Consultor Jurídico

Supremo deve julgar revisão de prisão preventiva conforme o CPP

13 de outubro de 2020, 13h32

Por Luiza Calegari

imprimir

Divulgação
Após um imbróglio jurídico no plantão judicial desta semana, o presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Luiz Fux, pautou para debate em Plenário nesta quarta-feira (14/10) a Suspensão de Liminar 1.395, que determinou o retorno à prisão de André Oliveira Macedo, o "André do Rap", acusado de tráfico internacional.

Durante o plantão, Fux suspendeu uma liminar dada anteriormente pelo ministro Marco Aurélio, relator do pedido de Habeas Corpus original. O vice-decano considerou que o réu estava preso além do prazo legal permitido, com base no artigo 316 do Código de Processo Penal, cuja redação foi alterada pela lei "anticrime" (Lei 13.964/2019).

O parágrafo único do artigo diz: "Decretada a prisão preventiva, deverá o órgão emissor da decisão revisar a necessidade de sua manutenção a cada 90 (noventa) dias, mediante decisão fundamentada, de ofício, sob pena de tornar a prisão ilegal."

Aplicando o entendimento literal da lei, Marco Aurélio decidiu que havia constrangimento ilegal na manutenção da prisão preventiva, já que o acusado estava preso há mais de 90 dias sem formação de culpa e sem renovação da fundamentação da prisão.

Ao suspender a liminar de Marco Aurélio, Fux concordou com a Procuradoria-Geral da República ao considerar o risco à ordem que a soltura do réu representava. O presidente também afirmou que ministros do Supremo não podem dar liminar sobre liminar monocrática de ministro do Superior Tribunal de Justiça (entendimento da Súmula 691); e, por fim, destacou que as instâncias inferiores não tinham debatido o prazo nonagesimal enunciado no mesmo artigo 316 do CPP, e que, por isso, teria havido supressão de instância na decisão de Marco Aurélio.

Assim, dois pontos principais devem ser enfrentados pelos ministros em Plenário. O primeiro deles diz respeito à supressão de instâncias, já que a decisão questionada partiu de ministro de tribunal superior e o excesso de prazo (fundamento para a concessão do HC) não tinha sido discutido nas instâncias anteriores. O segundo é a aplicação do artigo 316. Para Marco Aurélio, ele deve ser interpretado literalmente; para Fux, a previsão só vale se houver modificação no andamento processual que exija nova fundamentação para manutenção da prisão preventiva.

Supressão de instância
No caso analisado, o réu foi condenado em primeira instância, pela 5ª Vara Federal da Subseção Judiciária de Santos, a 14 anos de reclusão, em regime inicial fechado, e 975 dias-multa, pela prática do crime de tráfico transnacional de drogas (art. 33, caput, combinado com o artigo 40, I, ambos da Lei nº 11.343/2006)

Em sede recursal, a 10ª Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF-3) proveu parcialmente a apelação da defesa, mantendo a condenação pelo crime de tráfico transnacional de drogas, mas ajustando a fixação da pena-base, motivo pelo qual a pena consolidada foi reduzida para 10 anos, dois meses e 15 dias de reclusão, em regime inicial fechado, bem como 975 dias-multa. Em julgamento de apelação, a Turma manteve a prisão preventiva.

A defesa, então, recorreu ao Superior Tribunal de Justiça, apresentando pedido de Habeas Corpus, que foi negado monocraticamente pelo relator, ministro Rogerio Schietti. Segundo ele, não houve excesso de prazo, uma vez que o réu tinha sido condenado duas vezes. Contra essa decisão, a defesa foi ao Supremo, e Marco Aurélio concedeu a liminar determinando a libertação do réu.

Marco Aurélio não chegou a abordar a supressão de instâncias ao prover a liminar. Para Fux, no entanto, ela ficou configurada por dois motivos: o primeiro foi a ausência do debate sobre o prazo de 90 dias nas instâncias inferiores; o segundo é que a decisão atacada foi proferida por ministro do STJ, e portanto não poderia ser revista monocraticamente por ministro do Supremo.

A Corte tem flexibilizado a previsão da súmula 691 em casos específicos. Conforme resumo do ministro Gilmar Mendes em decisão monocrática no HC 189.948, isso ocorre quando: "a) seja premente a necessidade de concessão do provimento cautelar para evitar flagrante constrangimento ilegal; ou b) a negativa de decisão concessiva de medida liminar pelo tribunal superior importe na caracterização ou na manutenção de situação que seja manifestamente contrária à jurisprudência do STF".

O que será necessário definir, nesse caso, é se a situação concreta justificava o afastamento da previsão da súmula, e se era necessário que as instâncias inferiores tivessem se manifestado sobre a extensão da preventiva por 90 dias antes que o Supremo se pronunciasse sobre o tema.

Constrangimento ilegal
Para Marco Aurélio, a questão é simples: a manutenção da prisão sem justificativa por mais de 90 dias configura constrangimento ilegal, literalmente como está enunciado no artigo 316.

Já Fux, na suspensão de liminar, alegou que a "definição da categoria excesso de prazo demanda juízo de razoabilidade à luz das circunstâncias concretas do caso em análise". Ou seja, o enunciado vale quando há movimentação do processo que justifique nova autorização de manutenção da prisão. O presidente concordou com a PGR quando esta afirmou que "a revisão da prisão a cada 90 dias pressupõe marcha processual em condições de alterar a realidade sobre a qual decretada a prisão".

"No entanto, no período compreendido entre a confirmação da prisão preventiva pelo Tribunal Regional Federal e o deferimento da liminar pelo Eminente Ministro relator do HC 191.836, nenhum fato novo alterou, relativizou ou afastou os motivos concretos que fundamentaram o decreto de custódia cautelar. Pelo contrário, mantiveram-se firmes os fundamentos de garantia da ordem pública", prosseguiu Fux na fundamentação.

Clique aqui para ler a decisão de Fux
SL 1.395

Clique aqui para ler a liminar de Marco Aurélio
HC 191.836