Ao permitir que sejam emitidas declarações de reconhecimento de limites de propriedades privadas sobrepostas a territórios indígenas, a Fundação Nacional do Índio (Funai) gera insegurança jurídica e potencializa conflitos fundiários.
O entendimento é do juiz Hallisson Costa Gloria, da Vara Federal Cível e Criminal de Redenção (PA). O magistrado suspendeu os efeitos da Instrução Normativa 9/20, editada pela Funai, que permite que territórios indígenas ainda em fase de demarcação sejam retirados dos sistemas de controle de terras.
A decisão, concedida em ação proposta pelo Ministério Público Federal, protege as terras indígenas da região sudeste do Pará. No estado, já foram concedidas 14 liminares suspendendo a portaria.
Segundo a decisão, a tutela dos direitos dos índios sobre as terras deve ser entendida como de natureza declaratória e não constitutiva, considerando o direito originário previsto no artigo 231 da Constituição Federal.
"Ademais, o melhor entendimento deve ser o de que a proteção contida na CF abrange o reconhecimento de direitos indígenas em relação às terras em processo de demarcação nas situações a seguir indicadas: área em estudo de identificação e delimitação; terra indígena delimitada (com os limites aprovados pela Funai); terra indígena declarada (com os limites estabelecidos pela portaria declaratória do Ministério da Justiça); terra indígena com portaria de restrição de uso para localização e proteção de índios", afirma o juiz.
Altamira
A decisão vai no mesmo sentido que uma liminar de agosto. Na ocasião, o juiz Felipe Gontijo Lopes, da Vara Federal Cível e Criminal de Altamira, suspendeu os efeitos da instrução normativa da Funai.
O magistrado considerou que o ato administrativo que autoriza a expedição de declaração de reconhecimento de limites sobre área que ainda está em vias de ser declarada como indígena acaba por gerar insegurança jurídica.
Em abril, o Ministério Público Federal recomendou à presidência da Funai que a normativa fosse anulada imediatamente. Segundo o MPF, a norma permite, de forma ilegal e inconstitucional, o repasse de título de terras, impulsionando grilagens. A recomendação também foi encaminhada à Presidência do Incra e à Direção-Geral do Serviço Florestal Brasileiro.
Ao criar indevida precedência da propriedade privada sobre as terras indígenas, diz a recomendação, a norma viola o artigo 231 da Constituição, que se aplica também aos territórios indígenas não demarcados, já que ao Estado brasileiro cabe apenas reconhecer os direitos territoriais indígenas, que são anteriores à CF.
A previsão de repassar a particulares terras que são consideradas pelo ordenamento jurídico brasileiro como indígenas, além de ilegal e inconstitucional, dizem os procuradores da República, pode caracterizar improbidade administrativa dos gestores responsáveis por emitir a instrução normativa, o que os tornaria incursos nas sanções previstas na lei de improbidade administrativa, como a cassação de direitos políticos, proibição de contratar com o Poder Público, e multas.
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1001635-55.2020.4.01.3905