Uso seguro do amianto só é possível na teoria
14 de dezembro de 2009, 16h34
No artigo intitulado “Segurança do amianto crisotila cumpre norma com folga”, redigido pela Dra. Maria Júlia de Aquino e publicado eletronicamente no Consultor Jurídico em 30 de novembro de 2009, fui citado por uma declaração prévia a respeito do baixo risco de desenvolvimento de doenças associadas ao amianto em moradores de residências que contenham produtos de cimento-amianto instalados.
Embora a citação seja correta, ela se insere num contexto de defesa da continuidade do uso do amianto crisotila e do apoio a um projeto de lei que altera a legislação estadual paulista de proibição da mineração, transformação industrial, comércio e transporte e amianto, para novas regras, admitindo um “período de transição”, em que o produto voltaria a ser utilizado no estado, o que é absolutamente contrário à minha posição e à posição da Fundacentro.
A nocividade do amianto crisotila é inconteste. O amianto crisotila é um produto químico classificado dentro do Grupo 1 das substâncias carcinogênicas pela International Agency for Research of Câncer (IARC), organismo da OMS. Isto significa que há suficientes evidências experimentais e epidemiológicas que permitem classificá-lo como cancerígeno. O amianto é o cancerígeno ocupacional mais descrito na literatura científica e um cancerígeno ambiental reconhecido. A OMS e a OIT entendem que a única forma de se prevenir as doenças associadas ao amianto é através da cessação da sua utilização (http://www.who.int/occupational_health/publications/asbestosrelateddiseases.pdf, http://www.ilo.org/public/english/standards/relm/ilc/ilc95/pdf/pr-20.pdf (pgs 47 a 52)). Em adição aos cânceres do sistema respiratório baixo e membranas que recobrem os pulmões, o peritôneo e o pericárdio, o amianto é também causalmente associado ao câncer de laringe e câncer de ovário (www.thelancet.com/oncology, Vol 10 Maio 2009). Mesmo que houvesse a hipotética situação de banimento global, vamos continuar a diagnosticar casos de cânceres associados ao amianto ainda por muitas décadas, devido ao longo período que estas doenças levam para se manifestar. Até o presente, nenhuma das fibras substitutas ao amianto está classificada dentro do Grupo 1 do IARC.
A “utilização segura” do amianto crisotila no seu ciclo de produção até o descarte final é não só inviável na prática, como mentirosa. Quem controla a sua “utilização segura” na construção civil? Quem controla a sua “utilização segura” em manutenção de máquinas, equipamentos e instalações que contenham amianto? Quem controla a sua “utilização segura” em reformas e demolições? Quem controla a contaminação de locais previamente utilizados para armazenamento e/ou a produção de produtos contendo amianto? Estas são algumas poucas das muitas razões que nos levam a defender o banimento do seu uso no território nacional, assim como advertir sobre os riscos a que estão submetidas pessoas em outros países que continuem a importar e utilizar amianto, seja ele brasileiro, russo, canadense ou chinês.
A colocação da missivista “Afirmação que se comprova quando analisamos o histórico de 70 anos de produtos de fibrocimento com amianto crisotila, sem registro de um único caso de doença relacionada ao seu uso”, é um jogo de palavras deplorável. Somente no nosso serviço temos dezenas de pacientes com doenças adquiridas pela exposição ao amianto na produção de artefatos de cimento-amianto brasileiros, alguns já falecidos por câncer associado ao amianto.
O problema, de fato, não se encontra nas pessoas que moram nas residências que têm cobertura de cimento-amianto ou que usam caixas d’água deste material. Para se demonstrar o problema é simplesmente necessário ter coragem e decência para desvelá-lo. Os profissionais que atuam na área sabem onde encontrá-lo. É só querer.
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