Reforma sindical

Reforma pode levar a darwinismo sindical: só os fortes sobreviverão

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2 de agosto de 2004, 19h41

Na seqüência das elucubrações do chamado Fórum Nacional do Trabalho, vêm sendo divulgados diversos anteprojetos correspondentes às fatias da pretendida reforma sindical. A pulverização do pacote em modificações distintas, todavia, desperta preocupações, já que, por exemplo, a tão celebrada (e temida) reforma trabalhista pode ser promovida com a mudança de um único artigo no anteprojeto relativo à negociação coletiva, enquanto todos os olhares estiverem voltados para o anteprojeto relativo à organização sindical.

Neste capítulo do formato das entidades, contudo, vai se chegando ao nervo central, afastando-se as filigranas que encobriam o centro do problema. A proposta divulgada mantém o regime de unicidade sob o novo nome de exclusividade de representação . Promove o retorno aos parâmetros varguistas do modelo CLT (a famigerada carta sindical), estipulando que a condição de sindicato se adquire mediante ato do Estado.

Em tese, os interessados deverão formar uma associação para buscar sua transformação em sindicato, quando obtiverem certo índice de sindicalização. Só o sindicato único (“exclusivo”) entronizado pelo Estado, entretanto, poderá usar a denominação sindicato, firmar contratos coletivos, negociar, decretar greves etc.

Como cereja do bolo, vem o reconhecimento das centrais sindicais.

A fundamental diferença visualizada neste novo modelo vai residir em que ficará extinto o sistema de organização por categoria e os trabalhadores somente irão poder se organizar por ramo.

Para se ter uma idéia de como seria o novo sistema, veja-se que é possível prever quais seriam os tais “ramos”, a partir do discurso que vem sendo desfraldado pela CUT que exerce os papéis simultâneos de parceira e eminência parda na construção do novo modelo: rurais, metalúrgicos, bancários, químicos, vestuário, comerciários, educação, saúde, administração e serviços públicos, construção civil, móveis e madeiras, mineiros, alimentação, comunicação, técnicos, profissionais liberais, trabalhadores em administração e tecnologia, trabalhadores em indústrias urbanas, transportes, autônomos urbanos, inativos.

Numa cidade como São Paulo, por exemplo, as centenas de sindicatos existentes teriam que ser reduzidos a dezoito. De um lado, isto implica em grandes complicadores políticos em caso de que se promova realmente o processo de concentração pela via negociada.

A própria CUT que (não muito) nas sombras, vem sendo a inspiradora do projeto, não obteve sucesso em promover este reordenamento no interior de suas fileiras. O mais recente documento por ela divulgado a respeito no site da entidade registra que:“esse desafio reside em reconstituir um ambiente político favorável para a retomada das discussões sobre as questões organizativas, sobre a construção da estrutura cutista, que dialogue com a diversidade existente, mas que expresse um projeto político-organizativo coletivo”.

Na medida em que este novo mundo sonhado no imaginário cutista for transformado em marco regulador legal para as relações coletivas, o resultado será a negação da diversidade existente. Na maioria destes ramos, a maior parte do território já é dominado por algum sindicato hipertrofiado que, automaticamente, vai fazer desaparecer toda a variada fauna sindical no seu entorno.

A pluralidade consignada na convenção 87 da OIT, tão cultuada por tanto tempo nestes mesmos arraiais, é incompatível com a futura paisagem que será governada por uma espécie de darwinismo sindical, no qual, só os mais fortes vão dispor de personalidade sindical. Os menores vão ter que fechar a porta.

Estas considerações deixam à vista as sensíveis razões que induzem as demais centrais sindicais a chegar ao consenso no que tange a esta matéria, ainda que em torno do projeto organizativo de uma forte rival. Não é só porque a amarração traz, também, a entronização das centrais como entidades sindicais com um papel bem mais protuberante do que aquele hoje desempenhado. É que um dos problemas atuais dos grandes sindicatos está no viés fracionário do modelo trazido com a CF-88.

Com efeito, apesar do discurso da carta política falar em sindicato único por categoria, ela deixa em aberto o conceito de categoria e, com isto, milhares de entidades foram surgindo por esta porta entreaberta, ocasionado aflitiva erosão nas bases dos sindicatos mais poderosos. Com tantas mordidas em seus calcanhares, as entidades representativas de grandes bases tradicionais, estão indo à luta para defender seus territórios, fechando as saídas embutidas nas brechas da legislação hoje vigente.

Ao se apagarem as poucas luzes deste espetáculo de tantos discursos tão ambíguos como altissonantes, o projeto de reforma sindical despe a fatiota reluzente da busca de um modelo mais “moderno” e se exibe como um ajuste pragmático firmado entre antigos e encarniçados adversários. Os novos parceiros mostram que são realistas e que estão dotados de um grande senso de oportunidade, na medida em que conseguem se acertar para resolver um problema comum a todos os combatentes.

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