Arte da guerra

Direitos envolvidos no pré-sal e na Petrobras

Autor

  • Luiz Roberto Kallas

    é consultor e professor nas áreas de Planejamento Estratégico Tecnologia da Informação e Mercado Financeiro no Brasil Estados Unidos Oriente Médio Uruguai e outros países. Foi professor em cursos de graduação e pós-graduação em Direito na Unip.

11 de setembro de 2009, 9h45

A chamada de um novo capital por uma empresa aberta sempre foi muito bem aceita pelo mercado e, em decorrência disso, suas ações apresentam alta nas bolsas nestas ocasiões. Em algumas circunstâncias, quanto o preço da subscrição for inferior ao preço do mercado poderá ocorrer uma queda no valor da ação, mas apenas após a incorporação da subscrição ao capital, como mero ajuste dos preços ex-direito. O governo brasileiro e os dirigentes da Petrobras estão afirmando o contrário.

Toda vez que uma empresa aumenta o capital, baseado em um planejamento financeiro correto e sustentável, significa uma oportunidade maior para o acionista de investir com produtividade. As ações da Petrobras deveriam então subir, na expectativa do crescimento dos lucros futuros, graças aos seus planos de expansão. Uma notícia quando é boa melhora as expectativas dos acionistas em bolsa e por isso os seus preços sobem.

Ao contrário, quando uma empresa pretende aumentar seu capital por subscrição, mas não tem uma perspectiva de continuar remunerando seus acionistas nos mesmos patamares, logicamente as ações irão cair, pois estarão fazendo um mau negócio. Neste caso a empresa não conseguirá sucesso em sua chamada de novo capital e, portanto não terá recursos suficientes para investir em seus novos planos de expansão. Essa é a maneira que a sociedade utiliza para manter a sustentabilidade econômica: só se deve investir naquilo que cria riqueza, obviamente observados padrões éticos de sustentabilidade social e ambiental, conforme pregam as boas práticas de governança. O respeito ao acionista minoritário é aspecto importante dessa governança e a empresa que a observa é premiada por maior aceitabilidade no mercado, melhores preços de produtos e ações, menor custo de capital e consequentemente melhor lucro, conforme atesta Michael Porter em seu famoso livro Competição.

Em trabalho publicado na revista da Fundação João Pinheiro, Análise e Conjuntura, na década de 70, mas que continua válido até hoje, evidenciei que a utilização de informação privilegiada poderia fazer uma ação cair ao anunciar um benefício para os acionistas e que subscrição pode ser benefício desde que o investimento da empresa seja correto e desde que o direito do acionista minoritário seja respeitado nos termos da lei. Se por alguma razão o acionista minoritário for prejudicado em seus direitos, em decorrência da indisponibilidade de recursos para efetuar a subscrição ou mudanças nas regras do jogo, seu prejuízo poderá em alguns casos ser grande. Neste último caso só a venda do direito ao controlador ou ao mercado poderá evitar o prejuízo. Se isso não for permitido o acionista venderá todas as suas ações e começará aí um crack das ações da empresa, com seus reflexos altamente negativos. Não estou prevendo que isso vá acontecer, mas que se o assunto não for tratado como merece, poderá acontecer.

O preço das ações reflete a lucratividade futura do empreendimento e sua sustentabilidade, econômica, ambiental e social. Se, no entanto, existem dúvidas sobre a aplicação dos novos recursos e seus resultados, a tendência das ações será de queda. É fácil verificar essa afirmação, pois estamos ainda sofrendo as consequências de algo semelhante que provocou essa crise internacional no mercado financeiro que a todos atormenta. Existem dúvidas sobre o que irá ocorrer com a Petrobras? Claro que sim. Ninguém tem bola de cristal e um investimento tão volumoso, o maior do mundo, segundo se comenta e, além disso, de muito longo prazo, precisa ser muito bem planejado e discutido para se evitar riscos, além dos aceitáveis pelo mercado e pela sociedade. Nestes momentos a pressa e a arbitrariedade é péssima conselheira.

