Quantidade x qualidade

"Não sou contra metas, defendo metas individualizadas"

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18 de setembro de 2011, 8h15

Spacca
“Não, não sou contra as metas. Sou a favor de uma meta individualizada.” A opinião é do juiz Ricardo Rezende, presidente da Associação dos Juízes Federais de São Paulo (Ajufesp), ao tratar das metas criadas e impostas pelo Conselho Nacional de Justiça para sacudir o Judiciário e levar maior agilidade para cidadão. Segundo ele, o grande problema é tratar da mesma forma o juiz que sempre deu conta do seu trabalho e aquele que deixou acumular processos até perder o controle sobre o seu estoque. Outra polêmica levantada pelo juiz foi importância dada à quantidade, em detrimento da qualidade das decisões.

“Isso é desmotivador para o juiz. A vara que deixou acumular processo sem razão recebe um mutirão de juízes para tentar resolver o problema, enquanto o juiz ao lado, que esteve em dia, não recebe nem sequer um elogio”, reclamou o juiz em entrevista à ConJur.

O juiz mineiro, Ricardo Rezende, foi eleito presidente da Ajufesp no dia 9 de maio, e empossado em 13 de junho de 2011. Será o porta-voz dos juízes federais de São Paulo por dois anos, até 2013.

Na entrevista, Ricardo Rezende também falou sobre o papel da Justiça e da Polícia Federal atualmente, sobretudo nas megaoperações. Sobre os problemas que a Justiça enfrenta para dar celeridade aos processos. E, por último, sobre o clima de insatisfação que paira na Justiça Federal em relação ao salário e aos direitos trabalhistas.

Para seus 33 anos, o presidente da Ajufesp possui um currículo robusto e inquieto, aos que almejam seguir carreira pública. Assim que terminou a faculdade, tinha em mente ir para a vida acadêmica. Enquanto se preparava para fazer uma prova de mestrado na Universidade de Paris, acabou passando em um concurso para procurador do Banco Central, no final de 2001. Esqueceu a vida acadêmica e foi para Brasília.

Após um ano e meio no Banco Central, passou no concurso para Procurador Federal. Atuou em Brasília por uns seis meses e voltou para Belo Horizonte, onde foi procurador da Fazenda por mais um ano e meio, quando finalmente, entrou para a magistratura.

Também participaram da entrevista os jornalistas Lilian Matsuura e Alessandro Cristo.

Leia a entrevista:

ConJur — Grandes operações da Polícia Federal, como a satiagraha e castelo de areia, caíram no Judiciário por irregularidades e problemas na investigação. A quem pode ser atribuída a falha? À Polícia, ao Ministério Público, aos juízes que receberam as denúncias?
Ricardo Rezende —
É difícil apontar uma falha, porque essas ações discutiram questões são inéditas. Não temos jurisprudência consolidada do STJ afirmando que a participação de outros órgãos, como a Abin [Agência Brasileira de Inteligência], poderia invalidar uma investigação criminal. Não se trata de um curso reiterado de decisões, que todo mundo conhecia e ainda assim se utilizou desse expediente. Era uma situação nova, que ao ser levada em conta naquele momento, foi considerada válida. Posteriormente, a investigação foi invalidada em virtude da participação da Abin. Se dissermos que está certa ou errada, estaremos entrando no mérito da questão. O juiz achou que estava certa, o STJ achou que estava errada. Acabou prevalecendo o entendimento do STJ, que veio depois, mas não quer dizer que existe uma falha naquela decisão. Existiu, sim, uma consideração diferente.

ConJur — A participação da Abin em uma operação da Polícia é a questão nova a que o senhor se refere?
Ricardo Rezende — É o que diferencia as grandes operações das questões de menor envergadura. Grandes operações, envolvendo grandes corporações, crimes financeiros de grande porte, não têm a mesma estrutura probatória do que os crimes de pequeno potencial.

