PEC dos Recursos

Judiciário não está preparado para fim em 2º grau

Autor

  • Rafael Serra Oliveira

    é advogado criminalista do escritório Feller Serra Oliveira e Pacífico Advogados especialista em Direito Penal Econômico pela FGV-SP membro do Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD) e do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM).

2 de abril de 2011, 7h49

No mesmo mês em que o juiz federal Casem Mazloum deixou seu cargo muito antes da sua aposentadoria compulsória alertando para os “erros grotescos do MPF e da Justiça, bem como das ações fúteis exclusivamente marqueteiras, além de ilegalidades propositais praticadas em ações penais”, o presidente da Suprema Corte do país anunciou a “PEC dos recursos”, cuja finalidade é desafogar os tribunais superiores por meio do imediato cumprimentos das decisões dos tribunais de segunda instância.

Se aprovada a denominada “PEC dos recursos” – que entrará no III Pacto Republicano –, os julgamentos realizados pelos tribunais locais farão coisa julgada, isto é, não passarão pela apreciação dos tribunais superiores antes de produzirem seus efeitos – por vezes irreversíveis – na sociedade.

A incompatibilidade entre a realidade das Justiças estaduais escancarada pelo ex-magistrado Casem Mazloum e a proposta apresentada pelo ministro Cezar Peluso é preocupante. Ao mesmo tempo em que se inicia uma reflexão sobre as “ilegalidades propositais” praticadas no âmbito da Justiça regional, a PEC objetiva dar maior força às suas decisões.

Não são raras as notícias de constrangimentos ilegais impostos aos cidadãos em decorrência de atos judiciais, os quais são, muitas vezes, corrigidos apenas pelas cortes superiores.

O caso de Mazloum é emblemático. O juiz federal se viu engolido por uma rede de denúncias que o fez, inclusive, ser afastado de seu cargo por longos sete anos. Ao final, no entanto, após seu caso passar pela análise do tribunal regional e também do Superior Tribunal de Justiça, as acusações que pesavam contra ele foram classificadas pelo Supremo Tribunal Federal como “bizarras” e “aventureiras”.

Os escândalos de ilegalidades praticados por órgãos oficiais são tão frequentes que levaram o ministro Gilmar Mendes a afirmar em diversas oportunidades “que devemos rezar para ter senso de justiça, mas, se o perdermos, temos de pedir a Deus para, pelo menos, não perdermos o senso do ridículo, o que evitaria esse tipo de vexame”.

Mesmo a “PEC dos recursos” mantendo a possibilidade de reversão dos julgados locais pelos tribunais superiores, a execução antecipada permitirá que ilegalidades “bizzarras” produzam seus efeitos danosos por tempo indeterminado antes de serem expurgadas do sistema jurídico.

A questão fundamental que deve ser discutida para solucionar a irrazoável duração dos processos não é a quantidade de recursos levados aos tribunais superiores – dos quais o Estado é recordista absoluto -, mas os problemas estruturais do Poder Judiciário.

As recentes reformas na legislação proporcionaram a redução dos recursos, mas não solucionaram o problema, uma vez que o Judiciário continua com poucos juízes – o próprio STF ficou sete meses defasado de um dos seus membros -, serventuários, e ainda rasteja na informatização do sistema. Essas circunstâncias contribuem para um julgamento menos apurado e lento nas esferas estaduais e, consequentemente, para a manutenção de injustiças e ilegalidades.

Na verdade, o que a “PEC dos recursos” propõe é cobrar da sociedade a conta da morosidade do Judiciário, isto é, o Estado não se equipa adequadamente, não diminui a quantidade dos seus próprios recursos protelatórios, e exige que os cidadãos suportem a execução antecipada de suas penas, por vezes, ilegais.

No caso do juiz Casem Mazloum, as ilegalidades processuais, ainda que juridicamente revertidas pelo pronunciamento do STF, provocaram a sua execução social, cujos efeitos são perceptíveis até hoje. Mas com a “PEC dos recursos” será ainda pior, todos nós estaremos sujeitos não só ao escárnio público decorrente de algumas ilegalidades judiciais, mas também teremos que suportar a execução antecipada da pena e suas nefastas consequências.

Preparemo-nos todos, com a “PEC dos recursos” só nos restará seguir o conselho do ministro Gilmar Mendes: rezar para que os tribunais superiores não tenham perdido a noção de justiça ou do ridículo.

Autores

  • é advogado criminalista do escritório Toron, Torihara e Szafir Advogados, especialista em Direito Penal Econômico pela FGV-SP, membro do Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD) e do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM).

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