Consultor Jurídico

Opinião: “How long they have to wait to be rescued”

13 de junho de 2023, 13h14

Por Alberto Bastos Balazeiro, Evandro Valadão, Lucas Cavalcante Noé de Castro, Raquel Leite da Silva Santana

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O Dia Mundial de Combate ao Trabalho Infantil é celebrado no dia 12 de junho. No Brasil, a Lei nº 11.542/2007 instituiu também esta data como de mobilização contra o trabalho feito por crianças e adolescentes. 

Na tarde de ontem, segunda-feira (12/6), durante a 111ª Conferência Internacional do Trabalho (CIT), em evento de reconhecimento a essa data, diversas autoridades mundiais, dentre elas o Prêmio Nobel da Paz de 2014, Kailash Satyarthi, em contundente discurso, fizeram franco apelo à importância do combate ao trabalho infantil como uma das balizas para se alcançar a Justiça Social — principal pilar da conferência deste ano, conforme defendido pelo atual diretor-geral da OIT. 

É inegável que trabalho infantil é frontalmente contrário ao conceito de trabalho decente e, por conseguinte, de justiça social. O mais triste registrado nesse encontro de cúpula foi que pela primeira vez em 20 anos, o número de crianças no trabalho infantil aumentou consideravelmente: aproximadamente uma em cada dez crianças ao redor do mundo estão em situação de trabalho infantil.

De fato, segundo dados do relatório Child Labour: Global Estimates 2020, trends and the road foward[5], publicado pela OIT em parceria com a Unicef, o progresso do combate ao trabalho infantil estagnou desde 2016. O número absoluto de crianças em trabalho infantil aumentou em 8 milhões, sendo que o número de  crianças de 5  a 17 anos em trabalhos perigosos[6] aumentou em 6,5 milhões. Em 2020, estima-se que 160 milhões de crianças se encontravam em trabalho infantil e, deste grupo, 79 milhões realizavam atividades consideradas danosas à saúde ou à integridade moral.

Diante desse cenário, na comemoração do dia Mundial de Combate ao Trabalho infantil, a OIT tem convocado os seus membros: (i) a revigorarem as ações para o avanço da justiça social — notadamente sob a Coalização Global pela Justiça Social que está sendo proposta durante a 111ª CIT, (ii) a ratificarem a Convenção nº 138 da OIT sobre a idade mínima para o trabalho e a Convenção nº 182 sobre as Piores Formas de trabalho infantil, (iii) e a implementarem, de forma efetiva, o documento Durban Call to Action[7] — que foi adotado por representantes de governos, organizações empresariais e de trabalhadores na 5ª Conferência Global sobre a Eliminação do Trabalho Infantil — cujo conteúdo contempla medidas e metas para atingir o objetiva erradicação do trabalho infantil.

Junto a essas ações, o relatório do diretor-geral da OIT, que é  apresentado e discutido durante a 111ª CIT, aponta que há fortes relações entre o avanço da justiça social, em suas várias dimensões, com a erradicação do trabalho infantil.

Uma das chaves para a eliminação do trabalho infantil, segundo  Houngbo, relaciona-se, além do acesso à educação, à promoção de trabalho decente para adultos, de modo que eles possibilitem às crianças uma infância livre de trabalho. Nesse aspecto, para Houngbo, a adequada remuneração e a criação de mecanismos de proteção social podem alavancar significativamente os recursos da família, reduzindo as chances de que as crianças se encarreguem de contribuir com a renda através do trabalho infantil.

Ministério do Trabalho
Ministério do Trabalho

Entretanto, o acesso a trabalhos decentes e a educação ainda é desafio severo, especialmente para grupos de pessoas atravessadas pelas intersseccionalidades de gênero, raça, classe, deficiências e outras. Em razão disso, Gilbert F. Houngbo acentua que trabalho decente significa não só criar trabalhos seguros, mas também "acabar com a discriminação — porque o trabalho infantil geralmente afeta grupos marginalizados".[8]

Com efeito, o trabalho infantil é reflexo da pobreza e da ausência de acesso a políticas de inclusão. Ainda, trata-se de grave violação aos direitos das crianças e adolescentes, tornando-se trágico instrumento de perpetuação de desigualdades no mundo do trabalho: em geral, crianças que trabalharam na infância possuem menor escolarização e qualificação, tornando-se adultos trabalhadores sujeitos a trabalhos mais precários e, por conseguinte, distanciam-se da teia protetiva de direitos. 

No Brasil, segundo dados mais recentes da Pnad Contínua, cerca de 1,8 milhão de crianças e adolescentes com idades entre 5 e 17 anos estavam inseridas em trabalho infantil no ano de 2019[9]. Chama atenção ainda os números relativos às horas trabalhadas: no grupo de crianças entre 5 e 13 anos, mais de 80% delas trabalhavam até 14 horas por semana e os adolescentes entre 16 e 17 anos, cerca de 40 horas ou mais por semana. Ainda, crianças brancas auferiam rendimentos de R$ 559, enquanto as negras de R$ 467.

Em 2022, estudo realizado pelo Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil (FNPETI) apontou que em 2019, do total de crianças no trabalho infantil 94% eram adolescentes de 14 a 17 anos e entre elas, 70, 8% eram meninas negras. Isto é, no Brasil, o trabalho doméstico infantil não só revela algumas das trágicas faces da escravidão, como também do genocídio dessa população.

A esse respeito, Ana Maria Villa Real, procuradora do Trabalho e coordenadora Nacional da Coordenadoria de Combate à Exploração do Trabalho da Criança e do Adolescente, afirma a existência de forte interface entre racismo e trabalho infantil, destacando que "a visão racista e classista da sociedade acaba criando caminhos fora da dignidade das crianças negras e pobres", e completa: "Como se só houvesse esses caminhos para as crianças, trabalhar ou roubar, quando na verdade a Constituição Federal e o ECA constitui um único caminho, da liberdade absoluta"[10].

