Revisão de valores

STJ pode rever valor da indenização no caso da Escola Base

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3 de setembro de 2002, 20h18

A Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça iniciou o julgamento dos recursos que pretende rever o valor da indenização que deve ser pago aos proprietários da Escola de Educação Infantil Base, em São Paulo (SP), Icushiro Shimada, Maria Aparecida Shimada e Maurício Monteiro de Alvarenga.

Em março de 1994, a escola foi depredada pela população e fechada após a divulgação pela imprensa de que crianças matriculadas na escola eram vítimas de abusos sexuais. A acusação se revelou infundada e o inquérito foi arquivado.

Ao julgar ação de indenização por danos morais e materiais impetrada pelos proprietários, a primeira instância do Judiciário paulista fixou em 100 salários mínimos o valor dos danos morais para cada um dos ofendidos.

Na apelação, o Tribunal de Justiça de São Paulo condenou a Fazenda de São Paulo a indenizar os donos e diretores da Escola Base em R$ 100 mil. O valor é por dano moral para cada um dos autores, com juros e correção monetária, desde o início do processo.

Além disso, a Justiça determinou que o valor a ser pago por danos materiais seja calculado na fase da execução da sentença, mediante perícia. Foi determinado que, nos danos materiais, estejam incluídos os lucros cessantes e os prejuízos com a destruição da escola, que funcionava em prédio alugado.

O TJ paulista decidiu que o delegado de polícia que presidiu o inquérito policial sobre a Escola Base, Edélcio Lemos, também pague indenização. A Justiça estipulou pagamento de R$ 10 mil por danos morais e materiais, com juros e correção monetária.

O delegado foi considerado responsável pelos danos causados. Pois, apesar da precariedade das provas e sabedor das proporções que o caso assumia, teve conduta imprudente e reiterada. Ele transmitia aos repórteres informação oficial de que o crime realmente teria acontecido. Além disso, acrescentava que estava reunindo mais provas, que viabilizariam a prisão dos culpados.

São dois recursos em análise no STJ. Um da Fazenda do Estado de São Paulo e outro dos proprietários, ambos discutem o valor da indenização. A Fazenda estadual alega, entre outras coisas, que a decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo ofendeu a Lei de Imprensa.

Segundo a defesa da Fazenda paulista a responsabilidade civil cabe à empresa exploradora do jornal que veiculou as informações prestadas pelo delegado de polícia. Além disso, argumenta ser ilegal a majoração do valor imposto e que não foi dada ao Estado a mesma benesse concedida ao delegado de abrandar a responsabilidade.

Os proprietários discutem a fixação dos honorários e que o valor determinado como dano moral foi simbólico. Eles defendem a necessidade de reformar a decisão do TJ, tendo em vista que a questão teve grande repercussão, nacional e internacional que resultou em verdadeiro linchamento moral que, por pouco, não se transformou em verdadeiro e real.

A relatora Eliana Calmon afasta as afirmações dos proprietários da escola, tanto quanto aos honorários (que se referem à parte do conhecimento), como à parte do valor arbitrado para os danos morais.

Sobre o recurso da Fazenda, a relatora destaca em seu voto que o relator no TJ-SP se posicionou no sentido de que os donos e diretores da escola não pediram indenização por terem tido a honra e imagem maculada pela imprensa. A ministra disse que o pedido de indenização dos proprietários teve como causa a irregularidade na condução de um inquérito policial.

Ela lembrou que sem provas precisas e, antes do final das investigações, o delegado de polícia que conduziu o processo de forma irresponsável, divulgou para a imprensa resultados duvidosos do seu trabalho. A divulgação foi feita, de forma sensacionalista, como sendo de conclusão final, quando na verdade as investigações estavam em curso.

Ao final das investigações, Icushiro Shimada, Maria Aparecida Shimada e Maurício Monteiro de Alvarenga foram inocentados.

A relatora entende que não foi a veiculação do assunto pela imprensa, e sim a conduta “irresponsável” do delegado que acabaram por levar os proprietários a serem repudiados e quase linchados pela população. Foi a atitude do delegado que, mediante “acusações levianas”, segundo a relatora, fizeram com que os proprietários perdessem a honra e o estabelecimento de ensino.

A ministra disse que ficou bem demonstrado no processo que a primeira divulgação dos fatos se deu pela Rede Globo de Televisão. Na ocasião, uma entrevista gravada do delegado, em que ele afirma, “com todas as letras”, que houve violência sexual contra os estudantes da Escola Base.

“A segurança transmitida pelo delegado, ao narrar com suas próprias palavras o que apurava, deu à imprensa o respaldo necessário à divulgação no dia 29 de março de 1994”, afirmou a ministra Eliana Calmon. Ela disse que somente no dia seguinte os demais jornais divulgaram o fato, baseados nas palavras do delegado, que afirmou estar “provada a materialidade do crime de violência sexual, faltando apurar apenas a autoria, muito embora tivesse dito que pediria a prisão preventiva dos autores, nos termos da prova documental”.

Eliana Calmon não aceita a alegação do Estado de que a responsabilidade seria da empresa jornalística que fez a divulgação. Para ela, as revelações do delegado, noticiadas pela imprensa na mesma proporção sensacionalista da revelação estatal, provocaram, dois dias após a primeira reportagem, a destruição do prédio da escola pela população.

Sobre a alegação da Fazenda estadual de que o TJ teria atenuado indevidamente a condenação do delegado, a relatora entendeu que a decisão considerando as condições econômicas do delegado não encontra respaldo em lei. Ela disse que, se for comprovada a responsabilidade subjetiva do agente público, ele deve ressarcir o erário do valor certo e preciso do desfalque provocado, sem que se possa para tal limitá-lo às suas condições econômicas.

A ministra vota pela reforma parcial da decisão do TJ paulista. A reforma condenaria o delegado a ressarcir os cofres públicos por inteiro, mantendo-a nos demais aspectos. O julgamento foi interrompido pelo pedido de vista do ministro Franciulli Netto em seguida ao voto da relatora, ministra Eliana Calmon.

Após a retomada do julgamento, com a apresentação do entendimento do ministro, a questão será apreciada pelos demais integrantes da Segunda Turma.

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