A guerra dos precatórios

Precatórios: OAB-SP ataca governo e Procuradoria se defende

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27 de dezembro de 1999, 23h00

A seccional paulista da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) dedicou a edição de seu boletim mensal (dezembro/99) exclusivamente para criticar o descumprimento dos precatórios judiciais e as propostas em votação no Congresso que mudam as regras para o pagamento das dívidas do Poder Público.

Temperada com termos duros e ataques aos administradores públicos, a publicação atingiu os procuradores do Estado, cuja qualidade técnica foi contestada pelo próprio presidente da OAB-SP, Rubens Approbato Machado.

A Procuradoria-Geral reagiu. Com a mesma veemência, o titular do cargo, Márcio Sotelo Felippe respondeu aos redatores do boletim – identificando entre eles representantes de causas suspensas judicialmente pela PGE – e contestando as informações por eles apresentadas (leia a nota distribuída pela Procuradoria, abaixo).

Na publicação – distribuída aos advogados de São Paulo – a OAB afirma que o governo paulista deve R$ 10 bilhões em precatórios, mas só reconhece R$ 5,6 bilhões. Na prefeitura paulistana, segundo o periódico, a dívida é de R$ 1,5 bilhão.

Approbato Machado, dispara contra a Proposta de Emenda Constitucional nº 83, que prevê a elaboração de novos cálculos sobre os precatórios pendentes na data da promulgação da emenda e suspende o pagamento das dívidas por dois anos. Segundo Approbato, “esta proposta é imoral”.

O Projeto de Lei 567/99 é taxado de “absurdo” pelo advogado Vicente Renato Paolillo. A proposta limita em R$ 16,32 mil o limite para pagamento das dívidas alimentares. Paolillo afirma que “os precatórios alimentares podem apresentar grande volume de indenização porque reúnem amplo número de reclamantes na mesma ação”.

O boletim da OAB traz um levantamento que mostra que somente neste ano o Supremo Tribunal Federal recebeu 1.103 pedidos de intervenção no Estado de São Paulo em razão do descumprimento de precatórios. Em 1997 foram feitos 66 pedidos de intervenção e no ano passado, 24 pedidos.

Em entrevista, o membro da Comissão Especial de Precatórios da OAB paulista, Flávio José de Souza Brando critica o fato de o governo alardear uma indústria de superindenizações sem comprová-las na Justiça. “Fraude não se presume, se prova”, afirma.

Brando também critica um livro publicado pela Procuradoria-Geral do Estado, que descreve cinco processos envolvendo precatórios ambientais. O advogado classifica a edição do livro de “desonestidade intelectual” e afirma que em quatro daquelas ações o governo foi derrotado.

Não é o que afirma o procurador-geral do Estado Márcio Sotelo Felippe. Leia a íntegra da resposta do procurador ao boletim da Ordem, onde ele afirma que o governo é vencedor em quatro dos cinco processos analisados no trabalho da PGE.

A bem da verdade, da Justiça e do interesse público

“Perplexos e indignados, os advogados públicos deparamo-nos em dezembro último com a edição nº 8 do “Boletim” da Ordem dos Advogados do Brasil – Secção de São Paulo, no qual foram assacadas aleivosias à Procuradoria Geral do Estado e a seus integrantes.

Tecido em tom inverídico e acintoso, entrega-se, na maioria de suas páginas à leviandade intelectual de “organizar” opiniões de juristas, de magistrados e de ex-integrantes de nossa carreira, no propósito escancarado de patrocinar interesses privados.

Sem prejuízo das iniciativas de Colegas pessoalmente atingidos junto à própria OAB e daqueles que, no âmbito das entidades de classe, por certo serão levadas a efeito, cumpro o dever de esclarecer aos Procuradores do Estado certas questões de interesse público que foram torcidas, retorcidas e distorcidas naquele pasquim. É o que passo a fazer.

