Reforma do Código Penal

Principais mudanças do Anteprojeto do Código Penal

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15 de abril de 1999, 0h00

O Congresso Nacional começa a examinar, em breve, o Anteprojeto do Código Penal. O trabalho foi elaborado por renomados juristas durante dois anos e traz importantes inovações em relação ao atual texto, que data de 1940. O anteprojeto está sendo analisado agora pelos técnicos do Ministério da Justiça.

Muitas questões que atualmente só podem ser enquadradas como constrangimento ilegal, cuja pena varia de 3 meses a 1 ano de detenção ou multa, passam a ser tipificadas como crimes. Um desses exemplos é o assédio sexual.

Pelo texto apresentado ao Ministério da Justiça, o assédio sexual se caracteriza por “assediar alguém, com violação do dever do cargo, ministério ou profissão exigindo, direta ou indiretamente, prestação de favores sexuais como condição para criar ou conservar direito ou para atender a pretensão da vítima”. O crime passaria a ser punido com pena de detenção de 6 meses a 2 anos, ou multa.

Hoje, o assédio não é considerado crime. Poderia, no máximo, ser enquadrado no delito de constrangimento ilegal e render à vítima uma indenização na área cível. Na opinião do especialista na área criminal e consultor jurídico, Luiz Flávio Gomes, “essa é uma inovação desnecessária. O direito atual já protege a mulher, principal vítima desses casos, nesse campo”.

As empresas serão beneficiadas com uma das inovações do novo código. Foi criado o delito de “ofensa à pessoa jurídica”. Pelo texto, a divulgação de fato não verídico que abale conceito ou crédito de pessoas jurídica pode ser punida com detenção de 3 meses a 1 ano.

Esse artigo foi considerado polêmico, pois acredita-se que poderia intimidar as pessoas a reclamarem seus direitos em relação à determinada empresa. Flávio Gomes esclarece que esse crime exige um dolo especial. “Nesse caso, só há crime quando o sujeito não tem nenhuma razão para criticar a empresa e desencadeia um processo difamatório”, afirmou. Esse crime poderia ser enquadrado quando uma empresa tenta denegrir a imagem de um concorrente.

A emissão de cheque sem fundos deixa de ser considerada crime quando não for constatada fraude. Quando há fraude, o crime enquadra-se em estelionato, com pena de 1 a 4 anos de reclusão. Para Luiz Flávio Gomes, a constatação de fraude depende da reparação do dano. “Se a pessoa se omitir em reconhecer e reparar o dano causado pode ser denunciada. Aí se constata a fraude”, explicou.

O anteprojeto aumenta a pena mínima para o crime de peculato. O funcionário público que se apropria de dinheiro ou bem público, ou privado, é punido com reclusão de 3 a 12 anos. Atualmente a pena mínima é de 2 anos de reclusão.

O texto cria o “peculato de uso”. O funcionário público que utiliza, indevidamente, qualquer bem ou serviço público de que tenha posse pelo cargo que ocupa será punido com reclusão de 2 a 5 anos, além de multa. Para Luiz Flávio Gomes, “esse dispositivo é importante para moralizar o serviço público”.

O delito é muito comum no uso de automóveis que pertencem à repartições públicas. Um exemplo ocorreu com o atual presidente do Tribunal Superior do Trabalho, ministro Wagner Pimenta. À época, ainda atuando como juiz, o ministro foi pego usando um veículo público para “passear” pelo Balneário de Camboriú, em Santa Catarina.

Todo capítulo 1 “Dos Crimes Contra a Família” é excluído no novo código. Adultério, bigamia, simulação de casamento, entre outras normas deixam saem da área penal e passam as ser tratados na esfera cível. “Esses crimes não se justificam”, afirma Flávio Gomes. O criminalista explica que para esse tipo de “delito” existem as sanções civis, como indenizações, perda da guarda dos filhos, entre outras punições.

Outro crime criado pelo novo texto é a violação de intimidade. Quem violar, por qualquer meio, a reserva sobre fato, imagem, escrito ou palavra, que alguém queira manter na intimidade da vida privada, será punido com detenção de 1 mês a 1 ano, e multa. Para esse fato, Flávio Gomes alerta que há dois tipos de intimidade. A intimidade das pessoas privadas e das pessoas públicas. A intimidade das pessoas privadas não interessa a ninguém, nesse caso o crime seria enquadrado mais facilmente. Já em relação às pessoas públicas, só poderia ser enquadrado o crime quando a divulgação de determinado fato não tem nenhum interesse público.

A pedofilia é agravada. Filmar, fotografar, exibir ou divulgar cena de sexo explícito ou pornografia que envolva criança ou adolescente – deverá ser punida com reclusão de 1 a 4 anos e multa pelo novo texto. Para Luiz Flávio Gomes, “em princípio, um ano é pouco. Mas o juiz pode aumentar a intensidade da pena de acordo com a intensidade da conduta”. Pode-se levar em consideração, por exemplo, o número de fotos ou filmes distribuídos pelo criminoso.

A violação ou abuso sexual de menor e incapazes será punida com reclusão de 4 a 12 anos. No entanto, é preciso atentar para diversas decisões judiciais, que reiteram que o ato sexual com consentimento do menor só vem sendo considerado crime quando a vítima é menor de 14 anos.

Luiz Flávio Gomes lembra que outro importante dispositivo criado trata do tráfico de menores. “O artigo tem por objetivo reprimir o tráfico de menores. Isso se deve ao fato de muitas crianças estarem sendo levadas ao exterior para fins de exploração sexual, como noticiam os jornais”, afirmou o criminalista. A pena para esse tipo de crime será de 4 a 8 anos de reclusão.

O aborto legal ganha uma nova possibilidade pelo anteprojeto. Atualmente, o aborto é permitido em duas hipóteses:

1 – quando não há outro meio de salvar a vida ou preservar de grave e irreversível dano a saúde da gestante.

2 – quando a gravidez resulta de estupro.

Se mantido o texto do novo código, quando dois médicos atestarem que o bebê irá nascer com “graves e irreversíveis anomalias”, que tornem a sua vida inviável, o aborto será permitido à gestante. Para Flávio Gomes a norma é humanitária e correta. “No caso da anencefalia (ausência de cérebro) já se tem conhecimento de que a criança não viverá, então não é preciso estender o sofrimento. Em Cubatão (SP), aconteceram diversos desses casos”, afirmou. A norma está encontrando forte resistência da igreja católica.

A eutanásia deixa de ser qualificada como crime, em situações específicas. Pelo texto “não constitui crime deixar de manter a vida de alguém por meio artificial, se previamente atestada por dois médicos a morte como iminente e inevitável, e desde que haja consentimento do paciente ou, em sua impossibilidade, de cônjuge, companheiro, ascendente, descendente ou irmão”.

Segundo Luiz Flávio Gomes, o que deixa de ser punida é a eutanásia passiva, ou seja, quando apenas se desliga os aparelhos que mantêm a pessoa viva. Antes isso era considerado homicídio privilegiado.

No entanto, a eutanásia ativa ainda é punível. Quando, por exemplo, se aplica uma injeção letal para que a pessoa morra. Isso ainda é considerado crime, porém com pena menor do homicídio comum.

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