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Não compete ao estado definir constituição da família, diz parecer

4 de setembro de 2015, 16h20

Por Tadeu Rover

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O Projeto de Lei 173/2015 do Distrito Federal, que restringe o conceito de família ao núcleo formado a partir da união entre homem e mulher, além de ser um retrocesso social, é inconstitucional por afrontar diversos princípios constitucionalmente assegurados no direito brasileiro, como a dignidade da pessoa humana, a autodeterminação, a busca da felicidade e a vedação à discriminação.

A opinião é dos advogados Francisco Schertel Mendes, João Trindade Cavalcante Filho e Rafael Araripe Carneiro em parecer elaborado a pedido da União Brasiliense de Gays (Unigay). No documento, os advogados respondem se é constitucional a definição de entidade familiar constante no Projeto de Lei e se o Distrito Federal tem competência para definir um conceito jurídico próprio de entidade familiar. Em ambas, a resposta é negativa.

O segundo artigo do projeto de lei 173/2015 diz: "Entende-se por entidade familiar o núcleo social formado a partir da união entre um homem e uma mulher, por meio de casamento ou união estável, ou por comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes". A proposta, do parlamentar Rodrigo Delmasso (PTN), já foi aprovada em julho pela Câmara Legislativa do Distrito Federal e agora aguarda a sanção ou veto do governador Rodrigo Rollemberg.

Para os advogados, no entanto, não compete ao estado definir qual a melhor forma de constituição de família pelos particulares, mas apenas
reconhecer os arranjos que estes, no exercício de sua dignidade, desejem formar.

No parecer, eles apontam que o Supremo Tribunal Federal reconheceu que o rol de entidades familiares previstos na Constituição (artigo 226, parágrafos 1º ao 4º, da CF) tem caráter meramente exemplificativo. 

"O entendimento encampado pelo STF no julgamento da ADI 4277, oportunidade na qual foi dada uma interpretação não meramente literal, mas sim inclusiva e sistêmica ao texto constitucional, de forma a abranger uma gama mais ampla de entidades familiares que não somente a relação entre homem e mulher, mas também aquela entre indivíduos do mesmo sexo", diz o parecer.

Além disso, segundo os advogados, a adoção de um conceito taxativo e não inclusivo de entidade familiar contraria o direito internacional contemporâneo, podendo causar consequências ao Brasil no âmbito do Sistema Interamericano de Direitos Humanos.

"No desenvolvimento de políticas públicas de valorização da família, não podem as autoridades distritais olvidar que a convivência familiar realiza, em sua total plenitude, os valores inerentes ao companheirismo, ao amor e à solidariedade, decorrentes de uma relação de afetividade de tal ordem que chega muitas vezes a transcender o plano da existência", complementam.

Incompetência do estado
O parecer afirma ainda que o projeto é inconstitucional, pois o direito de família é competência privativa da União. "Como base no direito de família, a definição do conceito de 'entidade familiar' não pode ser alvo de tratamento local, uma vez que se encontra na seara de competência privativa da União, justamente para garantir a existência de um regramento uniforme da questão familiar em toda a Federação", afirmam os advogados.

Eles apontam ainda que, caso a lei seja sancionada, irá criar uma situação contraditória, pois o casal gay residente no Distrito Federal será reconhecido como entidade familiar perante a União e os demais estados, mas não perante as autoridades distritais.

Discussão nacional
Além do projeto de lei do Distrito Federal, a questão sobre o conceito de entidade familiar também é discutido na Câmara dos Deputados no Projeto de Lei 6.583/13, o Estatuto da Família. Na quarta-feira (2/9), foi apresentado oficialmente o parecer da comissão especial que analisa o tema.

O relatório final da proposta de Estatuto da Família mantém como conceito básico de família "a união de um homem e de uma mulher, por meio de casamento ou de união estável, e a comunidade formada por qualquer dos pais e seus filhos".

A tramitação do estatuto é polêmica. A proposta tem o apoio de parlamentares religiosos, sobretudo evangélicos, em maioria na comissão especial, mas é considerada inconstitucional por outros deputados sob o argumento de que não contempla outros modelos de união.

Clique aqui para ler o parecer contra o PL 173/2015.