Na onda de discussões mundiais sobre direito ao esquecimento, um projeto de lei apresentado neste ano na Câmara dos Deputados tenta obrigar que meios de comunicação social do Brasil criem telefones e endereços para ouvir pessoas que desejem apagar seus nomes em notícias veiculadas no passado. Órgãos de imprensa, emissoras de TV e provedores de internet teriam de fornecer protocolo de atendimento e, no caso de o pedido ser negado, explicar o motivo em até 30 dias.
A proposta foi idealizada pelo deputado federal Veneziano Vital do Rêgo (PMDB-PB) e define o direito ao esquecimento como “expressão da dignidade da pessoa humana, representando a garantia de desvinculação do nome, da imagem e demais aspectos da personalidade relativamente a fatos que, ainda que verídicos, não possuem, ou não possuem mais, interesse público”.
Segundo o texto, as empresas que descumprirem a regra ou criarem departamentos sem bom funcionamento seriam responsabilizadas na esfera cível, por meio de ação civil pública. A redação inicial do Projeto de Lei 1.676/2015 também busca transformar em crime “o ato de fotografar, filmar ou captar a voz de pessoa, sem autorização ou sem fins lícitos”. Caso vire lei, quem descumprir pode ser punido com multa e até seis anos de prisão.
Não é a primeira tentativa de regulamentar o direito ao esquecimento. O presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), propôs no ano passado que seja obrigatório remover links de mecanismos de busca na internet “que façam referência a dados irrelevantes ou defasados, por iniciativa de qualquer cidadão ou a pedido da pessoa envolvida” (PL 7.881/2014).
“O projeto de lei tem só dois artigos, mas de simples não tem nada”, avalia o advogado Carlos Affonso Souza, diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro (ITS) e professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Ele abordou o tema nesta quarta-feira (19/8) durante o 7º Congresso de Crimes Eletrônicos, promovido pela Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (FecomercioSP).
Para Souza, a medida é muito genérica ao adotar o conceito de “dados irrelevantes ou defasados” e permitir que qualquer pessoa apresente solicitação para informações saírem do ar.
O advogado entende ainda que a proposta geraria impactos na forma como usuários buscam informações na internet e seria inclusive insuficiente para proteger pessoas, porque os dados continuariam nos links originais. Sobre o PL 1.676/2015, ele também diz que os conceitos são pouco claros e questiona se meios de comunicação conseguiriam atender a todos os interessados.
Tendência
O direito ao esquecimento ganhou repercussão desde que, no ano passado, o Tribunal de Justiça da União Europeia obrigou o Google a apagar dados solicitados por quaisquer europeus que aparecem na ferramenta de busca. A decisão ocorreu depois que o espanhol Mario Costeja González — citado no buscador porque seu apartamento seria leiloado para pagar dívidas — cobrou a retirada de seu nome do buscador da empresa.
No Brasil, o Superior Tribunal de Justiça aplicou o princípio pela primeira vez em 2013. A 4ª Turma condenou a Rede Globo a pagar R$ 50 mil de indenização por danos morais a um homem que foi citado em reportagem sobre a chacina da Candelária. O programa foi ao ar em 2006, 13 anos depois do caso. Como o homem foi absolvido da acusação de ter participado do crime, a corte entendeu que a emissora causou danos a sua honra. O Supremo Tribunal Federal ainda deve julgar recurso da Globo.
A professora e advogada Juliana Abrusio, também participante do congresso da FecomercioSP, aponta que o conceito tem sido confundido por profissionais do Direito e clientes. A remoção de vídeos íntimos publicados na internet, por exemplo, não tem nenhuma relação com o direito de ser esquecido, e sim com direitos fundamentais da honra, da privacidade e da dignidade da pessoa humana.
“Só é possível pedir para ser esquecido aquilo que um dia, no passado, foi legitimamente divulgado. Publicar imagens íntimas de uma ex-namorada na internet nunca foi lícito, nunca deveria ter sido lembrado.” Juliana diz ainda que a medida deve valer para pontos específicos, sem a possibilidade de apagar fatos históricos, como a citada chacina da Candelária.
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