ConJur — É mais difícil investigar?
Ricardo Rezende — É dificílimo investigar. Há corporações com estruturas muito maiores que a da Polícia Federal e do Poder Judiciário juntos. Para se atingir o grau de profissionalismo necessário a ponto de conseguir provar algo dentro dessas estruturas, algo que está sendo feito para ser escondido, há muito mais dificuldades. As tentativas da Polícia Federal e o Ministério Público e que o Judiciário aprecia, são formas que ainda estão sendo estruturadas com o objetivo de combater esse tipo de criminalidade. Até pouco tempo atrás, não havia nenhuma operação, nem processos dessa natureza. Isso era feito e não havia punição. Hoje tem alguma, mas talvez ainda não seja suficiente.

ConJur — O senhor não acha que o STJ, por estar mais distante das provas e do Ministério Público, viu o caso com mais independência?
Ricardo Rezende — Não creio que a questão seja de independência. Acredito que o juiz viu com independência, bem como o STJ e o TRF. Não vejo nenhuma influência nas decisões. É questão de opinião, de entendimento, de análise do ordenamento jurídico. O que se nota é que as opiniões da primeira instância são claramente — da imensa maioria — mais duras do que as do STJ, que tem uma jurisprudência muito mais aberta, digamos assim, do que a média da primeira instância.

ConJur — Por quê? Se formos analisar de cima para baixo, a jurisprudência do STJ serve como guia, não é?
Ricardo Rezende — Não digo que é tão rigorosa. Hoje, é até menos rigorosa. Mas a base tem claramente uma postura muito mais rigorosa do que os Tribunais Superiores. Primeiro, o STJ tem uma representação oriunda da advocacia muito grande, um terço dos ministros são oriundos do Ministério Público e da advocacia. Fora os ministros que não passaram pela primeira instância e já começaram a carreira no tribunal, e representam os outros dois terços. Isso dá uma representatividade muito grande. Eu não tenho números exatos, mas, isso hoje chega a 50%. Quem a carreira inteira esteve na defesa dos réus, tende, naturalmente, a ter uma decisão mais aberta, menos rigorosa, mais flexível do Direito Penal.

ConJur — E quanto ao processo penal?
Ricardo Rezende — Na questão do processo penal, não vejo grandes problemas no modelo atual. Existem fragilidades e dificuldades na investigação. A Polícia técnica ainda é bastante deficiente em crimes violentos, também há uma dificuldade enorme em crimes de grande repercussão. Nos financeiros, são encontradas dificuldades em fazer provas. O modelo, em si, não é o grande problema. Existem deficiências naturais de estrutura, como há em toda a sociedade e ramos públicos. Mas tem os pontos positivos. Por exemplo, a Polícia Federal passou, nos últimos 10, 15 anos, por uma evolução absurda de estrutura, capacidade, potencial de aprimoramento, que resultou numa maior qualidade das investigações.

ConJur — O senhor falou da dificuldade de encontrar provas. O senhor defende o uso mais recorrente de interceptações telefônicas nas investigações?
Ricardo Rezende —
Depende. Houve abuso no uso de interceptações telefônicas nas investigações. Em um determinado momento concluíram que a interceptação telefônica poderia resolver todos os problemas. Eu cuidei de casos em que na transcrição das conversas era mencionada a transferência de um dinheiro de uma conta para outra. No entanto, no final do processo não havia sido pedido a quebra de sigilo bancário para verificar se aquilo que foi dito ao telefome realmente tinha acontecido.

ConJur — São feitas muitas interpretações das palavras usadas nas conversas, não?
Ricardo Rezende —
Sim, mas quando o juiz recebe a transcrição, normalmente, ela vem contextualizada. O problema é a maneira como são divulgadas, é um disparate completo. Não se pode tirar frases ou afirmações a esmo de um contexto de uma conversa, ou de uma declaração.

