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Hijo Sampietro: O § 8º do artigo 85 do CPC

23 de setembro de 2022, 6h32

Por Luiz Roberto Hijo Sampietro

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Visando a prevenir subjetivismos na estipulação dos honorários advocatícios sucumbenciais, e também a simplificar esse subsistema legal, o artigo 85 do Código de Processo Civil disciplinou de forma extremamente minuciosa os critérios para a fixação da aludida verba honorária. Dentre as novidades, o dispositivo legal em referência (1) esclareceu que os honorários sucumbenciais são devidos na reconvenção, no cumprimento provisório e definitivo da sentença, na execução e também em decorrência da interposição de recursos (§ 1º); (2) estipulou faixas de porcentuais para a quantificação dos honorários de sucumbência nas causas em que a Fazenda Pública for parte (§§ 3º a 7º); (3) definiu critério para a verba sucumbencial nas ações de indenização por ato ilícito contra pessoa (§ 9º); (4) inovou ao prever a sucumbência recursal, determinando a majoração da verba fixada em grau de jurisdição inferior (§§ 11 e 12); (5) fez questão de encarecer a natureza alimentar dos honorários advocatícios sucumbenciais e de impedir a compensação dessa verba nos casos em que há sucumbência recíproca, tornando sem efeito a Súmula 306 do STJ (§ 14) e (6) passou a admitir o ajuizamento de ação autônoma para a definição e cobrança de honorários sucumbenciais no caso de omissão de decisão transitada em julgado (§ 18), corrigindo, assim, o equívoco sumulado do STJ a respeito do assunto (Súmula 453).

Por outro lado, o Código vigente, na esteira da previsão do artigo 20, § 4º, do CPC/73, resolveu manter as hipóteses que comportam a fixação de honorários sucumbenciais por equidade. Segundo a dicção do § 8º do artigo 85 do CPC/15, o juízo está autorizado a fixar a verba honorária sucumbencial com lastro em apreciação equitativa (1) nas causas em que for inestimável ou irrisório o proveito econômico obtido ou (2) quando o valor da causa for muito baixo. Assim, nota-se claramente que a regra admite a fixação de honorários sucumbenciais por equidade somente nas hipóteses anteriormente mencionadas.

Mesmo diante da clareza e da imperatividade das situações eleitas pelo legislador, a jurisprudência insistia em aplicar a equidade na fixação dos honorários sucumbenciais em causas com valor elevado [1]. Essa forma de interpretação do artigo 85, § 8º, do CPC, contrariava a posição do STJ [2] e o entendimento da doutrina [3] que se pôs a extrair o sentido do então novel regramento dos honorários sucumbenciais.

No intuito de cessar a indesejável estabilidade jurisprudencial sobre o assunto, o STJ julgou os REsps nº 1.850.512/SP, 1.877.883/SP, 1.906.623/SP e 1.906.618/SP em conformidade com a sistemática dos recursos repetitivos. Tais recursos compuseram o Tema 1.076 do STJ, em que houve a fixação das seguintes teses vinculantes: (1) a fixação dos honorários por apreciação equitativa não é permitida quando os valores da condenação, da causa ou o proveito econômico da demanda forem elevados. É obrigatória nesses casos a observância dos percentuais previstos nos §§ 2º ou 3º do artigo 85 do CPC — a depender da presença da Fazenda Pública na lide —, os quais serão subsequentemente calculados sobre o valor: (a) da condenação; ou (b) do proveito econômico obtido; ou (c) do valor atualizado da causa, e (2) apenas se admite arbitramento de honorários por equidade quando, havendo ou não condenação: (a) o proveito econômico obtido pelo vencedor for inestimável ou irrisório; ou (b) o valor da causa for muito baixo. Os mencionados REsps foram julgados em 16/3/2022, e o acórdão referente ao Tema 1.076 do STJ foi publicado em 31/5/2022.

