Direito de ir e vir

Supremo autoriza advogado a acompanhar cliente em CPI

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17 de novembro de 2005, 20h43

Respeitando o direito de ir e vir dos advogados, o ministro Marco Aurélio, do Supremo Tribunal Federal garantiu aos advogados de Sérgio Gomes da Silva, o Sombra, a participação na CPI dos Bingos que acontece nesta quinta-feira (17/11) no Senado Federal. Sombra foi convocado para prestar esclarecimentos.

No pedido de Habeas Corpus ao Supremo, além de requisitar o acompanhamento do cliente, o advogado de Sombra, Roberto Podval, pedia que fosse reconhecido e declarado o direito do cliente de se recusar a comparecer a CPI, sem que viesse a sofrer qualquer espécie de sanção por essa recusa, tendo em vista a ilegitimidade da CPI em promover investigações sobre o caso Celso Daniel e da prerrogativa da não incriminação. Podval pediu, ainda, a presença de Sombra na posição de investigado, não assinando termo de compromisso de dizer a verdade.

A defesa pediu também o direito de Sombra de não se auto-incriminar, mantendo-se em silêncio. No mérito, pediram o reconhecimento do direito do cliente de se recusar a participar de qualquer outro ato perante a CPI dos Bingos que pretenda investigar o caso Celso Daniel ou produzir provas que poderá ser utilizada contra si próprio.

O ministro só concedeu o pedido no que diz respeito à presença dos advogados acompanhando o cliente na CPI. “Apenas procede o pleito no que tange à atividade profissional dos subscritores da peça que implicou a impetração e, mesmo assim, sem partir-se para o extravagante, ou seja, a prática de atos pela Comissão Parlamentar de Inquérito em desprezo aos parâmetros legais, colocando em risco, até mesmo, a liberdade de ir e vir dos advogados”, afirmou Marco Aurélio.

Leia a íntegra da liminar

HABEAS CORPUS 87.214-0 DISTRITO FEDERAL

RELATOR: MIN. MARCO AURÉLIO

PACIENTE(S): SÉRGIO GOMES DA SILVA

PACIENTE(S): ROBERTO PODVAL

PACIENTE(S): BEATRIZ DIAS RIZZO

PACIENTE(S): ODEL MIKAEL JEAN ANTUN

PACIENTE(S): ADRIANO SALLES VANNI

IMPETRANTE(S): ROBERTO PODVAL E OUTRO(A/S)

COATOR(A/S)(ES): COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUÉRITO – CPI DOS BINGOS

DECISÃO

CPI – INTIMAÇÃO PARA PRESTAR ESCLARECIMENTO – AUTODEFESA – ASSISTÊNCIA POR ADVOGADO.

1. Os advogados Roberto Podval, Beatriz Dias Rizzo, Odel Mikael Jean Antun e Adriano Salles Vanni ajuízam este habeas em favor de Sérgio Gomes da Silva, indicando, como ato de constrangimento, intimação efetivada pela Polícia Federal para o paciente, no dia de amanhã, às 10h30, prestar esclarecimentos na Comissão Parlamentar de Inquérito – CPI dos Bingos. Eis os fatos narrados na inicial:

a) o impetrante Roberto Podval foi surpreendido na manhã deste dia – 16 de novembro – por agentes da Polícia Federal portando intimação endereçada ao paciente Sérgio Gomes da Silva, considerada a CPI dos Bingos;

b) a intimação se fez para que, no dia de amanhã – 17 de novembro –, às 10h30, no Senado, fossem prestados esclarecimentos àquela Comissão Parlamentar de Inquérito;

c) o impetrante Roberto Podval subscreveu a intimação, apondo o “ciente”, com a ressalva de não contarem os advogados com poderes para assim atuar em nome do cliente;

d) a Secretaria de Apoio às Comissões Especiais, do Senado Federal, mediante telefonema de servidor que se identificou como Márcio, afirmou ser válida a comunicação, aduzindo que o paciente deveria comparecer ao ato. Sustentam os impetrantes não ter o paciente o dever de se apresentar, porquanto o caso Celso Daniel seria estranho aos limites da Comissão Parlamentar de Inquérito – CPI dos Bingos, no que foi instaurada com o objetivo de investigar e apurar a utilização das casas de bingo para a prática de crimes de lavagem ou ocultação de bens, direitos e valores bem como a relação das casas lotéricas e das empresas concessionárias de apostas com o crime organizado.