1 – Em nenhum momento a Procuradoria Geral do Estado deixou de zelar pelo cumprimento de decisões judiciais. Ao contrário, sempre procurou orientar a atual Administração no sentido de pagar os precatórios judiciários realmente devidos e discutir em juízo aqueles com máculas. Nosso argumentos são bons: estamos conseguindo suspender o pagamento de precatórios milionários (até bilionários) – suspensão decidida exatamente pelo Poder Judiciário. E não é honesto omitir que, desde 1995, o Estado já pagou cerca de 1,8 bilhões de reais de precatórios – contra apenas 1 bilhão pagos nos oito anos precedentes por dois outros governos sucessivos. E vejam que o secretário da Justiça de um daqueles governos era ninguém menos que o atual Presidente do OAB paulista…

2 – O respeito à coisa julgada não elide garantia do vencido de buscar desconstituí-la pelos meios que a ordem jurídica garante, dentre os quais se insere o direito de intentar ação rescisória. É claro que isso frusta apetites ilegítimos, suscitando reações iradas e “lobbys” públicos de inconformismo. Tanto melhor: a ira dos injustos costuma ser medida adequada da justeza de nosso comportamento.

3 – A PGE sempre se bateu, em todos os graus de jurisdição, contra os valores exorbitantes de condenações referentes a áreas de proteção ambiental – e está, sim, alegando e provando em juízo inúmeras fraudes perpetradas nestes processos. Mas temos tido, no entanto, o cuidado elementar e ético de não submeter à execração pública os envolvidos.

4 – Quanto à “entrevista” que certo advogado – aliás, patrono de vários processos com precatórios suspensos em juízo pela PGE – concedeu àquele “Boletim”, seu texto introdutório omitiu um “detalhe” nada desprezível: se é certo que os credores de precatórios ambientais representam apenas 1,6% do conjunto de credores de precatórios da Fazenda do Estado, também é certíssimo que esse reduzido grupo detém 53,8% do valor total dos precatórios a serem pagos – ou seja, R$ 2.481.689.716,89. Os restantes 98,4% dos credores de precatórios não alimentares detêm os restantes 46,2% do crédito. Isto dá bem a medida da distorção de tais precatórios, tidos como “intangíveis”.

5 – Pior: do já absurdo valor dos precatórios ambientais, nada menos do que R$ 567. 600.065,68 referem-se a “execuções provisórias contra a Fazenda Pública”, ou seja, execuções com decisões de mérito ainda submetidas aos Tribunais Superiores.

6 – Quanto ao livro “Regularização Imobiliária de áreas Protegidas – Volume I – Coletânea de Trabalhos Forenses, Relatórios Técnicos e Jurisprudência”, editado em 1998 pela PGE e acusado de desonestidade intelectual naquela “entrevista” , veja-se o seguinte: dos 5 (cinco) casos apresentados no livro, o de número 1 teve a medida liminar confirmada pelo Colendo STJ e o Recurso Especial provido, ambos à unanimidade; o de número 2 se mantém com a liminar referendada pelo Plenário do Colendo Supremo Tribunal Federal; o número 3, teve seu julgamento alterado, vencida a tese do Estado em decisão publicada aos 6 de dezembro último; o de número 4 continua pendente de decisão pelo Pretório Excelso e o de número 5 teve restabelecida a decisão de primeiro grau perante o Colendo Superior Tribunal de Justiça. Portanto, dos cinco casos, a Fazendo do Estado continua vencedora em quatro – exatamente o oposto do que afirmou o entrevistado. Quem foi mesmo que falou em “desonestidade intelectual”?

A envergadura e o destempero verbal das diatribes contidas no tal “boletim” é diretamente proporcional ao êxito do Estado em juízo. Estamos mesmo irritando gente poderosa. Não se pode transigir com o indisponível poder público. Não o faremos, nunca o fizemos.”

Márcio Sotelo Felippe

Procurador-Geral do Estado

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