Com base em recente acórdão do Supremo Tribunal Federal que tratou do exercício da optometria por profissionais com formação superior, a Secretaria da Saúde do Rio Grande do Sul está discutindo a necessidade de adequar o posicionamento que tem adotado quanto ao tema.
A discussão foi proposta pela Sociedade de Oftalmologia do Rio Grande do Sul, que pediu a revisão de notas de Informação expedidas pela Procuradoria do Domínio Público Estadual (PDPE) que tratam da competência para fiscalização e autuação de optometristas por exercício ilegal de atividades.
Para eles, caberia à Vigilância Sanitária fazer essa fiscalização, além de impedir a concessão de alvará de saúde para optometristas que atuam como se fossem oftalmologistas.
Segundo a Sociedade de Oftalmologia do RS, há optometristas examinando pacientes e assinando prescrições de óculos por todo o estado, além de casas de ótica que confeccionam e vendem lentes de grau sem prescrição médica e instalam consultórios em seus estabelecimentos.
A entidade define essa prática como "flagrante exercício ilegal da medicina", da qual a oftalmologia é uma especialização.
O pedido é embasado pelo resultado da ADPF 131, na qual o STF manteve a validade de decretos da década de 1930 que limitam a liberdade profissional dos optometristas. O processo foi julgado em Plenário em julho de 2020 e gerou reação, como mostrou a ConJur.
As notas de informações expedidas pela PDPE, anteriores ao julgamento do STF, indicam que não há como restringir a atividade do optometristas, mas todas ressaltam que os mesmos não podem praticar atividades típicas de médico, em especial as de oftalmologistas, pois a medicina é profissão regulamentada.
Também entendem que a instalação de consultórios por optometristas não se encontra vedada. E que a publicação da Lei do Ato Médico (Lei 12.842/2013) não altera a possibilidade dos optometristas exercerem o seu labor, tampouco de ser expedido o respectivo alvará sanitário.
Optometristas x Oftalmologistas
Depois de manter a validade dos decretos da década de 1930, o Supremo Tribunal Federal precisou fazer adequações ao julgado. Isso porque sua decisão teria como principal consequência o estrangulamento da atuação dos optometristas com curso superior — um curso cuja validade, inclusive, é reconhecida pelo próprio STF.
Inicialmente, o Plenário virtual do Supremo entendeu que os decretos seguiriam válidos, mas indicou a atuação do legislador para regulamentar a profissão, tendo em vista que o próprio Estado fomenta a atividade. Em outubro de 2020, a Procuradoria-Geral da República pediu a modulação da decisão, para que só fosse válida após o Congresso fazer a definição legislativa indicada.
Um ano depois, o ministro Gilmar Mendes concedeu liminar para excluir os optometristas com ensino superior dos efeitos da decisão que manteve a validade de dispositivos que limitam a sua atuação. Essa posição foi referendada pelo Plenário virtual alguns dias depois, em embargos de declaração.
Segundo o Conselho Brasileiro de Óptica e Optometria (CBOO), autor da ADPF 131, o que o Supremo fez foi liberar o optometristas para atuar no atendimento da demanda primária de saúde visual.
Para o Conselho Brasileiro de Oftalmologia, que atuou como amicus curiae (amigo da corte) na ação, "não é crível mencionar que o optometrista de nível superior está autorizado a atuar na saúde primária" a partir da análise do acórdão do STF.
Em manifestação enviada à ConJur, a entidade explicou que, segundo o Ministério da Saúde, a atenção primária abrange atos como diagnóstico, tratamento e reabilitação, entre outros, reservados aos profissionais da medicina — e, portanto, vedados aos optometristas.
Parecer elaborado
A complexidade da discussão no Judiciário é comparável à complexidade enfrentada, agora, na seara administrativa.
Para a Sociedade de Oftalmologia do Rio Grande do Sul, não se trata de instar a Vigilância Sanitária a fiscalizar o exercício profissional do optometrista, mas de impedir a concessão de alvará e de revogar os alvarás já concedidos para estabelecimentos cujo funcionamento é vedado pelos artigos 38 e 39 do Decreto 20.931/32, um dos referendados pelo acórdão do STF.
Em julho de 2021, a Procuradoria-Geral do Estado emitiu parecer sobre a consulta. O documento foi preparado pelos procuradores do Estado Thiago Josué Ben e Guilherme de Souza Fallavena e aprovado pelo procurador-geral adjunto para assuntos jurídicos, Victor Herzer da Silva.
No documento, defendem que se faça uma harmonização da decisão do STF na ADPF 131 com as atribuições dos optometristas, a fim de não se proceder a interpretação ampliativa de normativa restritiva de direitos.
Citam a impossibilidade de os optometristas prescreverem tratamentos, receitarem fármacos ou a utilização de órteses, bem como de exercerem toda e qualquer atividade própria da medicina. Por outro lado, ressaltam que não se decidiu pela absoluta impossibilidade de os optometristas desempenharem qualquer atividade laboral.
"Há que se reconhecer, a esse azo, a possibilidade de expedição de alvará sanitário para o exercício das atividades que não se encontram vedadas a esses profissionais, competindo aos órgãos de fiscalização profissional as medidas pertinentes para fazer cessar a prática de atos privativos de médicos oftalmologistas", diz o parecer.
Como consequência, apontam que a competência para fiscalizar observância de questões éticas por profissionais integrantes de uma determinada categoria — no caso, a dos optometristas — não cabe à Vigilância Sanitária, mas aos órgãos de fiscalização profissional.
Clique aqui para ler o parecer
ADPF 131