Entre a fé e a lei

Minha fé nunca interferiu nos julgamentos, diz Direito

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2 de setembro de 2007, 10h21

Em entrevista às jornalistas Silvana de Freitas e Eliane Catanhêde, publicada no jornal Folha de S. Paulo, deste domingo (2/9), Carlos Alberto Menezes Direito, que toma posse na próxima quarta-feira como ministro do Supremo Tribunal Federal sustenta que o fato de professar uma determinada crença religiosa pode conformar suas convicções pessoais, mas não interfere no modo como interpreta e aplica as leis.

Na entrevista, em que demonstra bom humor, Direito fala ainda deseu interesse pela medicina e pela psiquiatria e comenta o papel da imprensa: “Em tese, a liberdade de imprensa como ação humana está subordinada à responsabilidade civil”, diz ele.

Leia a entrevista

Folha — O sr. é conservador?

Carlos Alberto Menezes Direito — Não sei se sou ou não. Sou uma pessoa que tem muita fé. Agora, nunca a minha fé interferiu nos meus julgamentos. Pelo contrário, ela sempre os iluminou, alguns extremamente inovadores, do ponto de vista humano.

Folha — A união estável?

Direito — Sim. Quando a Constituição lançou a união estável, foi o primeiro acórdão do Tribunal de Justiça do Rio. Era um compositor e sua companheira. Eu fiz o voto reconhecendo que a união estável entre um homem e uma mulher é uma união de amor, que o ato formal do casamento perante a Constituição não era relevante.

Folha — Há uma diferença entre só ter fé e militar na União dos Juristas Católicos do Rio de Janeiro.

Direito — Não, pelo contrário. Essa entidade, à qual tenho muito orgulho de pertencer, é uma associação civil de pessoas que têm a identidade da sua fé.

Folha — Há duas causas relevantes para a Igreja Católica no STF, sobre a utilização de células-tronco de embriões humanos em pesquisas e a interrupção da gravidez nos casos de anencefalia. O sr. até já se manifestou sobre isso em um ensaio.

Direito — Não opino sobre casos concretos. Vou julgar de acordo com as leis.

Folha — Essas questões pressupõem a discussão sobre o momento que a vida se inicia, se na concepção ou no parto. Isso extrapola a lei e entra no terreno filosófico e religioso.

Direito — Talvez não exista lei específica sobre essa matéria. Então se está trabalhando com interpretações. Teria eu o direito de ter vergonha ou de pedir desculpas pela minha fé católica? Será que um país como o nosso, tão bonito, com gente tão alegre, será que eu não tenho o direito de ter orgulho de ter a minha fé católica?

Folha — Como foi sua conversa com o presidente?

Direito — Extremamente cordial, com um homem extremamente digno, correto, que me deu uma grande honra ao me indicar para o STF. Nós rimos bastante. Estavam lá os ministros Jobim e Tarso Genro.

>Folha — Dizem que o ministro Genro fez tudo para não ser o senhor.

Direito — Ele estava extremamente gentil, cordial. Mas as pessoas têm o direito de opinar e de optar por A, por B ou por C.

Folha — E é mesmo um médico frustrado e até dá consulta para colegas e funcionários?

Direito — Aqui na minha gaveta eu tenho até receituário, mas não vou mostrar (risos). Agora não tem mais risco nenhum, porque já posso conceder a mim mesmo habeas corpus por prática ilegal de medicina.

Folha — Homeopática ou tradicional?

Direito — Eu gosto muito de estudar, tenho uma razoável biblioteca de psiquiatria. Leio muito, fico fascinado pela mente humana, pelo mecanismo da memória. Como foi o procedimento de Freud arrombando o inconsciente humano no final do século 19, numa Áustria anti-semita? As patologias estão em nós, seres humanos.

Folha — O sr. é sempre emotivo?

Direito — Muito. Choro com muita facilidade e sempre foi assim. Ser ministro do STJ, do Supremo não tem importância para minha vida humana. O que tem importância para mim é estar aqui, poder olhar para vocês, olhar para os meus judicionados, chegar na minha casa à noite, rezar, brincar, rir, contar uma anedota.