ConJur — O senhor falou sobre o crescimento do potencial técnico da Polícia Federal. Houve uma época em que a PF pareceu um órgão todo poderoso e informações começaram a vazar para a imprensa, com divulgações espalhafatosas…
Ricardo Rezende —
Isso é uma imagem que se fez da Polícia através da imprensa. No entanto, tudo o que a Polícia faz, cada mandado de busca e apreensão, cada interceptação telefônica, é pedido ao Judiciário e é definido por um juiz. Não tem um passo que a Polícia dê — a não ser uma prisão em flagrante — sem que seja precedido de um mandado judicial. Na verdade, a Polícia se estruturou melhor, tem carreira mais sólida. Houve uma melhora considerável nos vencimentos, o que atraiu uma massa de bons profissionais. Hoje, a PF tem carros novos, helicópteros e homens muito bem armados. Já o vazamento de imagens e informações, em caso de inquérito sigilos, são questões pontuais, são funcionários que em um determinado momento não estão cumprindo bem seu papel, culposa ou dolosamente, eles deixaram esses dados escapar.

ConJur — Mas essa parece ser uma prática comum nas grandes operações.
Ricardo Rezende —
Houve um período com poucas operações, uma entressafra de grandes operações. Nessa última, a Operação Voucher [ação em que a PF investiga desvio de recursos públicos do Ministério do Turismo], os vazamentos de informações e a presença da TV voltaram a ser discutidas.

ConJur — Com essa exposição dos acusados e a condenação prévia feita pela população, o juiz, que é um ser humano, se sente pressionado a condenar também?
Ricardo Rezende —
Eu acredito que o juiz tem que estar preparado, tem que ter experiência suficiente para ser alheio a esse tipo de pressão ao analisar os autos. Ele pode estar vendo aquilo ali na televisão, mas foi ele quem determinou — nem sempre da forma como foi feita — dezenas de outras prisões, buscas e apreensões. Em um segundo momento, ele vai ter a oportunidade de colher provas, de ouvir o réu, ouvir as testemunhas, ler as perícias que foram realizadas, destrinchar tudo isso e ainda, em um terceiro momento, sentar e analisar tudo aquilo. Quando ele senta para sentenciar, essa comoção já arrefeceu.

ConJur — Por isso que muitos advogados dizem que o julgamento rápido nesses casos é péssimo?
Ricardo Rezende — Acontece que o demorado para um advogado, o que ele quer, são 10, 12, 15 anos…

ConJur — Em quanto tempo um processo deve ser julgado?
Ricardo Rezende — A não ser em raras exceções, ele tem que terminar em menos de um ano.

ConJur — E a Justiça Federal tem conseguido cumprir esse prazo de um ano?
Ricardo Rezende — Na capital, as decisões vão muito bem. Temos uma ou outra vara que pontualmente demora um pouco mais e tem um acúmulo maior. Às vezes, tem muita audiência.

ConJur — Como avalia a proposta de tramitação direta do inquérito, sem passar pela avaliação dos Judiciário?
Ricardo Rezende —
No inquérito, uma série de medidas pode ser decretada de ofício. A maioria das passagens pelo juiz é mera formalidade, porque o juiz não tinha que deliberar sobre aquele pedido. Quer dizer, “vamos ouvir uma testemunha”, o delegado pode intimar uma testemunha, a testemunha vai lá, ele ouve, não precisa da autorização do juiz.

ConJur — A missão da Justiça Criminal é diferente das demais áreas do Judiciário? Já ouvi dizer que o juiz criminal não tem a obrigação de ser imparcial, mas sim a obrigação de buscar a verdade. Existe um choque entre conceitos nesse caso?
Ricardo Rezende —
Não se consegue buscar a verdade sendo parcial. Isso é muito claro, não dá para você dissociar as duas coisas.

ConJur — Mas existe uma verdade?
Ricardo Rezende — A verdade processual, a que o juiz chega no final.