Por outro lado é sabido, que o planejamento na área de petróleo considera um período muito longo. Isso é praxe no mundo todo. As empresas do setor costumam imaginar diversos cenários futuros e analisar cuidadosamente todos eles. Descobrem-se atratores que influenciam cada um dos cenários e a probabilidade de cada um deles acontecer. As empresas, no dizer dos orientais, devem escolhem o “caminho do meio”, qual seja aquele que maximiza o resultado para os investidores e garante os direitos do consumidor. O que isso significa? O caminho escolhido é o que melhor representa o acerto entre risco e retorno para o acionista e, sobretudo para o consumidor, missão maior da empresa. De nada adianta desejar-se o maior lucro do mundo se ele apresenta também o maior risco. E não adianta também o maior lucro do mundo se os direitos e desejos do consumidor dos produtos da empresa não forem devidamente respeitados. Este é um dos princípios no qual a maior parte dos especialistas aceita como básico na economia. Se o risco é maior, a tendência do preço é cair, pois o investidor exige uma taxa extra de remuneração pela sujeição a este acréscimo no risco. Essa taxa de retorno para o investidor é obtida pela queda dos preços de aquisição do novo investimento.

Dentro dessa perspectiva de administrar riscos, o melhor seria um aumento gradativo de capital, por uma simples razão. Toda ação humana e empresarial apresenta um ponto de não retorno. A partir desse ponto é impossível fazer correções, em caso do cenário ser diferente do previsto. Um aumento substancial de investimentos sem maior grau de certeza no futuro costuma exacerbar os riscos. No caso da Petrobras escolheu-se o caminho contrário que é colocar todos os ovos em uma única cesta. Afirmar que não existem riscos nas pesquisas do pré- sal é uma atitude de soberba e não virtuosa. Nem os benefícios e nem os custos estão definidos com segurança, como atestam os especialistas no assunto.

Certa vez um juiz de corte americana, ao ser perguntado sobre qual o valor justo de uma ação, respondeu que ela vale tanto quanto um pedaço do céu azul. Daí o nome blue-chip para as ações de primeira linha, como a Petrobras. Aquele juiz se pronunciou com sabedoria ao dizer que o preço de uma ação é de difícil determinação, pois sabemos que a ninguém é dado a capacidade de adivinhar o futuro e o preço das ações é exatamente o valor da empresa no futuro. Portanto há necessidade extrema de se avaliar com cuidado os cenários que se apresentam e as formas de aproveitar aqueles de maior probabilidade de ocorrerem e que tragam os maiores benefícios. Soma-se a necessidade de planos contingenciais para o caso de imprevistos.

Sabemos também que os combustíveis fósseis, como o petróleo, terão seus dias contados. Primeiramente por não serem renováveis, e segundo, mas não menos importante, por seu efeito catastrófico na poluição ambiental. Talvez esteja aí uma das razões da candidatura presidencial da Senadora Marina Silva. Ela discorda da visão de seus antigos companheiros sobre como enfrentar um futuro mais que provável. O cenário ambiental global exigirá uma tomada de posição de todos os governos do mundo. O Presidente Obama já deixou clara sua política neste sentido e deverá gradativamente tomar todas as medidas possíveis para evitar a deterioração do meio ambiente. Certamente ele agirá em cima dos atratores que estarão construindo os cenários mais desejáveis para a continuidade da vida sobre a terra. Em síntese isto indica que a evolução dos negócios com petróleo poderá não ser mais considerada como ouro negro, mas como a praga da humanidade.

Os Estados Unidos não podem mais depender do petróleo, tampouco a China, o Japão, a Europa e todos estarão contribuindo para que ele seja substituído por fontes de energia mais limpa. A prioridade a outras fontes de energia também colabora para aliviar o uso político do petróleo, o que ocorre aqui e alhures. Ao contrário, o posicionamento estratégico brasileiro não privilegia uma política de relacionamento com o mundo, mas apenas o aproveitamento de transações econômicas.

