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Carta aberta ao ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos

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12 de abril de 2006, 15h41

Caro Márcio Thomaz Bastos,

Além da observação serena dos acontecimentos recentes, trinta anos de testemunho da sua conduta impecável, na vida pública e na advocacia, fundamentam a minha certeza de que você se conduziu com toda a propriedade, no episódio que envolveu a quebra do sigilo da conta do caseiro Francenildo Santos Costa, na Caixa Econômica Federal. Também aí, predominaram a sensatez, a prudência, a sabedoria que fizeram de você um líder notável da sua classe, que chefiou com dignidade e desassombro; o advogado que granjeou o respeito e a admiração dos seus colegas pelo modo como desempenhou o mandato, em tantas causas espinhosas; o homem público, que nunca recuou dos seus deveres, responsavelmente cumpridos com reflexão e sem o açodamento de outras pessoas que, ao longo dos tempos, levou ao malogro os propósitos mais elevados.

Impressiona, em todos os lances da sua conduta de homem do bem, na advocacia e na vida pública, o empenho de destrinchar os problemas para entendê-los; de compreender o momento, para evitar riscos; de explorar, positivamente, as possibilidades; de, como no verso de Kipling, “manter a tua calma, quando todo mundo ao redor já a perdeu e te culpa”. Lembra-me, muito vivamente, o modo como você conduziu a formulação do pedido de impeachment de Fernando Collor. Reunidos, na sua casa, para elaborar aquele requerimento, os membros da Comissão encarregada de redigi-lo, para apresentação ao Senado pelo grandioso Evandro Lins e Silva, ouvimos de você palavras de meticulosa análise do momento, que contiveram arroubos perigosos e souberam aproveitar, em termos muito ponderados, as oportunidades que a hora fazia propícias. Você sempre foi assim.

Ninguém se atreveu a levantar a falsidade de que você participou, de algum modo, da invasão da conta bancária de Francenildo, nem da entrega de elementos dela a Antônio Palocci, ou a quem quer que fosse. Os fatos afastam, definitivamente, qualquer cogitação acerca desses pontos. Por isso, só em caso de “loucura furiosa”, para repetir hipérbole de Aliomar Baleeiro, se poderia falar de cumplicidade sua.

O que se pretende é que, diante dos indícios de condutas comprometedoras, você se comportasse na base do “oba oba” e saísse trombeteando descobertas inconcludentes, como nunca pode fazer uma pessoa investida em funções da mais alta responsabilidade, como as de Ministro da Justiça.

As vozes que o censuram, imputando a você, de modo leviano e afoito, conduta inadequada, fazem o que você não fez: não se lembram da gravidade da situação, nem atentam nas medonhas conseqüências de juízos precipitados. Tudo impunha o paciente exame de cada fato, para resolver um quebra-cabeça e assim alcançar uma visão ampla e abrangente do quadro.

Os seus críticos fazem abstração de que os fatos diziam respeito ao Ministro da Fazenda, condutor da política econômico-financeira de um Presidente não afeito a assuntos demorados, que o transforma, do auxiliar de que fala o artigo 76 da Constituição, num comunheiro do poder. De tal sorte se destacava, no Governo da República, a figura do doutor Antônio Palocci, que a divulgação de qualquer suspeita sobre ele — muito menos afirmações fundadas em indícios insuficientes — poderia gerar efeitos catastróficos para a estabilidade da economia com perigoso desenlace da crise.

Será que as pessoas não compreendem que, diante de fatos comprometedores de um dos principais membros do governo, outro ministro, de igual importância — no caso, você — precisava averiguar, ponderar e analisar tudo, para depois submeter as conclusões à apreciação crítica do Chefe do Governo a que serve? Seria apropriado o Ministro da Justiça tomar atitudes determinantes da demissão de um colega cujo cargo pertence ao Presidente?

Esperar de você uma conduta inconseqüente é tão disparatado quanto, por exemplo, criticar-se o atendimento de Arnaldo Malheiros, cujas virtudes éticas todos nós louvamos, a um chamado de quem sentiu necessidade dos conselhos de um advogado. A etimologia do nome da nossa profissão (ad vocare, chamar para junto) já revela o conteúdo do nosso múnus de assistir quem precisa interpretar fatos ou esclarecer imputações, à luz dos princípios e normas do direito, para defender-se. Ou será que se implantou, no Brasil, aquele clima de invencível animosidade que lembra a denúncia do advogado de Luis XVI de que o tribunal não fora constituído para julgar o rei, mas para condená-lo?

Não deve e não pode impressionar ninguém um eventual encontro seu com o ministro Palocci. Afinal, a análise da questão tornava indispensável ouvi-lo.

As pessoas não se podem esquecer de que aos ministros de Estado, exatamente pela natureza e repercussões dos seus atos, deve-se dar uma atenção especialíssima. É o que mostram os exemplos sobejantes da história de todos os tempos. Dizer, então, que o Ministro da Justiça do Brasil errou porque buscou, primeiramente, inteirar-se dos fatos, para depois dar conta deles ao Presidente da República, é exigir que ele deserte das responsabilidades do estadista que você, meu caro Márcio, sempre soube ser.

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