ConJur — Essa discussão sobre a verdade processual e a decisão do juiz remete ao projeto do ministro Cezar Peluso, de encurtar a tramitação dos processos e terminá-los já na segunda instância. Essa é uma boa proposta?
Ricardo Rezende —
Eu a vejo com bons olhos. Há uma conjuntura, o amadurecimento das instituições ao longo dessas duas décadas de consolidação da democracia, existe a necessidade de descentralizar o exercício do poder. Hoje, o Supremo pode julgar todos os Habeas Corpus, depois que o Superior Tribunal de Justiça já se manifestou. Em tese, todas as decisões em matéria criminal poderiam ser tomadas pelo Supremo. Só que a corte tem 11 ministros e existem milhares de crimes por dia sendo investigados no país. É humanamente impossível que os 11 ministros apreciem todas as causas. O ideal seria que se tivesse cada vez mais instâncias com juízes mais experientes e preparados que pudessem rever as decisões. A proposta do presidente do STF vai no sentido de descentralizar, dar mais autonomia às instâncias inferiores. Eu gosto da ideia, talvez possa ser melhorada, aprimorada, merece ser debatida mais a fundo.

ConJur — Juízes e desembargadores precisam seguir a jurisprudência do Supremo e do STJ?
Ricardo Rezende —
Se a mesma situação jurídica já foi decidida e fixada por meio da súmula vinculante, não faz nenhum sentido o juiz querer mudá-la, principalmente em primeira instância. Ele pode até escrever um artigo criticando, mas na sentença não faz sentido ir contra. Em relação às decisões que não são vinculantes, ainda há um espaço para se discordar, mas é preciso justificar o entendimento diverso.

ConJur — Mas os temas não se repetem?
Ricardo Rezende — Tem-se a ideia de que muita coisa é repetitiva, que os processos são iguais. Na verdade, não é isso que acontece. Por exemplo, o Supremo decidiu sobre o ICMS na base de cálculo do PIS/Cofins. Geralmente, a questão é decidida a partir de um fundamento jurídico, de um ponto de vista, só que chega uma petição nova com outro fundamento. E a nova argumentação não foi contemplada naquela decisão. Muitas vezes, o que aparentemente é igual, não é. Existem tem fatos diferentes ao longo do tempo. Houve inúmeras mudanças legislativas. Ás vezes, um processo de 1990 e outro de 2005 são completamente diferentes.

ConJur — Nesse aspecto, a súmula vinculante e a Lei de Recursos Repetitivos engessam o sistema, dificultam a mudança da jurisprudência?
Ricardo Rezende — O problema é quando as súmulas vinculantes são editadas muito rápido. Não dá para matéria amadurecer nas diversas instâncias.

ConJur — A primeira instância já está sentindo os efeitos desses instrumentos criados pelo STJ e Supremo?
Ricardo Rezende — O número de juízes que se arrisca, se aventura em decisões contrárias a das jurisprudências superiores é muito pequeno. O juiz não está ali para desobedecer às decisões do Supremo, ele quer que tenha uma decisão. Uma definição para aquela situação.

ConJur — Celeridade é a tônica agora da Justiça, não é?
Ricardo Rezende — É, só se fala nisso.

ConJur — E qual é o caminho para alcançá-la?
Ricardo Rezende — Eu sou um entusiasta do processo coletivo, já fiz dissertação de mestrado sobre o tema. Fala-se muito em súmula vinculante, Juizados Especiais, mutirões, mas pouco se fala sobre o processo coletivo, que pode ser uma boa saída para a lentidão da Justiça.

ConJur — Nos Estados Unidos esse tipo de ação é bem difundido, não é?
Ricardo Rezende — Sim. Nos Estados Unidos, é aplicado a qualquer questão. E na verdade, lá, os juízes obrigam o uso de ações coletivas. Lá, quando se tem um ou dois caso parecidos, o juiz diz: “Isso aqui é coletivo.” Então, escolhe-se um representante, que pode ser o Ministério Público uma associação de classe, que centralize as questões e possa bancar as custas do processo.

