva em infraestrutura urbana destinada ao transporte público coletivo e ao transporte não motorizado e no financiamento do subsídio público da tarifa de transporte público.
Ao meu sentir a lei de mobilidade urbana ao prever a taxa de mobilidade urbana não se confunde com o pedágio em razão da sua ratio essendi estar justamente no exercício do poder de polícia do Estado e não deve ser confundida, como querem alguns, com a implantação de um novo pedágio porque não se trata de um novo pedágio. 
 

Autores

  • é advogado no escritório Alves e Guimarães Advogados, membro do Grupo de Debates Tributários do Rio de Janeiro, sócio da Associação Brasileira de Direito Financeiro, pós-graduado em direito público e tributário pela UCAM e mestrando em economia empresarial pela UCAM.

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