A partir de então, dissipar-se-iam quaisquer dúvidas sobre a impossibilidade de fixação equitativa de honorários sucumbenciais em causas de alto valor. A calmaria durou pouco tempo: no início do mês de maio de 2022, o TJ-MG julgou recurso de apelação e ignorou o precedente vinculante do STJ alegando que o julgamento do Tema 1.076 se deu por placar apertado, de 7 votos a favor contra 5 contrários [4]. Por esse motivo, a segurança jurídica estaria comprometida se os aludidos julgados fossem recebidos como precedentes vinculantes, dada a falta de amadurecimento do assunto no âmbito do STJ[5] [6].

Em 3/6/2022 foi promulgada a Lei 14.365, que inseriu os §§ 6º-A e 8º-A no artigo 85 do CPC para proibir a apreciação equitativa de honorários sucumbenciais nas hipóteses em que o valor da causa, da condenação ou do proveito econômico fossem líquidos ou liquidáveis. Em conjunto com o Tema 1.076 do STJ, a Lei 14.365, vigente a partir de 3/6/2022, parecia ter definitivamente eliminado os debates sobre a incidência da equidade na fixação de honorários sucumbenciais em causas de alto valor.

No entanto, ao julgar hipótese de cisão subjetiva da causa [7] — reconhecimento de ilegitimidade de um dos litisconsortes passivos —, o STJ entendeu que "[o] art. 85, § 2º, do NCPC, ao estabelecer honorários advocatícios mínimos de 10% sobre o valor da causa, teve em vista decisões judiciais que apreciassem a causa por completo, ou seja, decisões que, com ou sem julgamento de mérito, abrangessem a totalidade das questões submetidas a juízo. Tratando-se de julgamento parcial da lide, os honorários devem ser arbitrados de forma proporcional a parcela do pedido efetivamente apreciada. A prevalecer o entendimento propugnado nas razões do apelo nobre, no sentido de que o litisconsorte excluído antecipadamente faz jus a honorários de no mínimo 10% sobre o valor da causa, seria forçoso concluir que, numa outra hipótese, na qual presentes vários réus excluídos em momentos diferentes do processo, a verba honorária total poderia ultrapassar o limite legal de 20% sobre o valor da causa".

Em outra oportunidade, o STJ julgou o REsp nº 1.845.542/PR [8] e, no que tange aos honorários sucumbenciais, averbou o seguinte, considerando-se o julgamento parcial do mérito da causa: "[é] verdade que os arts. 85, caput e 90, caput, do CPC/2015, referem-se exclusivamente à sentença. Nada obstante, o próprio § 1º, do art. 90, determina que se a renúncia, a desistência, ou o reconhecimento for parcial, as despesas e os honorários serão proporcionais à parcela reconhecida, à qual se renunciou ou da qual se desistiu. Ademais, a decisão que julga antecipadamente parcela do mérito, com fundamento no art. 487 do CPC/2015, tem conteúdo de sentença e há grande probabilidade de que essa decisão transite em julgado antes da sentença final, a qual irá julgar os demais pedidos ou parcelas do pedido. Dessa forma, caso a decisão que analisou parcialmente o mérito tenha sido omissa, o advogado não poderá postular que os honorários sejam fixados na futura sentença, mas terá que propor a ação autônoma prevista no art. 85, § 18, do CPC/2015. Assim, a decisão antecipada parcial do mérito deve fixar honorários em favor do patrono da parte vencedora, tendo por base a parcela da pretensão decidida antecipadamente. Vale dizer, os honorários advocatícios deverão ser proporcionais ao pedido ou parcela do pedido julgado nos termos do art. 356 do CPC/2015".

Temos a impressão de que a cindibilidade subjetiva e/ou objetiva da causa [9] é um fator que distingue o caso em julgamento dos fundamentos centrais (ratio decidendi) utilizados no Tema 1.076 do STJ. Os debates ao redor do assunto permanecerão ao menos até o STJ se pronunciar sobre os honorários sucumbenciais em causas de alto valor que sofram decomposição objetiva ou subjetiva do procedimento.