ConJur — Aqui, o juiz pode fazer isso, juntar as ações iguais?
Ricardo Rezende — Pode. Pode permitir que a parte suspenda a ação dela enquanto está decidida a ação coletiva. Como no Direito americano, o juiz pode constatar que se trata de uma ação que envolve questão coletiva, difusa ou individual homogênea, instar os legitimados a postularem aquela demanda judicialmente, por exemplo, à Defensoria Pública ou ao Direito de Defesa do Consumidor, o Procon.

ConJur — Enquanto esse tipo de mecanismo ainda não é muito usado no país, os juízes têm de trabalhar para atingir as metas de celeridade do Conselho Nacional de Justiça. Como exigência se dá na prática?
Ricardo Rezende —
Muitos juízes sofreram com as metas. A maioria dos juízes, ou não tinha condições nenhuma de cumpri-las ou então fizeram o possível, mas já sabendo que não teriam condições. Ou já tinham uma vara estruturada e em dia. Faltou nessa questão das metas focar, também, na qualidade das decisões.

ConJur — Em que sentido os juízes sofreram?
Ricardo Rezende — Faltou individualizar o trabalho dos juízes, porque você tem uma meta que sai de Brasília, genérica, que vale para o país inteiro. Só que há casos e casos, faltou pontuar as comarcas. O juiz que está em uma vara tranquila, que trabalhou bastante, tinha os processos em dia, tinha já estruturado um sistema de trabalho e de repente, é surpreendido com uma meta, uma ordem genérica, como se o trabalho dele não fosse eficiente o bastante para prestação jurisdicional que ela precisa. Ninguém do CNJ foi na vara do juiz que não trabalhava direito e disse para ele: “Você vai ter que melhorar.” O CNJ falou para todo mundo: “Todo mundo vai ter que melhorar, não está bom.” Isso é desmotivador para o juiz. Há uma vara que deixou acumular processo sem razão que recebe um mutirão de juízes para tentar resolver o problema, enquanto o juiz ao lado, que esteve em dia, não recebe nem sequer um elogio.

ConJur — Mas se está tudo certo com o gabinete do juiz e vem uma meta, ele está tranquilo? Ou não?
Ricardo Rezende — O problema é a forma como é colocado. Para ele está tranquilo, só que às vezes, a população não entende isso. É colocado como se o Judiciário como um todo fosse letargo, leniente, como se os juízes não trabalhassem, como se houvesse um atraso endêmico, que atingisse toda a Justiça.

ConJur — Quer dizer, o CNJ fez uma imagem ruim do Judiciário para a população?
Ricardo Rezende — Não. Ele não fez uma imagem ruim, ele fez uma imagem real do Judiciário, só que ele não separou quem era responsável pela parte ruim e quem era responsável pela parte boa. Alguns tribunais tiveram melhoras enormes, mesmo sem cumprir as metas eles fizeram um trabalho excepcional e isso não foi considerado. Teve tribunal que tem pouquíssimo processo e teve extrema facilidade para cumprir a meta e foi tratado como a oitava maravilha do mundo.

ConJur — O senhor é contra as metas?
Ricardo Rezende — Não, eu não sou contra as metas. Sou a favor de uma meta individualizada.

ConJur — Houve uma celeuma, no início do ano, em relação à prisão de procuradores federais por descumprimento de sentença. Parece tratar-se de uma atitude angustiada dos juízes?
Ricardo Rezende —
Nos EUA, durante meus estudos sobre execução e ação coletiva, a gente praticamente não tinha livro e doutrina sobre execução, porque lá não é um problema. O juiz mandou, cumpre. E para a gente, isso está se tornando uma coisa, às vezes, rotineira, porque “Não tenho meios, não consigo cumprir.” Muitas vezes, o procurador não tem como conseguir o dinheiro para cumprir a decisão que condenou o Estado. Isso merece ser mais trabalhado, inclusive, pelos próprios juízes.