Folha — O sr. só vai ficar cinco anos no STF e poderia ficar mais, se fosse aprovada uma emenda constitucional ampliando o limite para 75 anos.

Direito — E eu sou inteiramente favorável, particularmente para os tribunais superiores. Tenho a impressão de que estamos tendo uma rotatividade muito grande e, quando isso acontece, a jurisprudência flutua muito. Lá embaixo, o jurisdicionado fica prejudicado, porque fica inseguro.

Folha — Os 40 denunciados do mensalão se tornaram réus, mas a Justiça é acusada de impunidade quando trata de poderosos.

Direito — Não concordo com a afirmação. Acredito que o sistema processual brasileiro tem inúmeras dificuldades, pela grande quantidade de recursos existentes. É uma lentidão do processo judicial, não é culpa dos juízes. Se uma pessoa entra com uma ação de indenização por danos morais, por exemplo, pode haver 15 recursos só na preliminar [antes do exame do mérito].

Folha — O foro privilegiado não é fator de impunidade, até mesmo por eventual falta de vocação dos tribunais superiores, o STJ e o STF, para ações penais?

Direito — Não tenho opinião sobre o foro privilegiado, mas concordo que os tribunais não têm estrutura para manter processos penais originários sem criar alguns mecanismos que aliviem a carga. Um ministro do STJ recebe por mês 1.200 processos. Então a dificuldade não é o foro privilegiado, mas a estrutura disponível.

Folha — No julgamento do STF, o tribunal agiu tecnicamente ou jogou um pouco para a platéia?

Direito — Tenho a mais firme convicção de que o STF julgou de acordo com a prova dos autos, dentro de uma perspectiva exclusivamente técnica.

Folha — Mas a opinião não influenciou o resultado?

Direito — A nossa liberdade depende muito da nossa capacidade de separar o tribunal da opinião pública do tribunal institucional. No momento em que nos deixarmos levar apenas pelo tribunal da opinião pública, perderemos a condição de julgar com isenção. O tribunal da opinião pública é importantíssimo, mas ele deve ser subordinado ao tribunal institucional formal. Não se pode vincular a razão à emoção. Quando se julga, deve-se julgar de acordo com a lei, só com a razão.

Folha — Quando o ministro Ricardo Lewandowski afirma que o STF julgou a denúncia do mensalão com “a faca no pescoço”, ele está confessando uma enorme dose de emoção.

Direito — Todo juiz é apenas um ser humano. Temos nossos sentimentos, emoções, medos, angústias, dificuldades. Nenhuma dessas reações humanas pode ser interpretada para o mal. São apenas reações humanas. Todos nós somos iguais, na mesma natureza, com a mesma essência.

Folha — O nome do senhor foi citado em e-mails sugerindo que haveria uma troca: ministros rejeitariam a denúncia, e o senhor seria indicado. Essa comunicação entre dois ministros também revelou que o Supremo estaria dividido em grupos.

Direito — Eu não acredito nenhum minuto que tenha havido divisão em grupo do STF. Falei com todos os meus colegas, quero bem a todos eles. Eu li hoje [sexta], no jornal, uma afirmação do ministro Lewandowski de que ele não se referiu a uma troca de voto por nomeação, que se referiu a mudança de voto, de convicção pessoal, o que pode acontecer com todos nós, juízes.

Folha — Como o senhor vê o papel da imprensa nos dois episódios: a divulgação dos e-mails e do telefonema no restaurante?

Direito — Não posso responder sobre caso concreto, porque amanhã pode ser necessário que eu venha a julgá-lo. Em tese, a liberdade de imprensa como ação humana está subordinada à responsabilidade civil. Todo aquele que se sente lesado vai ao Judiciário, que vai examinar se houve ou não a lesão. Isso é o princípio da ponderação entre os direitos e garantias individuais e a liberdade de informação.

Publicado na Folha de S. Paulo de 2/9/2007

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