No avesso

Redução da idade penal aumentaria criminalidade no país

Autor

  • Ariel de Castro Alves

    é advogado conselheiro nacional do Movimento Nacional de Direitos Humanos vice-presidente do Projeto Meninos e Meninas de Rua diretor do Sindicato dos Advogados de São Paulo e colaborador da Justiça Global.

8 de agosto de 2004, 10h53

Nos últimos anos, temos visto com freqüência, principalmente nos períodos eleitorais, campanhas e projetos de lei sobre a redução da idade penal e o aumento do tempo de internação para adolescentes infratores. Essas campanhas e projetos são patrocinados por setores políticos que demonstram notória atuação reacionária e oportunista. Também participam, familiares de vítimas de crimes praticados por adolescentes, que movidos, justificadamente, por forte emoção e dor, defendem a redução da inimputabilidade penal ou até a morte dos jovens autores de crimes.

Porém, os signatários da campanha desconhecem ou preferem não conhecer as verdadeiras causas da violência no Brasil e as distorções em torno da responsabilização penal dos adolescentes. A medida refletiria, necessariamente, no aumento da criminalidade e não o contrário, como pugnam seus defensores. Vejamos sinteticamente algumas das principais questões que envolvem o polêmico assunto:

Um recente levantamento da Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo mostrou que os adolescentes são responsáveis por apenas 1% dos homicídios praticados no Estado e por menos de 4% do total de crimes.

Pelo contrário, os jovens são as principais vítimas da violência no Brasil. Conforme uma pesquisa realizada em 1999, pelo Movimento Nacional de Direitos Humanos, para cada adolescente que comete um crime, outros 4 são vítimas de crimes praticados por adultos contra eles. Um recente relatório da Unesco demonstra que os jovens são as principais vítimas da falta de oportunidades, do desemprego, da exclusão social e, principalmente, da violência. Quase metade de todos os homicídios que ocorrem no País são praticados contra jovens com idades entre 15 e 24 anos. Esse é o mesmo perfil da maioria das vítimas da violência policial e dos grupos de extermínio em São Paulo: além de jovens, são negros e pobres.

Os jovens com idades entre 18 e 25 anos representam 70% da população prisional brasileira, evidenciando que o Código Penal e suas punições não inibem os adultos jovens da pratica de crimes. Portanto, também não serviria para intimidar os adolescentes entre 16 e 18 anos;

A questão da inimputabilidade é considerada “cláusula pétrea”, se tratando de direito e garantia fundamental das crianças e adolescentes, sendo portanto inconstitucional qualquer emenda visando a modificação, conforme pode se verificar nos artigos 5o , 228 e 60, parágrafo 4o, inciso IV da Constituição Federal.

O Brasil ratificou a Convenção da ONU (Organização das Nações Unidas) de 1989, que define como crianças e adolescentes todas as pessoas com menos de 18 anos de idade, que devem receber tratamento especial e totalmente diferenciado dos adultos;

As pesquisas que divulgam a defesa da redução da idade penal pela maioria da população partem de uma indagação equivocada e que induz a erro os entrevistados: “Você acha que os jovens com menos de 18 anos devem ser responsabilizados?”, partindo do pressuposto de que eles ficariam impunes. Na realidade, eles são devidamente responsabilizados, mas não pela lei penal e sim pela legislação especial (Lei 8. 069/90- Estatuto da Criança e do Adolescente), que prevê no artigo 112, as medidas sócio-educativas, que não vislumbram só a punição, mas, principalmente a reeducação e socialização dos adolescentes infratores.

Os crimes graves atribuídos a adolescentes no Brasil não ultrapassam 10% do total de infrações. A grande maioria (mais de 70%) dos atos infracionais, são contra o patrimônio, demonstrando que os casos de infratores considerados de alta periculosidade e autores de homicídios são isolados e o ECA já prevê tratamento específico para eles.

A reincidência criminal no sistema penitenciário brasileiro é de 60%, já no sistema de internação da Febem (Fundação Estadual do Bem Estar do Menor) de São Paulo, apesar da crise permanente da instituição descumpridora do ECA, a reincidência infracional é de 16%, segundo fontes oficiais. Isso demonstra que os adolescentes, por esforço próprio e apoio de entidades, estão mais propícios a serem recuperados. Nos Estados que cumprem o ECA, os índices são ainda menores, entre 1 e 5%.

Alguns países que reduziram a idade penal, como a Espanha e Alemanha, verificaram um aumento da criminalidade entre os adolescentes e acabaram voltando a estabelecer a idade penal em 18 anos (como mais de 70% dos Países do Mundo) e um tratamento especial, com medidas sócio-educativas, para os jovens de 18 a 21 anos.

Tendo em vista as informações acima, será que vale a pena investir na formação de criminosos cada vez mais precoces ou cumprir o que dispõe o ECA, garantindo a inclusão social e os direitos da infância e juventude brasileira? Vale uma reflexão!

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  • é advogado, conselheiro nacional do Movimento Nacional de Direitos Humanos, vice-presidente do Projeto Meninos e Meninas de Rua, diretor do Sindicato dos Advogados de São Paulo e colaborador da Justiça Global.

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