ConJur — Qual a responsabilidade do processo eletrônico na política de dar maior agilidade ao Judiciário?
Ricardo Rezende
— É grande. Hoje, infeliz ou felizmente, não faz mais sentido ter processo de papel. Eu, pessoalmente, gosto muito mais de pegar o processo e folhear, mas é irracional você manter toda aquela estrutura e gastos.

ConJur — há uma proposta no Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul de impor o limite no número de páginas por petição e por sentença.
Ricardo Rezende —
Esta é uma forma polêmica de educar. O uso da tecnologia, em alguns aspectos, foi péssima para a advocacia e para o processo em si. Com esse tal de copia e cola, de pegar um modelo e fazer acréscimos, de não ter que digitar nem fazer mais nada, o poder de síntese foi para o espaço. Se o sujeito pode colocar dez jurisprudências, todas favoráveis a ele, por que vai colocar uma só?

ConJur — Qual a situação do processo eletrônico hoje na Justiça Federal? As varas já estão adaptadas?
Ricardo Rezende — Está em implantação. Estamos na fase de transição. Imagino que em cinco anos se complete esse processo.

ConJur — Os juízes podem fazer paralisação, greve?
Ricardo Rezende — Eu vejo o poder do Estado como um poder uno que é exercido pelos órgãos Executivo, Legislativo e o Judiciário. Só que há situações em que o sistema dificulta os freios e contrapesos, por assim dizer. Eles se desequilibram e um dos poderes tem que buscar uma forma de reequilibrar isso aí, que no caso, é o extremo de uma greve de juiz, ou de uma paralisação do parlamento.

ConJur — Greve por reajuste?
Ricardo Rezende — Hoje, em relação à carreira, há um descontentamento, que às vezes tem repercussão no salário. Eu vejo uma carreira desmotivada, de um modo geral. Você entra na carreira e a sua perspectiva de ganho, até o final da sua vida, depois de 30 e tantos anos, é de 5% a 10%. Se você está no exercício da titularidade, vai ganhar 10%, 5% a mais e vai ganhar mais 5% se for desembargador. Mas talvez nunca seja. Isto é, vai entrar em uma carreira onde a perspectiva daqui a 30 anos é ganhar 5% mais.

ConJur — E qual que seria a saída para essa situação? O juiz começar ganhando menos?
Ricardo Rezende — Hoje, o juiz não tem incentivo, não tem ganho por produtividade. Alguns estados pagam até para o juiz fazer sentença, aqui não tem, se você fizer 300 sentenças ou 10, ótimo. A carreira é muito curta, poderia ter um acréscimo maior, poderia ter outras possibilidades de ganho, trabalhar mais, ganhar mais, produzir mais… Hoje, quem entra na magistratura não vai ser ministro nunca, talvez desembargador. Não tem como se motivar, você não tem muito espaço para crescer, se desenvolver, fica engessado. Quase todas as carreiras têm um adicional se você faz um mestrado ou um doutorado. Na magistratura não se ganha nada a mais por isso. Outra coisa que eu vejo como muito complicado e meio anacrônico é o seguinte: o juiz ganha exatamente a mesma coisa no Brasil inteiro. Então, se ele mora no Rio ou em São Paulo, ganha exatamente o mesmo tanto que o cara que mora no interior de Minas, por exemplo, que é o meu estado. Esse salário para o interior de Minas é um salário excepcional, para São Paulo, é um salário que gera dificuldades. A insatisfação vem muito disso, você não tem um reconhecimento pelo trabalho, porque, se você é um juiz excepcional, o melhor juiz do Brasil e o pior juiz do Brasil ganham exatamente a mesma coisa.