O cenário para o petróleo como matéria-prima, se é que o mundo tem juízo, será a de uma lenta e planejada desmobilização, tanto por sua escassez futura quando pelos malefícios que causa à humanidade. Conclui-se que o Brasil além de ter perdido o trem que carregava o ouro negro está prestes a perder o bonde do futuro, em direção contrária as verdadeiras necessidades da população. Uma vez mais estaremos provando que somos sempre o país do futuro que nunca chega.

O pré-sal, como um investimento em um futuro longínquo, corre riscos, pois estamos dependentes de uma estimativa dos valores a porvir. Podemos estar comprando gato por lebre. E qual seria a solução? Deixar de investir no pré-sal? Não. Isso seria não aproveitar uma possibilidade de desenvolvimento. O que não podemos é adiantar o futuro irresponsavelmente e nem jogar como se ele fosse um cassino. Não usar o ovo que a galinha não botou. O mercado, apesar de seu Ibope em baixa, saberá como fazer, pois estará procurando o melhor caminho entre risco e retorno. O planejamento inflexível e determinista, por outro lado, será apostar no incerto.

Não sou contra o investimento no pré-sal, muito pelo contrário. Acho que devemos explorá-lo e creio que pode dar excelentes resultados. Mas creio ser temerário fazer um adiantamento sobre um futuro incerto, pois se a galinha, por alguma razão, não botar o ovo estaremos em palpos de aranha. O que o governo acena é exatamente contar com o ovo ainda não botado. Portanto deveríamos adotar um caminho que nos permitisse alternativas. Quando os investimentos e a bolsa viram um cassino, sabemos o que pode acontecer e exemplo recente é a atual crise financeira internacional.

A Petrobras e o Brasil devem acreditar no pré-sal, mas dentro de critérios menos histéricos e ufanistas, com os pés no chão e a cabeça nas nuvens, tentando vislumbrar todas as possibilidades positivas e negativas, como convém nestas ocasiões. A Petrobras não é uma agência de publicidade eleitoral, mas uma empresa que deve cuidar da nossa energia, inclusive da renovável.

Em outra contradição, a Ministra Dilma Roussef deseja que o governo adiante o seu futuro, mas não permite que o trabalhador, acionista minoritário, adiante o dele, já que não permitirá o uso de recursos do FGTS em compra de ações da Petrobras. Creio que ela prefere usar esse recurso líquido e certo em sua campanha eleitoral, financiando o famigerado  Plano de Aceleração do Crescimento (PAC)  do qual ela é a mãe zelosa, mas às custas do trabalhador.

O assunto é importante e tem diversas implicações e devemos discuti-lo com mais calma, mais informações, mais opções, mais participação, mais ética, mais sabedoria, mais obediência ao império da lei e da Justiça, maior preocupação com a sustentabilidade ambiental e não como uma ação ditatorial centralizada ou um golpe de marketing, sem a participação da sociedade e de todos os grupos envolvidos direta e indiretamente. O petróleo realmente pertence a todos nós e não a um grupo que se encontra atualmente no poder e que se considera o único dono da verdade e do país.

O planejamento centralizado, de cima para baixo, além de ineficaz é uma afronta à democracia e ao espírito republicano e já demonstrou inúmeras vezes na história que pode levar nações à ruína. O planejamento descentralizado e participativo, inclusive com a voz dos críticos, apesar de também apresentar problemas, mas por ser mais flexível e adaptativo ao ambiente que nos cerca, tem força suficiente para resistir a uma queda e se levantar mais uma vez se for necessário. O planejamento centralizado, ao contrário, é um reducionismo inconsequente e sem possibilidades de retorno

Finalizo parafraseando as sábias palavras de Sun Tzu, em seu relato sobre a arte da guerra: Podemos até perder uma batalha, mas não podemos correr o risco de perder a guerra. Arriscar inadvertidamente é assegurar a derrota, não para o governo, pois esse passa, mas para o Brasil que deve sempre continuar.

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