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Prisão não pode ter base em lei criada depois do crime, diz Nuzman

7 de outubro de 2017, 18h44

Por Matheus Teixeira

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Como os delitos atribuídos ao presidente do Comitê Olímpico Brasileiro, Arthur Nuzman, teriam ocorrido em 2009, não é possível decretar prisão temporária dele com base na Lei 12.850/2013, que disciplina o instituto da organização criminosa, pois ela não existia na época.

Essa é a tese apresentada pela defesa de Nuzman, preso nesta semana, em aditamento a pedido de Habeas Corpus protocolado no Tribunal Regional Federal de 2ª Região. Os advogados requerem a nulidade da operação e a imediata soltura do presidente do COB.

Agência Brasil
Preso nesta quinta (5/10), presidente do COB alega irregularidades na decisão.
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O Ministério Público Federal, em conjunto com o Ministério Público francês, afirma que, a pedido do ex-governador Sérgio Cabral (PMDB), o empresário Arthur Soares pagou US$ 2 milhões para comprar o voto do presidente da Federação Internacional de Atletismo, o senegalês Lamine Diack, em favor da escolha do Rio como sede dos Jogos Olímpicos.

Segundo os MPs, Nuzman apresentou “corruptos e corruptores” no caso. Em 5 de setembro, o chefe do COB foi levado para depor na Polícia Federal e teve seus bens bloqueados, passaportes apreendidos e ficou proibido de sair do Brasil. Na quinta-feira (5/10), o juiz Marcelo Bretas determinou a prisão temporária dele e também do diretor-geral do Comitê Organizador Rio 2016, Leonardo Gryner.

Titular da 7ª Vara Federal Criminal do Rio de Janeiro, Bretas afirmou que a detenção de ambos é imprescindível às investigações, a fim de garantir que eles sejam ouvidos pela autoridade policial sem combinar versões entre si ou pressionar outras pessoas. Além disso, apontou a existência de fundadas razões da prática do delito de corrupção ativa e organização criminosa.

Os advogados que assinam o aditamento, Nélio Machado, João Francisco Neto e Guido Ferolla, do Nélio Machado Advogados, porém, sustentam que a detenção de Nuzman configura “manifesto constrangimento ilegal, em razão da participação abusiva de autoridades francesas em diligências policiais no território brasileiro, em investigação de fato definido como crime na França, mas destituído, por completo, de tipicidade penal na Lei brasileira”.

Assim como na petição inicial, a defesa argumenta que corrupção privada não é crime no Brasil e, por isso, não seria possível investigar alguém no país por essa conduta.

Os advogados também questionam o fato de duas investigações sobre o mesmo fato estarem em curso, separadamente, uma por inquérito da Polícia Federal, e outra em procedimento investigatório criminal do MPF.

“A dualidade de investigações resultou na arbitrariedade levada a cabo na data de ontem, 5 de outubro de 2017, em que se decretou prisão temporária, tão açodada quanto desnecessária, a partir de pedido formulado pelo MP  e não cogitado, em momento algum, pela Polícia Federal, na investigação absolutamente idêntica, em tudo e por tudo”, alegam.

Documento desaparecido
Além disso, a defesa aponta uma “esquisitice a mais” no curso do processo: o sumiço de um documento em que os Estados Unidos negam a extradição de Arthur Soares, acusado de ser um dos operadores do esquema. “Aquele país considerou precária a documentação ofertada, como se infere do documento anexo, que a defesa colacionou no processo eletrônico, examinando-o, como de seu dever, mas que pouco minutos depois foi retirado do ar, inexplicavelmente”, relata.

Os advogados questionam por qual razão o documento foi excluído dos autos e faz uma analogia à frase de Helio Tornaghi, que dizia que o que não estava nos autos, não está no mundo. “No presente momento, há de se corrigir o ensinamento do célebre processualista, jurista consagrado, em homenagem ao poder dos meios de comunicação: ‘O que esteve por poucos minutos nos autos e não mais está, não está na imprensa, e o que não está na imprensa não está no mundo’”, ironiza a petição.

Eles também criticam o fato de, no dia da prisão temporária, o Ministério Público ter interrompido a oitiva de Nuzman por duas horas para conceder uma entrevista coletiva à imprensa. Segundo a defesa, os jornalistas presentes tentaram colher a fala da defesa, mas não foram autorizados.

“Seria razoável, observando-se o princípio da paridade de armas, prevalecendo, todavia, o contexto inortodoxo, pois foi vedado aos signatários pronunciar qualquer palavra, diante da afirmação taxativa de que só o Ministério Público e a autoridade policial tinham o direito de externar o que lhes aprouvesse”, dizem.

O MP, segundo os advogados, atingiu o que desejava: a execração pública, definitiva e impiedosa do presidente do COB, o que se intensificou, em progressão geométrica, a partir da presença massiva da imprensa em sua residência, às seis horas da manhã.

Clique aqui para ler a petição da defesa.
Clique aqui para ler a decisão sobre extradição de Soares.
0011063-34.2017.4.02.0000

*Texto atualizado às 20h35 de 7/10/2017 para correção.