Terse-ia a incidência do disposto no artigo 58, § 3º, da Constituição Federal, em face da premissa de que a comissão é criada para apurar fato determinado. Afirmam que a finalidade da intimação do paciente seria colher elementos acerca do caso Celso Daniel. Alegam que a morte do ex-Prefeito de Santo André nada tem a ver com o objeto da investigação parlamentar em curso. Citam precedente da lavra do ministro Sepúlveda Pertence – Mandado de Segurança nº 25.281-2/DF – sobre a necessidade de a comissão ficar nos limites materiais do ato que a institui.

Apontam que o hoje senador Efraim Morais, Presidente da referida Comissão Parlamentar de Inquérito, ocupando a Presidência da Câmara dos Deputados, anulou, em questão de ordem, a intimação de testemunha que iria prestar depoimento à Comissão Parlamentar de Inquérito do Banespa, em virtude de o objetivo não se relacionar com os acontecimentos que deram causa às investigações parlamentares. Asseveram estar ocorrendo desvio de finalidade. Dizem que, em relação à morte do ex-prefeito de Santo André Celso Daniel, estão em curso ações penais, figurando o paciente no pólo passivo – Autos nº 101/02, da 1ª Vara Judicial de Itapecerica da Serra e Autos nº 557/02, da 1ª Vara de Santo André. Argúem a ofensa ao princípio da separação dos Poderes, ante a simultaneidade de investigação legislativa com as ações em curso. Reportam-se a precedente do Tribunal, da lavra do ministro Paulo Brossard, quando ficou assentado que a comissão parlamentar de inquérito não se destina a apurar crimes nem a puni-los – Habeas Corpus nº 71.039-5/RJ.

Discorrem sobre o fato de estar o paciente eximido de colaborar na produção de provas contra si mesmo, remetendo à Convenção Americana de Direitos Humanos e ao Tratado de Nova York.

Mais uma vez, fazem referência a julgado do Supremo sobre a matéria – Habeas Corpus nº 86.849-5/DF, relator ministro Cezar Peluso. Após transcreverem texto de Benjamin Constant publicado sob o título “Da liberdade dos antigos comparada à dos pósteros”, defendem a tese de que o paciente não está sequer compelido a comparecer ao ato, mencionando a garantia constitucional do inciso LXIII do artigo 5º da Constituição Federal. Ressaltam não poder o paciente vir a ser preso por falso testemunho e reproduzem a notícia, veiculada na Folha On Line em 27 de outubro último, intitulada “CPI dos Bingos aprova nova acareação com envolvidos no caso Celso Daniel”. Aludindo aos trabalhos desenvolvidos pela Comissão Parlamentar de Inquérito, citam trechos da autoria do senador Magno Malta.

Asseveram ainda o direito de o paciente ser acompanhado pelos respectivos advogados, salientando incidentes havidos na oitiva do Senhor Marcelo Sereno, quando os profissionais teriam sido impedidos de exercer prerrogativas asseguradas pela Lei nº 8.906/94 e respaldadas na Constituição Federal. Remetem ao Código de Ética e Disciplina da Ordem dos Advogados do Brasil bem como a precedente do Supremo da lavra do ministro Celso de Mello – Hábeas Corpus nº 83.622-4/DF.