No mesmo sentido, Elisiane Santos (procuradora do Trabalho) reflete: "Há uma diferença de tratamento no imaginário social como é vista criança branca e como é vista criança negra. A criança negra na rua é menos contestada, aquele local é visto como seu local. Ela é vista como um indivíduo que não tem direito a ter direito, enquanto a sensibilização com a criança branca no mesmo contexto é maior".[11]

Portanto, enfrentar o trabalho infantil também é se opor ao racismo estrutural, buscando meios de suplantá-lo a partir de iniciativas que possibilitem que todas as crianças acessem os direitos à uma infância protegida.

Entre essas iniciativas, neste ano de 2023, o Ministério Público do Trabalho, FNPETI, a OIT e o Programa de Combate ao Trabalho Infantil da Justiça do Trabalho e pelo Ministério do Trabalho e Emprego coordenam campanha "Proteger a infância é potencializar o futuro de crianças e adolescentes. Chega junto para acabar com o trabalho infantil",  ilustrada em cordel, por meio da qual mobilizam a hastag "VamosAcabarComOTrabalhoInfantil"[12].

O TST (Tribunal Superior do Trabalho) aderiu à campanha, que conta também com a parceria institucional da Justiça do Trabalho[13]

O slogan da campanha remete a alguns dos direitos previstos no Estatuto da Criança e do Adolescente (artigos 3º, 4º e 5º, do ECA): "quando penso em infância e adolescência, penso em algo sagrado, em proteção, em futuro, em afeto e cuidado".[14] Além disso, compõem a campanha outros versos escritos pelo poeta Bráulio Bessa, que também entoa "Se alia pra transformar, para amar e proteger! Criança não tem trabalho, tem que se desenvolver!".

A seu turno, o TST, por meio do Programa de Combate ao Trabalho Infantil e Estímulo à Aprendizagem, neste ano de 2023, atuou e coordenou no mutirão de julgamento de processos que versem sobre trabalho infantil e aprendizagem profissional entre os dias 29 de maio e 2 de junho. Além disso, a Justiça do Trabalho se encarregou de distribuir folhetos de conscientização com o objetivo de "desmistificar ideias como a de que o trabalho precoce não prejudica o desenvolvimento de crianças e adolescentes"[15].

Acerca da importância das campanhas de conscientização como alguns dos instrumentos de combate ao trabalho infantil, Ana Maria Villa Real acrescenta:

"Por isso, nós fazemos campanha de conscientização, justamente para informar a sociedade dos malefícios do trabalho infantil e é isso que temos tentado mudar, muitas vezes, as próprias famílias com desesperanças de que aquela é a única saída para o filho que é preto, de família periférica, aquele mito de que quem não trabalha ou se droga, ou vai roubar, quando na verdade não existem só essas duas alternativas para a criança, existem outras, como escolas de tempo integral ou atividades de contra turno, para que ela possa se desenvolver[16]."

Com efeito, o texto constitucional veda expressamente o trabalho de crianças e adolescentes menores de 16 anos, exceto se devidamente contratados como aprendizes. Ao regulamentar a Convenção 182 da OIT, o Brasil aprovou o Decreto 6.481 de 12/6/2008, em que aprovou a lista das Piores Formas de Trabalho Infantil (Lista TIP), por meio do qual, à luz do texto constitucional, proíbe-se o trabalho noturno, perigoso ou insalubre.

Além disso, a proteção a uma infância livre de trabalho infantil e, por consequência, com pleno acesso à educação, lazer, saúde, esporte e cultura, é um dos objetivos também almejados pela Constituição de 1988, que estatui ser dever do Estado, da sociedade e da família a efetivação desses direitos.

O trabalho infantil é, segundo afirma Roberto Guimarães (coordenador nacional de Fiscalização do Trabalho Infantil e auditor-fiscal do Trabalho do Ministério do Trabalho e Emprego) um "fenômeno social multicausal e complexo que transita nas dimensões sociais, econômicas e culturais"[17].

Isso significa que a erradicação do trabalho infantil exige firme compromisso de todos e todas. Ainda, alcançar uma sociedade justa, livre e igualitária depende da criação de fortes redes de proteção à infância, da socialização do cuidado e da criação de postos de trabalho decentes.

Caminhar em direção à erradicação do trabalho infantil é medida inafastável para que os estados membros alcancem mais Justiça Social, razão pela qual o endosso à importância do 12 de junho é enfático e inafastável.

Vale, nesse ensejo, relembrar a advertência feita por Prabhat Kumar[18] no painel dedicado à mobilização de enfrentamento ao trabalho infantil realizado durante a 111ª CIT. "How Long They Have to Wait to be Rescued" — frase marcante dita por Kumar — explicita a urgência da tomada medidas efetivas de eliminação do trabalho realizado por crianças e adolescentes.

Reprodução
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#VamosAcabarComOTrabalhoInfantil

[5] Disponível em: https://www.ilo.org/ipec/Informationresources/WCMS_797515/lang–en/index.htm

[6] Trabalho perigoso compreende qualquer trabalho que, por sua natureza ou circunstâncias, tem probabilidade de prejudicar a segurança, a integridade física e moral das crianças.

[7] Disponível em: https://www.alliance87.org/action/durban-call-action

[18] Prabhat Kumar foi Diretor da Organização Save the Children India de 2014 a 2022. Atualmente, atua na orgnaização Regional Partner Safeguarding Advisor-Asia with Catholic Relief Services. Para mais informações, ver “https://in.linkedin.com/in/prabhat-kumar-2602b8a4”