 


[1] Há julgados dessa espécie nos tribunais de todo o país. Como exemplos, citaremos apenas três. Do TJ-RS, o acórdão proferido no recurso de apelação nº 0000739-02.2018.8.24.0065 interpretou a palavra "inestimável", que qualifica o "proveito econômico" obtido pelo vitorioso, como critério autorizador de fixação de verba honorária sucumbencial por equidade nas "(…) hipóteses em que a quantificação ensejar montantes exorbitantes". Do TJ-SP, o acórdão proferido no agravo de instrumento nº 2273097-54.2019.8.26.0000 asseverou que o objetivo do art. 85, § 8º, do Código de Processo Civil, "(…) não é apenas evitar a fixação de verba honorária em valor irrisório, mas também conter o arbitramento em montante exorbitante, que não se justifique". Por fim, o TJ-PR, ao julgar o agravo de instrumento nº 0030071-03.2019.8.16.0000, entendeu que o § 8º do art. 85 do CPC/15 comporta interpretação extensiva, "[o]bservando-se os princípios da razoabilidade e proporcionalidade, bem como o escopo de se evitar o enriquecimento ilícito (…)".

[2] Como se vê do REsp nº 1.746.072/PR, rel. min. Nancy Andrighi, rel. p/ acórdão min. Raul Araújo, 2ª Seção, j. 13/2/2019. Didático, o aresto fez constar na própria ementa o seguinte raciocínio: "(…) o § 2º do referido art. 85 veicula a regra geral, de aplicação obrigatória, de que os honorários advocatícios sucumbenciais devem ser fixados no patamar de dez a vinte por cento, subsequentemente calculados sobre o valor: (I) da condenação; ou (II) do proveito econômico obtido; ou (III) do valor atualizado da causa; que o § 8º do art. 85 transmite regra excepcional, de aplicação subsidiária, em que se permite a fixação dos honorários sucumbenciais por equidade, para as hipóteses em que, havendo ou não condenação: (I) o proveito econômico obtido pelo vencedor for inestimável ou irrisório; ou (II) o valor da causa for muito baixo".

[3] Segundo Eduardo Rezende Campos, "(…) não parece adequada a deliberada escolha de determinados julgados que, frente a um caso concreto, afastam a aplicação do art. 85, § 2º, do CPC/15, para o emprego da equidade prevista no § 8º, aludindo aos princípios da razoabilidade e proporcionalidade. Ora, esses princípios importados da seara administrativa têm o escopo de limitar a própria discricionariedade do agente público diante do comando legal; no entanto, na esfera jurisdicional, o poder discricionário tem sido equivocadamente utilizado de forma oposta, com o fim de ultrapassar o próprio comando legal". (Juízo de equidade na fixação de honorários de sucumbência: seria compatível em demandas com alto valor envolvido? Grandes temas do NCPC, v. 2 – Honorários Advocatícios. Coords. Marcus Vinícius Furtado Coêlho e Luiz Henrique Volpe Camargo. 3ª ed. Salvador: Juspodium, 2019, p. 189)

[6] Ravi Peixoto formulou pertinentes críticas ao julgamento do TJMG em "Precedentes obrigatórios sem maioria absoluta não são obrigatórios?", publicado na ConJur em https://www.conjur.com.br/2022-mai-17/ravi-peixoto-capitulo-honorarios-advocaticios.

[7] Trata-se do REsp nº 1.760.538/RS, rel. min. Moura Ribeiro, 3ª T., j. 24/5/2022.

[8] REsp nº 1.845.542/PR, rel. min. Nancy Andrighi, 3ª T., j. 14/5/2021.

[9] Ainda sobre o assunto, confira-se o texto "Honorários sucumbenciais em casos de descumulação objetiva e subjetiva", de José Henrique Mouta Araújo, também publicado no ConJur: https://www.conjur.com.br/2022-jun-11/mouta-araujo-honorarios-casos-descumulacao