Injustiças da Justiça

Há perigo de deturpação política na composição do CNJ

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20 de setembro de 2006, 18h14

Decisão recente do Conselho Nacional de Justiça sobre o caso das promoções de juízes na Paraíba expôs publicamente os merecimentos fingidos que sustentam ainda carreiras meteóricas no Judiciário. Na verdade, mais um tipo de nepotismo que campeia livre nos tribunais porque a experiência tem comprovado que os parentes dos desembargadores e ministros são sempre os que têm “merecido” em primeiro lugar.

A justificativa encontrada é que o mérito, por não ter um critério matemático de verificação, mas que em teoria deveria ser aferido pelo desempenho do juiz, conforme critérios objetivos de produtividade e presteza no exercício da jurisdição e pela freqüência e aproveitamento em cursos oficiais ou reconhecidos de aperfeiçoamento, seria de impossível realização, o que legitimaria o subjetivismo destas escolhas.

Mas o CNJ, em boa hora, começou a pôr freio nesta liberalidade descabida, fiscalizando os processos de promoção dos juízes, exigindo o cumprimento de regras de publicidade e motivação que permitam comparar entre si os diversos concorrentes às promoções.

Curiosamente, entretanto, o CNJ, com relação a promoções ocorridas em Minas Gerais, não teve o mesmo entendimento, ungindo a escolha de parentes de desembargadores por seus elevados “merecimentos”, embora as atas não registrassem nenhuma comparação entre eles e as dezenas de colegas que lhes antecediam na antiguidade, dando ensejo assim ao descumprimento cabal da Resolução 6 do dito conselho, que determina que, nesses casos, deveria prevalecer a escolha dos mais antigos.

Isto está a denunciar talvez o uso político do cargo por parte dos conselheiros do CNJ, deixando mostras visíveis de que a forma de preenchimento desses cargos (a indicação pelas cúpulas de tribunais, OAB, Ministério Público e Congresso Nacional) estaria influenciando decididamente em suas decisões.

Se for assim, vale lembrar que o nosso CNJ fugiu à regra dos demais conselhos de magistratura espalhados pelo mundo (Portugal, Espanha, Itália, Argentina, entre outros), onde prevalece na escolha dos conselheiros o processo democrático de votação por cada um dos segmentos que têm a primazia de poder formular indicações para a sua formação.

Aliás, sobre o perigo da deturpação política na composição dos conselhos de magistratura, já alertara o jurista argentino Eugenio Raúl Zaffaroni (Poder Judiciário, Crise, Acerto e Desacertos), para quem “a composição deste órgão é a questão mais importante que deve ser resolvida”, opinando ele que a melhor realização da tendência democratizante poderia ser obtida por meio da designação dos conselheiros judiciários por meio do voto universal de todos os juízes, sem que houvesse para eleitores e elegíveis limitações por instância.

Mas a permanecer as coisas como estão, prevalecendo tantas injustiças na casa da Justiça, talvez fosse o caso de passarmos a submeter os pretendentes à magistratura, por ocasião do ingresso, a questão colocada uma dia por Max Weber ao falar dos desafios da vocação científica: “você se julga capaz de ver, sem se desesperar nem se amargurar, ano após ano, passar à sua frente mediocridade após mediocridade?”.

Penso que a escolha de mudar o rumo de suas decisões está nas mãos do próprio CNJ. Já a decisão de mudar a forma de composição desse conselho cabe a nós, cidadãos, por meio da exigência de uma nova reforma, que venha implementar desta vez a verdadeira democratização do Judiciário, o que nos parece inevitável, sendo também como alertara Zaffaroni apenas uma questão de tempo.

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