Acordos questionados

Advogados pedem para MP investigar Comissões de Conciliação

Autor

27 de maio de 2002, 18h22

O Sindicato dos Advogados do Estado de São Paulo pediu para o Ministério Público Federal investigar a atuação das Comissões de Conciliação Prévia. Na semana passada, o presidente do Tribunal Superior do Trabalho, Francisco Fausto, afirmou que os conciliadores chegam a ganhar R$ 50 mil por mês dos trabalhadores. Ele defende a criação de um mecanismo legal que permita ao empregado acionar a Justiça do Trabalho para anular o acordo extrajudicial.

O ministro do Trabalho, Paulo Jobim, anunciou que o governo federal vai investigar esses órgãos. “As comissões de conciliação não podem, de forma alguma, cobrar participação dos trabalhadores”, disse. Segundo Jobim, uma portaria ministerial para regular a fiscalização sobre todas as comissões do país já está em preparação. De acordo com o ministro, as denúncias irritaram o presidente Fernando Henrique Cardoso.

Na representação feita pelos advogados de São Paulo, o MP pede o enquadramento dos dirigentes das comissões no artigo 203 do Código Penal. O sindicato alega que, ao transformar as comissões “em balcão de homologação de rescisões”, é imposta aos trabalhadores a renúncia de direitos.

Segundo o advogado João José Sady, os ex-empregados são obrigados a abrir mão de processos futuros quando procuram as comissões.

“O fato tem gerado tanto escândalo que vem provocando manifestações indignadas dos juízes do Trabalho que assistem estarrecidos à instalação, nestas comissões, de uma verdadeira linha de montagem de coação aos trabalhadores para que abram mão de seus direitos”, afirmou.

Leia a representação

Exmo. Sr. Dr. Procurador Regional dos Direitos do Cidadão

O Sindicato dos Advogados do Estado de São Paulo através de seu e representante legal (doc. 1), devidamente qualificado em anexo instrumento de procuração, por seu advogado, vem apresentar representação em face de fatos que considera caracterizarem a prática de improbidade administrativa, com fundamento nos seguintes motivos de fato e de Direito:

1. Com o advento da Lei nº 9958/2000, permitiu-se às empresas e sindicatos a criação de órgãos denominados de comissões de conciliação prévia, destinados a servir de ante-sala do Poder Judiciário, gerando um “lócus”, onde empregados e empregadores pudessem prevenir a instauração de litígio mediante a prévia tentativa de solução através da transação.

2.Evidentemente, tais mecanismos, foram gerados para coexistir com aqueles já existentes no ordenamento jurídico, especialmente, o disposto no artigo 477, parágrafo 1º da CLT: “§ 1º ? O pedido de demissão ou recibo de quitação de rescisão do contrato de trabalho, firmado por empregado com mais de 1 ano de serviço, só será válido quando feito com a assistência do respectivo Sindicato ou perante a autoridade do Ministério do Trabalho.”

Assim, após haver recebido os seus direitos corriqueiros com a homologação junto ao sindicato ou a autoridade ministerial, o cidadão estará obrigado a intentar a conciliação perante os órgãos acima referidos.

3. A inexistência de qualquer controle e fiscalização a respeito de tais empreendimentos, todavia, vem levando o mundo do trabalho ao caos. O próprio Tribunal Superior do Trabalho vem emitindo sucessivas manifestações quanto aos excessos praticados, apontando que são cobradas percentagens (doc. 2) e alguns conciliadores chegam a faturar R$ 50.000,00 mensais (doc. 3) à custa dos magros direitos dos obreiros.

4. O principal problema que se mostra neste território é que partiu-se para suprimir de fato, o artigo 477 da CLT. As empresas despedem os empregados e, ao invés de fazer a homologação da rescisão na forma prevista no dispositivo celetista acima, negam-se a fazer qualquer pagamento, encaminhando os obreiros a tais comissões onde, sob a coação de nada receberem, são obrigados a singelamente abrir mão dos demais direitos (estes sim, controversos) que, eventualmente poderiam pleitear. Tais práticas, verdadeiramente estarrecedoras vem sendo denunciadas largamente pela imprensa, como em extensa reportagem publicada pela Folha de São Paulo, do dia 19 de maio de 2002 (doc. 4).

5. Idênticos cometimentos foram noticiados em audiência pública promovida pela Comissão de Relações de Trabalho da Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo, como se vê do anexo relatório por ali aprovado (doc. 5).

6. Os exageros em tais condutas chegam ao ponto de lesar, outrossim, o Estado, ao promover a transação sobre o acréscimo de 40% sobre os depósitos fundiários, que o legislador passou, recentemente a exigir que fossem depositados na conta vinculada do empregado, ao invés de se fazer o pagamento diretamente ao obreiro, justamente para evitar a proliferação de fraudes. O Ministério do Trabalho proibiu expressamente estas transações nas comissões de conciliação prévia (doc. 6), mas, elas continuam a acontecer desbragadamente (doc. 7).

7. Neste cenário, juristas de nomeada, como o juiz Marcos Neves Fava, Vice-Presidente da Associação dos Magistrados do Trabalho da Segunda Região, tem publicado estudos no sentido de demonstrar que tais condutas tipificam-se na hipótese prevista no artigo 203 do Código Penal, eis que, correspondem à moldura ali descrita: “Frustrar, mediante fraude ou violência, direito assegurado pela legislação do trabalho”. A título de ilustração, veja-se o anexo estudo publicado neste sentido (doc. 8).

8. O fato tem gerado tanto escândalo que vem provocando manifestações indignadas dos Juízes do Trabalho (doc. 9) que assistem estarrecidos à instalação, nestas comissões, de uma verdadeira linha de montagem de coação aos trabalhadores para que abram mão de seus direitos. Ao se suprimir a etapa prevista na CLT, o empregado comparece ante tais órgãos para receber saldo de salário, FGTS e demais verbas incontroversas decorrentes da despedida, mas, só as recebe, se abrir mão de quaisquer outras demandas. Criou-se um mecanismo perverso de coação em larga escala.

9. Requer, pois, nos termos da lei penal, a instauração da competente investigação para apuração dos fatos aqui relatados, apurando-se estas práticas no conjunto das “comissões” assim descritas, especialmente, aquelas referidas nos documentos anexos.

Pede Deferimento.

São Paulo, 24 de maio de 2002

pp. João José Sady

OAB/SP nº 29.787

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!