Conjur — E quais que são as consequências dessa insatisfação? Muitos desistem da carreira?
Ricardo Resende — Já vi alguns. A desmotivação é visível, assim como a falta de reconhecimento, às vezes o juiz desenvolve um trabalho excepcional, quando ele chega ao final do trabalho, que a vara está zerada, o mandam para ajudar em outra. Aí a autoestima cai, o ânimo com a carreira idem, nesses casos, reclamar do salário é o natural, o óbvio.

Conjur — O CNJ decidiu equiparar os direitos do MP ao dos juízes. A via foi correta, via CNJ?
Ricardo Rezende Foi bem decidido. Essa posição está correta. Não tem como ter um órgão de acusação com mais prerrogativas do que o órgão do poder julgador.

ConJur — Mas isso não seria um caso para o Supremo?
Ricardo Resende — Hoje se tem o CNJ para decidir questões administrativas, entre elas, essa questão.

ConJur — As férias continuaram 60 dias?
Ricardo Rezende — Continuaram em 60 dias.

ConJur — E podem ser vendidas?
Ricardo Rezende — Não. O juiz não pode vender férias hoje, se o juiz não tira férias por necessidade do serviço, ele tem que ser indenizado. Esse era um caso para o Supremo decidir? Não sei, acho que o CNJ poderia decidir isso e dessa forma. Mas, o ideal é que se tivesse claro na lei.

ConJur — Outra pergunta que não podemos deixar de fazer diante desse acúmulo de processos. É razoável se pleitear férias de 60 dias, sendo que todas as outras carreiras têm 30 dias?
Ricardo Rezende — Na verdade, você está comparando o juiz às outras carreiras. O juiz tem que ser comparado aos parlamentares e ao presidente da República, porque o juiz não está ali como uma carreira do poder público, o juiz é um membro de Poder. Diante dessa avalanche de processos, o juiz não tem hora para chegar, hora para sair e não ganha hora extra. Esse tratamento, supostamente privilegiado para o juiz na verdade é quase uma compensação pelo outros direitos que ele não têm. Por exemplo, o juiz não tem descanso semanal remunerado. Em muitas comarcas, o juiz faz plantão e fica de sobreaviso todo final de semana. Se uma audiência vai até 10h, 11h da noite, ele não recebe adicional noturno.

ConJur — Então, isso justifica os 60 dias?
Ricardo Rezende — Na atual conjuntura, seria injusto simplesmente tirar 30 dias de férias e o juiz continuar com a sua carga, e sua montanha de processos. É absolutamente necessário que o juiz tenha 60 dias de férias? Para muitos juízes, é.

ConJur — O promotor ganha mais do que os juízes?
Ricardo Rezende — Foi noticiado recentemente no Estadão, “Procuradores do município que ganham quatro vezes mais do que o juiz”. Essas distorções incomodam muito o juiz, porque quando você faz a opção pelo Juizado Federal, você faz com aquela referência, “É o melhor que eu posso fazer, é o top”. Quer dizer, é no mínimo igual ou melhor. Na verdade, a questão salarial hoje do juiz não vem muito do valor que o juiz ganha, vem dos enormes avanços que foram concedidos às outras carreiras do serviço público.

ConJur — É o reconhecimento, é isso?
Ricardo Rezende — É, talvez, assim tudo dentro de um contexto. Então, o salário do juiz é muito bom, mas no contexto, talvez não seja tanto. Você começa a perder colegas.

ConJur — A desistir da carreira, pensar em outras possibilidades…
Ricardo Rezende — Só esse ano eu já recebi duas propostas para sair da carreira da iniciativa privada. Isso não acontecia antes.

ConJur — Mas tem a vantagem de uma aposentadoria integral.
Ricardo Rezende — Todos esses fatores ainda seguram o profissional, mas se fosse só o salário, se você tirasse 30 dias de férias, reduzisse a aposentadoria, haveria uma debandada.

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