SEGUNDA LEITURA

Ari Pargendler e Gilson Dipp são exemplos de vida

Autor

  • Vladimir Passos de Freitas

    é professor de Direito no PPGD (mestrado/doutorado) da Pontifícia Universidade Católica do Paraná pós-doutor pela FSP/USP mestre e doutor em Direito pela UFPR desembargador federal aposentado ex-presidente do Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Foi secretário Nacional de Justiça promotor de Justiça em SP e PR e presidente da International Association for Courts Administration (Iaca) da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) e do Instituto Brasileiro de Administração do Sistema Judiciário (Ibrajus).

29 de agosto de 2010, 9h20

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Dois cargos da mais alta relevância no Poder Judiciário mudam no mês de setembro: corregedor Nacional de Justiça e presidente do Superior Tribunal de Justiça.

O Brasil adota o sistema de mandatos temporários na administração dos tribunais. Dois anos é o limite. É pequeno, se considerarmos que a adaptação exige cerca de 6 meses e os últimos 6 meses giram mais em torno de “quem será” do que de “quem é”.

O ministro Gilson Dipp deixa no dia 8 a Corregedoria Nacional de Justiça do CNJ. Nascido em 1º de outubro de 1944, em Passo Fundo (RS), formou-se pela Faculdade de Direito da UFRGS, em 1968. Advogou e foi professor de Direito Civil da PUC-RS, até que em 1989 assumiu uma vaga no Tribunal Regional Federal da 4ª. Região, pelo quinto constitucional.

No TRF-4 exerceu a presidência de 21 de junho de 1993 a 21 de junho de 1995. Com habilidade política, herdada de seu pai Daniel Dipp, que foi prefeito de Passo Fundo e deputado federal, exerceu uma liderança positiva e inovadora. Lutou pela agilização dos processos e pela eficiência administrativa, com um estilo informal e incomum no Poder Judiciário. Não raro reunia todos os juízes e saia à noite para animados jantares onde muitos problemas do tribunal eram resolvidos.

Em 29 de junho de 1998 tomou posse no Superior Tribunal de Justiça. A antiguidade exigida para os cargos de direção retardou seu acesso à cúpula da Corte. Mas não perdeu tempo. Dedicou-se com afinco ao combate ao crime organizado, sendo o artífice da criação das Varas Federais de Crimes Contra a Ordem Econômica, responsáveis pelo início da efetividade na área dos “crimes de colarinho branco”, até então simbólicos.

Mas foi ao assumir a Corregedoria Nacional, em 8 de setembro de 2008, que Gilson Dipp se destacou. O órgão assumiu um novo papel. Ágil, atuante, eficiente. Iniciou uma série de inspeções Brasil afora. E revelou o que nunca havia sido revelado, colocando no site do CNJ o resultado de cada visita. Não é pouca coisa para um país em que os tribunais eram isoladas e impenetráveis ilhas, cujo acesso só era permitido a poucos desembargadores no exercício dos cargos de direção.

Por sua iniciativa foram sendo apurados fatos graves. Pagamento de diárias indevidas, omissão de fiscalização por parte de Corregedorias, liminares concedidas em plantões liberando verbas significativas, Tribunais de Justiça com dezenas de funcionários comissionados, má divisão de verbas, beneficiando TJs em prejuízo da primeira instância, nepotismo cruzado. Enfim, uma sucessão de irregularidades, por vezes até atos criminosos, antes totalmente ignorados.

Dezenas de magistrados foram afastados, muitos desembargadores, dois corregedores-gerais da Justiça (AM e RJ) e um ministro do STJ. Além deste aspecto midiático, outro, muito mais discreto, mas não menos importante, foi o de exigir-se nas inspeções dezenas de providências administrativas. Tudo com prazo a ser cumprido e a refletir, a médio prazo, na efetividade da Justiça.

É possível dizer, sem favor algum, que o Judiciário brasileiro tem um antes e um depois de Gilson Dipp. Fez-se o que nunca se fez antes neste país. A história se encarregará de fazer-lhe justiça. Antevejo nos anos 2025 teses de doutorado analisando o que se passava “naquele distante 2010”.

Nas proximidades da Corregedoria Nacional do CNJ, que ocupa o prédio do Supremo Tribunal Federal, o ministro Ari Pargendler assume a presidência do Superior Tribunal de Justiça. Nascido em 11 de outubro de 1944, também em Passo Fundo, 10 dias depois de Gilson Dipp. Formado em 1968, na mesma turma de Dipp, foi procurador da República e assumiu o cargo de juiz federal em 1976.

Discreto, elegante no trato, de profunda cultura jurídica e geral, logo se destacou no cargo. Por isso foi distinguido com a participação na banca de concurso nacional para Juiz Federal, em 1981. Titular da 1ª Vara de Porto Alegre, mantinha os serviços absolutamente em dia. Sua mesa tinha uma longa fila de carimbos, para quase todos os despachos possíveis. Processos não paravam nas prateleiras.

Promovido para o TRF-4 em 1989, lá reencontrou o amigo, conterrâneo e colega de Faculdade de Direito. Participou ativamente de todas as atividades da Corte Regional, sempre lutando tenazmente por suas ideias. Em 1989, muito antes de falar-se em nepotismo, propôs e conseguiu colocar no Regimento Interno do TRF a proibição do emprego de parentes.

Nomeado para o STJ, por força de seu brilho, tomou posse em 19 de junho de 1995. Suas decisões sempre se destacaram por serem enxutas e profundas, uma simbiose rara de encontrar-se. Seus votos, todos sabem, nunca foram delegados a servidores. Mas isto exigia-lhe um esforço redobrado, razão pela qual passou a atender os advogados a partir das 7h da manhã.

Em todos os momentos de sua atuação no STJ, como ministro julgando ou como membro do Conselho da Justiça Federal, revelou-se preocupado com a dignidade da magistratura e a probidade administrativa. E nisto nunca transigiu. Não cedeu um centímetro. Em tempos de flexibilização e tolerância exacerbada, felizmente, o Brasil ainda pode contar com pessoas como o ministro Ari Pargendler, 100% intolerante com tudo que possa atingir o interesse público.

Dois magistrados que dignificam a magistratura, cujas vidas começaram na mesma cidade e os destinos convergiram para os mesmos locais, seguem sua trajetória profissional. Gilson Dipp retorna a uma Turma do STJ, onde voltará a julgar rápida e objetivamente, como sempre fez. Ari Pargendler assume a presidência do segundo tribunal do país, responsável por um gigantesco acervo de processos.

O Brasil não costuma valorizar os seus bons juízes. Para que se registre o papel destes dois grandes magistrados, cada um ao seu estilo, um de ascendência árabe e outro judia, tão diferentes e próximos simultaneamente, ficam aqui estes comentários. Propositadamente, eles extrapolam os currículos formais dos sites oficiais para revelar vidas em toda a sua plenitude. Ambos merecem nosso reconhecimento e homenagem.

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