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Leonardo Corrêa: Ações coletivas brasileiras e class actions

11 de março de 2022, 10h37

Por Leonardo Corrêa

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A ação coletiva brasileira é, infelizmente, uma adaptação ruim das class actions americanas. O nosso modelo foca na premissa de que a legitimidade deve ser controlada, impedindo que se exercite a representatividade democrática. Em artigo publicado aqui na ConJur, Luciana Yeung, Luciano Timm e Flavia Araujo tratam da questão, mencionando que os projetos que tramitam no Congresso estendem demasiadamente a legitimidade ativa para promover ações coletivas. Segundo os autores, mais legitimados promoveriam mais ações (muitas delas frívolas, o que aumentaria os custos de transação para as empresas e para o Estado.

Acreditamos, contudo, que o caminho deveria ser outro. É preciso resgatar a ideia americana de representatividade democrática, e trazê-la para as ações coletivas brasileiras. Assim, ao invés de restringir a legitimidade, acreditamos que o ideal seria ampliá-la. Qualquer escritório de advocacia devia poder ingressar com uma ação coletiva desde que contratado por um membro do grupo, capaz de representar uma classe de pessoas em situação semelhante.

Devia ser necessário comprovar alguns itens para que a ação possa se desenrolar, nos moldes da certification (certificação em português)[1]: (i) um número mínimo de vítimas representadas na classe; (ii) que as questões de fato e de direito sejam comuns a todos (representante e representados); e, (iii) demonstrar a capacidade do representante para representar o grupo, bem como dos advogados (representação adequada).

Essa etapa poderia ser uma barreira muito mais eficiente para ações coletivas frívolas ou propostas por mero interesse político. Nessa linha, seria mais eficiente excluir os atuais legitimados e centrar as atenções no conceito de representação democrática de partes atingidas através do grupo.

O melhor caminho, portanto, seria "privatizar" as ações coletivas, ao invés de manter a estatização (com MP e outros legitimados públicos). A livre concorrência em mercado, com regras explícitas para a certification, seria um instrumento infinitamente mais eficiente como desestímulo para ações frívolas. Ademais, o grupo e seus advogados — diferente de entes estatais — deveriam arcar com os custos relacionados à demanda, inclusive os decorrentes da produção de provas.

Nessa linha de raciocínio — sob a ótica da eficiência inerente à Análise Econômica do Direito —, a avaliação da certification deveria ser anterior à apresentação de contestação, mas posterior a uma manifestação específica do réu sobre a questão. Proposta a Ação Coletiva, em um primeiro momento, o réu seria instado, apenas, a se manifestar sobre a certification. Com esta manifestação, o juiz deverá, inicialmente, apresentar uma decisão exclusivamente sobre este tema específico. A defesa de mérito somente deferia ser apresentada após a decisão que deferir a certificação ao grupo.  

Assim, há maior probabilidade de alinhamento dos incentivos, bem como de promover e estimular uma avaliação racional de custo-benefício, inexistente no modelo atual. É tudo feito sem risco e sem custo direto, promovendo ineficiência e afastando o cidadão do centro da questão. Trata-se de um modelo excludente e concentrador de poder.

Seria muito mais profícuo e democrático trazer o cidadão para o centro das ações coletivas. Isso levaria a um ganho para toda a sociedade, ao mesmo tempo que reduziria as chances do uso político que, infelizmente, tem sido a tônica no Brasil. Definitivamente, manter a iniciativa das ações coletivas estatizada — nas mãos de legitimados públicos —, não nos parece ser o melhor caminho.

[1] Sobre a certification ver:

Antonio Gidi, A class action como instrumento de tutela coletiva dos direitos, RT, 2007, capítulo 5.1, Certificação

Antonio Gidi, Rumo a um Código de Processo Civil Coletivo, Forense, 2008, capítulo 2.7, Certificação do processo coletivo.

João Paulo Lordelo, A certificação coletiva, JusPodivm, 2020.