Consultor Jurídico

Surfar em ementas não é fundamentar a decisão

8 de junho de 2018, 8h05

Por Aury Lopes Jr., Alexandre Morais da Rosa

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Spacca
A metamorfose do jurista em tempos de hiperindividualismo deve ser pontuada. Para tanto, é necessário que haja um certo desencanto pelo modo como nos ensinaram a interpretar e, de outro, que se aposte no futuro, no novo, com certo otimismo. Ao mesmo tempo em que há uma série de novos profetas, menos se acredita nas propostas fantasiosas que deixam de lado a faceta humana da tomada de decisão, em que fatores cognitivos (vieses e heurísticas) comparecem (ver aqui).

O efeito da desregulamentação do Estado se faz ver no ambiente forense. O juiz de certa forma cuidava da estabilidade das relações das quais não tinha poder de alteração. A noção liberal de justiça informava esse modo de agir passivo, mas com força de veto. O veto, assim, era uma atuação ex post, em que o protagonismo das deliberações agia em nome do político. Diante do futuro como projeto aberto, uma das questões honestas é a de que não há um projeto pronto e acabado que possa ser vendido no mercado das ilusões reconfortantes, diante do giro de julgador em gestor. O sentimento de perda de segurança demanda novos mecanismos de retorno, “como se” já tivéssemos vivido algo de fato seguro no mundo. Desde que adentramos ao mundo como tal, o imponderável nos persegue.

De outro lado, será preciso manter o ritmo das ondas judiciais, impulsionadas pelo Supremo Tribunal Federal e pelo Superior Tribunal de Justiça, pelas quais os jogadores processuais (aqui) podem se manter na onda (moda — aqui), surfando, sem que afundem em suas compreensões destoantes da força jurisdicional. A preocupação deixa de ser com os critérios de decisão, migrando para o consumo do produto decisório resumido na ementa (muitas vezes destoante do caso julgado). As etapas de produção de uma decisão, especialmente a discussão sobre as premissas, é aterrada em nome do resultado. Fixa-se o resultado e se procede como a engenharia reversa indica. O caminho se inverte e, do que se quer decidir, selecionam-se os argumentos. A questão é que os argumentos rejeitados não são devidamente problematizados, e tudo se perde no pedestal da autoridade, que diz: é assim e pronto (aqui).

Persistir na utopia de uma decisão penal compatível com o Direito Democrático, todavia, exige a tomada de posição sobre os argumentos rejeitados, dando-se o peso e o valor que merecem. A desqualificação, a priori, de todos os argumentos dissidentes, é o modo de soterrar o contraditório na produção das decisões que, ao fim e ao cabo, nos concernem. A postura radical, aqui, está em sublinhar o trajeto da decisão, e não só a conclusão, justamente porque, sem o trajeto, o processo e os princípios democráticos do devido processo legal, dentre eles a formação intersubjetiva das decisões e, no fundo, o devido processo legal substancial, acabam se perdendo em mera legitimação dos eventuais ocupantes do poder.

A defesa pela motivação adequada das decisões no campo penal pressupõe que os jogadores e, fundamentalmente, o juiz estabeleçam as premissas teóricas que analisa o caso, a saber, pelo finalismo, imputação objetiva, enfim, toda gama teórica que pode dar nova coloração aos mesmos fatos. A aposta pela motivação sincera e teoricamente alicerçada se renova. Sempre, embora com certo pessimismo diante da avalanche e aceleração das decisões.