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STJ promove distinção para quebrar sigilo fiscal e de comunicações

17 de novembro de 2021, 7h33

Por Danilo Vital

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Para fins de fundamentação apta a justificar uma quebra de sigilo, o nível de exigência deve ser maior para o caso das telecomunicações, que são compostas da livre expressão do pensamento e podem portar os segredos mais íntimos da pessoa humana, do que para o sigilo bancário, formado por dados estáticos já conhecidos por instituições financeiras e inúmeras pessoas, porém apenas não divulgados ao público em geral.

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Controle judicial para quebra do sigilo das comunicações deve ser naturalmente mais rígido, segundo posição da 6ª Turma do STJ
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Essa tem sido a posição da 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, que tem promovido uma diferenciação no controle judicial de medidas cautelares deferidas no âmbito de investigações criminais.

Essa diferenciação é possível porque, segundo a posição, embora as normas constitucionais sejam hierarquicamente equivalentes, elas possuem distinções valorativas de conteúdo que podem repercutir nos procedimentos processuais penais. Assim, para efeitos de controle, admite-se que sejam tratadas com as coisas diferentes que são.

A posição foi mais bem debatida no RHC 118.283, julgado pela 6ª Turma em novembro de 2020. Nesta terça-feira (16/11), o tema voltou à pauta no HC 654.131, em que o colegiado anulou decisões de interceptação das comunicações tomadas per relationem (quando o juiz repete argumentos alheios) a partir de quebras de sigilo fiscais.

Coisas diferentes
A diferenciação foi proposta à 6ª Turma em voto divergente do ministro Rogerio Schietti no RHC 118.283.

Uma coisa é o sigilo das comunicações. É a livre expressão do pensamento, que pode portar os segredos mais íntimos da pessoa humana e só pode ser violado para fins penais (investigação criminal ou instrução processual penal). É, portanto, uma das liberdades mais importantes do indivíduo.

Outra coisa é o sigilo bancário e fiscal. É composto de informações estáticas referentes a movimentações financeiras e de conhecimento das instituições financeiras e de inúmeras pessoas, pois são acessadas por funcionários e fiscais.

Esses dados podem ser compartilhados entre bancos e instituições públicas e, conforme tem admitido o próprio STJ, até a pedido do Ministério Público.

A legislação infraconstitucional reforça essa ideia.

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Nova diferenciação para controle das decisões de quebra de sigilo foi proposta ao colegiado pelo ministro Rogerio Schietti
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A Lei 9.296/1996, que regulamenta o trecho da Constituição que garante o sigilo das comunicações (Artigo 5º, inciso XII), aponta no artigo 2º que a interceptação não será admitida se não houver indícios suficientes de autoria ou participação em infração penal, se a prova puder ser feita por outros meios disponíveis ou se o fato investigado constituir infração penal punida, no máximo, com pena de detenção.

Já a Lei Complementar 105/2001, que trata do sigilo das operações de instituições financeiras, prevê apenas que a quebra de sigilo poderá ser decretada, quando necessária para apuração de ocorrência de qualquer ilícito, em qualquer fase do inquérito ou do processo judicial em uma série de crimes elencados nos incisos do parágrafo 4º do artigo 1º.

"A própria possibilidade — amparada em lei já definida como constitucional pelo Supremo Tribunal Federal — de que um órgão administrativo, integrante do Poder Executivo, tenha acesso a todas as movimentações dos usuários do sistema financeiro já demonstra bem que a proteção da privacidade relativa aos dados bancários não é tão rígida quanto à proteção das comunicações telefônicas, somente acessíveis por prévia autorização judicial, em limites e condições bem delineadas tanto na Constituição da República quanto na Lei 9.296/1996", disse o ministro Schietti.

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Sigilo fiscal é composto de informações estáticas a que instituições e algumas pessoas já têm acesso
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Para sigilo fiscal, pouco basta
No caso julgado em novembro de 2020, o HC fora impetrado por réu acusado de integrar quadrilha que desviava ouro de mineradoras de Minas Gerais e promovia, ainda, lavagem de capitais. Ao receber a denúncia contra 24 pessoas, o juízo da Vara Única de Santa Bárbara (MG) deferiu quebra de sigilos bancário, financeiro e fiscal.

A medida foi fundamentada de forma sucinta, com base em indícios relatados pelo Ministério Público mineiro de formação de patrimônio com o esquema criminoso, razão pela qual "se faz necessária para apuração dos fatos e constituir prova no respectivo processo".

Até então, a jurisprudência do STJ era uníssona ao exigir do magistrado a explicação da proporcionalidade e da indispensabilidade da medida extrema.

O voto divergente do ministro Schietti ressaltou que o caso contou com ampla investigação, com decretação de prisões preventivas fundamentadas e recebimento de denúncia.

Havendo indícios do crime, eles servem para caracterizar fundamentação mínima que já traz em si a ideia de necessidade da quebra de sigilo bancário, financeiro e fiscal. "Dada a natureza desse bem, que não pode ser equiparado a uma conversa telefônica, entendo não ser ilegal a decisão", concluiu.

A diferenciação foi encampada por maioria de votos. Votaram com a divergência os ministros Nefi Cordeiro (hoje aposentado), Antonio Saldanha Palheiro e Laurita Vaz. Ficou vencido o relator, ministro Sebastião Reis Júnior, que votou por anular as provas devido ao deferimento das quebras de sigilo em desconformidade com os ditames legais.

Sergio Amaral
No caso mais recente julgado, ministro Sebastião Reis Júnior votou para anular provas decorrentes da quebra de sigilo das comunicações mal fundamentada
Sergio Amaral

Para sigilo das comunicações, muito é necessário
No caso julgado nesta terça-feira, os réus são suspeitos de crimes licitatórios, corrupção ativa, corrupção passiva e organização criminosa. A quebra de sigilo fiscal foi deferida pelo juízo e considerada hígida em recursos.

Para a interceptação do sigilo das comunicações, no entanto, o juízo usou fundamentação per relationem, reportando-se à representação feita pelo Ministério Público gaúcho, sem abordar indícios razoáveis de autoria, impossibilidade de produção de prova por outros meios disponíveis e demonstração de sua imprescindibilidade para apuração da infração penal.

Relator, o ministro Sebastião Reis Júnior votou para declarar nulas as provas decorrentes apenas da interceptação das comunicações. Foi acompanhado à unanimidade — pelos ministros Rogerio Schietti e Laurita Vaz, e pelo desembargador Olindo Menezes.

"Nessa linha de raciocínio, quando o juiz autoriza quebra do sigilo bancário de maneira lacônica, apenas a se reportar ao parecer do Ministério Público, não haveria nulidade da decisão", disse o ministro Schietti, em referência à jurisprudência da 6ª Turma.

"Mas quando se usa esta mesma decisão com este grau limitadíssimo de cognição sobre o material e só acolhe pedido do Ministério Público sem nenhum tipo de explicação dos motivos que seriam justificadores para afastar a inviolabilidade das comunicações, aí sim parece que há uma ilegalidade que precisa ser corrigida", diferenciou.

HC 654.131
RHC 118.283