Ante esse quadro, pleiteiam, a título de providências acauteladoras:

1 – Seja reconhecido e declarado, diante da ilegitimidade da Comissão Parlamentar de Inquérito – CPI dos Bingos em promover investigações acerca do caso Celso Daniel e da prerrogativa da não incriminação, o direito do paciente de se recusar a comparecer ao ato designado, sem que venha a sofrer qualquer espécie de sanção por essa recusa;

2 – Subsidiariamente – e diria sucessivamente -, requerem liminar em que se assegure:

a) a liberdade de ir e vir do paciente, expedindo-se salvoconduto;

b) o direito de o paciente fazer-se acompanhar pelos advogados credenciados e consultá-los quando entender conveniente;

c) a oitiva do paciente na posição de investigado, não assinando termo de compromisso de dizer a verdade;

d) o direito do paciente de não se auto-incriminar, mantendo-se em silêncio;

e) a impossibilidade de vir a ser preso e de sofrer coação em decorrência do exercício da garantia concernente à auto incriminação.

Solicitam, ainda, a expedição de salvo-conduto em favor dos subscritores da peça, Doutores Roberto Podval, Beatriz Dias Rizzo, Odel Mikael Jean Antun e Adriano Salles Vanni, presentes as prerrogativas da Lei nº 8.906/94, a saber:

a) de presenciarem o ato de oitiva do paciente;

b) de usarem da palavra pela ordem, sentados ou em pé, com a advertência de que a cassação indevida desse direito por parte dos membros da Comissão Parlamentar de Inquérito – CPI dos Bingos pode configurar crime de desobediência;

c) de consultarem, a qualquer tempo, seu cliente;

d) de não serem presos;

e) de não sofrerem qualquer injusta coação por parte da Comissão Parlamentar de Inquérito – CPI dos Bingos ou dos membros que a integram durante o depoimento do paciente, designado para o dia de amanhã.

No mérito, é pleiteado o reconhecimento do direito do paciente de se recusar a participar de qualquer outro ato perante a Comissão Parlamentar de Inquérito – CPI dos Bingos que pretenda investigar o caso Celso Daniel ou importe na produção de prova que poderá ser utilizada contra si próprio. Sucessivamente, pedem seja reconhecido ao paciente o direito de se manter em silêncio bem como, aos subscritores da peça inicial, os direitos inerentes ao exercício da profissão em todas as oportunidades em que, eventualmente, vier a ser o paciente intimado a depor perante a Comissão Parlamentar de Inquérito – CPI dos Bingos, expedindo-se, em favor de cada um, salvo-conduto. Acompanharam a inicial as peças de folha 28 a 122.

2. Relativamente à intimação de folha 28, observe-se havê-la recebido o profissional da advocacia que, tudo indica, assiste ao paciente, lançando o “ciente”. Quanto à ressalva feita, não é necessária a outorga de poderes especiais para tal recebimento. No tocante à autodefesa, o paciente foi intimado para “prestar esclarecimentos”. Os elementos trazidos ao processo não são conducentes a concluir-se que a intimação se fez dirigida à oitiva na condição de envolvido. Ele o é, como está na inicial, no caso Celso Daniel, e a Comissão Parlamentar de Inquérito constituída tem como fato determinado a apuração da participação das casas de bingo no que concerne à prática de crime de lavagem ou ocultação de bens, dinheiro e valores, atuação voltada ao apoio ao crime organizado.

Então, não cabe presumir o excepcional, o extravasamento dos limites do § 3º do artigo 58 da Constituição Federal, a verdadeira sobreposição, presentes ações penais em curso para elucidar a responsabilidade pelo crime ocorrido.

Apenas procede o pleito no que tange à atividade profissional dos subscritores da peça que implicou a impetração e, mesmo assim, sem partir-se para o extravagante, ou seja, a prática de atos pela Comissão Parlamentar de Inquérito em desprezo aos parâmetros legais, colocando em risco, até mesmo, a liberdade de ir e vir dos advogados.

3. Defiro a medida acauteladora de forma parcial, viabilizando, portanto, a assistência do paciente pelos profissionais da advocacia credenciados.

4. Publique-se.

Brasília, 17 de novembro de 2005.

Ministro MARCO AURÉLIO

Relator

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