Questões referentes ao saneamento básico são intrinsecamente de interesse local e de competência dos municípios. Mas isso não impede a atuação conjunta e integrada entre todos os entes da federação, pois a eficiência de tal serviço é de interesse dos estados e da União, já que ajudar a preservar a saúde das pessoas e o meio ambiente e a promover desenvolvimento econômico sustentável.
Esse foi o entendimento do presidente do Supremo Tribunal Federal, Luiz Fux, relator, ao votar nesta quinta-feira (25/11) para negar quatro ações diretas de inconstitucionalidade que questionam dispositivos do Novo Marco Legal do Saneamento Básico (Lei 14.026/2020). O julgamento será retomado na sessão da próxima quarta (1º/12), com o voto do ministro Nunes Marques.
Luiz Fux apontou que o novo marco legal visa aumentar a eficiência na prestação dos serviços de saneamento básico. Para isso, optou pelo modelo de concessão, com o objetivo de fomentar a concorrência para os mercados. Isso permite que o poder público avalie as propostas e escolha a que melhor atender os interesses sociais, segundo o magistrado.
A lei também estabelece medidas para universalizar o saneamento básico até 2033. Por falta de capacidade institucional, ressaltou o ministro, não cabe ao Judiciário avaliar se as metas são precisas ou imprecisas, convenientes ou inconvenientes.
O Novo Marco Legal do Saneamento Básico manteve a autonomia municipal e a sua harmonização com arranjos federativos de contratação. Porém, consolidou instrumentos de cooperação interfederativa. Ou seja: a organização das atividades continua sob a titularidade dos municípios, ao passo que o planejamento é o resultado da deliberação democrática em dois níveis, federal e o estadual ou regional.
Tal arranjo está de acordo com a Constituição, disse Fux, apontando que um saneamento básico de qualidade promove diversos direitos fundamentais, como saúde, proteção do meio ambiente e estímulo à economia e ao trabalho, algo de interesse de estados e União.
Além disso, a organização, por estados, de unidades regionais voltadas à concessão dos serviços públicos de saneamento tende a defender os interesses de todo o território sob sua jurisdição e tende a incluir municípios mais distantes das capitais ou de outras metrópoles, beneficiando a população da área, opinou.
O Novo Marco Legal do Saneamento Básico atribui poderes normativos à Agência Nacional de Águas (ANA) quanto ao tema. A ANA deverá fixar quais são os requisitos de conformidade regulatória esperados dos municípios e dos estados para que possam receber transferências da União. Para Fux, o mecanismo é constitucional.
"O condicionamento da destinação de recursos federais via transferências voluntárias já pode ocorrer para atendimento de certas metas, objetivos, obrigações pelos entes recebedores, inclusive por pactuação contratual. Desse modo, o condicionamento sequer demanda lei disciplinadora das condições para a percepção das dotações. Nada obstante, em apreço à segurança jurídica, não há vedação a que haja disciplina em lei formal", analisou o ministro.
Contrato de programa
Até a promulgação da Lei 14.026/2020, a execução dos serviços públicos de saneamento básico esteva majoritariamente vinculada ao contrato de programa. Nesse modelo, os municípios contratavam diretamente as empresas públicas e as sociedades de economia mista dos estados.
A nova lei manterá em vigor os contratos de programa em vigor. Mas os novos contratos de saneamento serão de concessão.
De acordo com Luiz Fux, a alteração busca aumentar a eficiência dos serviços e representa uma afetação proporcional à autonomia negocial dos municípios em prol da concretização de objetivos setoriais legítimos.
O relator ainda avaliou que a Lei 14.026/2020 possui regras que harmonizam o futuro desuso do contrato de programa com a proteção das expectativas dos contratantes e com a continuidade dos serviços, sem violar a segurança jurídica.
Argumentos dos autores
Autor da ADI 6.492, o PDT argumenta que a norma pode criar um monopólio do setor privado nos serviços de fornecimento de água e esgotamento sanitário, em prejuízo da universalização do acesso e da modicidade de tarifas.
O partido também contesta a exigência de que as empresas de saneamento firmem contrato de concessão com municípios. Conforme a legenda, isso gerará o desmonte de companhias estatais e de estruturas já consolidadas.
Na ADI 6.536, PCdoB, PSol, PSB e PT sustentam que o serviço público de saneamento é privativo do poder público, no qual suas atribuições são inerentes ao interesse local que se incluem na competência originária do município, ainda que a natureza do saneamento demande a participação de outros municípios e do Estado no planejamento, execução e gestão do serviço integrado.
Os partidos também apontam que o novo marco legal representa risco de dano iminente ao dever da administração pública de ofertar a todos o acesso a bens essenciais em função do princípio da universalidade dos serviços públicos, cuja máxima determina que sua prestação não deva distinguir seus destinatários.
Já na ADI 6.882, a Associação Brasileira das Empresas Estaduais de Saneamento (Aesbe) argumenta que a lei finda a gestão compartilhada do serviço de saneamento básico por consórcio público ou convênio de cooperação, impondo a concessão como único modelo de se delegar o serviço. Segundo a entidade, a imposição afronta as competências asseguradas aos municípios pelo artigo 30 da Constituição Federal.
O dispositivo prevê a competência municipal tanto para legislar sobre assuntos de interesse local quanto para organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local.
Por fim, na ADI 6.583, a Associação Nacional dos Serviços Municipais de Saneamento (Assemae) aponta que o novo marco legal representa a completa imposição da União sobre a autonomia dos municípios, além de transformar o saneamento básico em um balcão de negócios, excluindo a população pobre e marginalizada.
A Assemae diz que um dos principais problemas da Lei 14.026/2020 é a imposição de uma única forma para delegar o serviço de saneamento: por meio de concessão, o que viola o artigo 241 da Constituição.
ADIs 6.492, 6.536, 6.583 e 6.882