Direito ao esquecimento

Europa decide que Google pode ser obrigado a filtrar buscas

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13 de maio de 2014, 12h03

O Google é responsável pelos links que exibe como resultado de buscas e pode ser obrigado a apagar a ligação para determinados sites, caso fique comprovada qualquer violação a direitos individuais. Foi assim que decidiu o Tribunal de Justiça da União Europeia, num julgamento surpreendente anunciado nesta terça-feira (13/5). A decisão significa que, sempre que alguém se incomodar com determinada página na web, pode pedir diretamente ao Google para não relacioná-la mais a uma pesquisa com o seu nome.

Os juízes europeus consideraram que, ao listar sites como resultado de buscas feitas pelos internautas, o Google faz o que pode ser chamado de "tratamento das informações". Quando o assunto da pesquisa é o nome de uma pessoa, é possível traçar um perfil dela a partir do resultado exibido. É impossível eximir o Google de qualquer responsabilidade sobre danos à imagem do pesquisado, afirmou o tribunal.

O TJ da União Europeia entendeu que, ainda que o site que publicou originalmente determinada informação não a apague, a Justiça pode obrigar que a página seja suprimida do resultado de buscas. O prejudicado deve fazer o pedido primeiro ao Google e, em caso de negativa, recorrer à Justiça.

O direito de ter um site excluído das buscas não depende que a informação questionada seja ilícita. Para o tribunal, basta apenas que ela viole a vida privada de uma pessoa. Nesses casos, o direito individual se sobrepõe ao direito de informação e ao interesse econômico da ferramenta de busca. Há exceções, claro. Quando o ofendido for uma figura pública a e a informação for de interesse público, aí o equilíbrio pende para o outro lado.

A decisão da corte foi fundamentada na Diretiva 95/46/CE, que regulamenta o tratamento de dados pessoais na União Europeia, garante o direito de retificação e até o apagamento de informações inverídicas, incorretas ou incompletas. Os juízes consideraram que até mesmo uma informação lícita pode, com o tempo, se tornar incompatível com a diretiva. Caso isso aconteça, deve prevalecer o direito ao esquecimento.

O julgamento surpreendeu porque, em junho do ano passado, o advogado-geral Niilo Jääskinen opinou que a corte deveria decidir contra a responsabilidade do Google e o direito ao esquecimento. Como os pareceres dos advogados-gerais do TJ da UE são, quase sempre, seguidos, o esperado era que a corte decidisse no mesmo sentido.

Para Jääskinen, a Diretiva 95/46/CE não prevê o direito de apagar notícias verdadeiras. Ele considerou que as empresas que oferecem ferramenta de busca na internet só podem ser obrigadas a excluir da busca sites de terceiros que exibam conteúdos ilegais, por exemplo: páginas que violem direitos autorais e tenham informações difamatórias. No mesmo parecer, o advogado opinou que, nas discussões que envolvam o Google, deve ser aplicada a legislação nacional sempre que houver um escritório da empresa instalado no país.

A ferramenta de localização de informações não implica um controle sobre o conteúdo, disse Jääskinen. Para ele, a diretiva europeia sobre tratamento de dados pessoais não obriga o site de buscas a controlar as informações divulgadas por terceiros. Para o advogado, a autoridade nacional de proteção de dados só pode exigir que o site de buscas remova da pesquisa páginas se o próprio gestor dessa página assim pedir.

O caso que provocou a discussão no Tribunal de Justiça da União Europeia foi levado pelo Judiciário da Espanha. Lá, um homem pediu a um jornal que apagasse da sua edição online anúncio sobre a venda da sua casa. Diante da negativa do jornal, ele recorreu ao Google, pedindo que o anúncio não aparecesse mais como resultado de pesquisas feitas com o seu nome.

Em julho de 2010, a Agência Espanhola de Proteção de Dados (AEPD) determinou que o Google impedisse que o anúncio aparecesse no resultado de buscas. A mesma agência, no entanto, validou o direito do editor do jornal de manter o anúncio, com o fundamento de que a publicação de dados na imprensa e sua manutenção online são legítimas. A discussão foi parar na Justiça e, antes de bater o martelo, o tribunal espanhol pediu uma orientação à corte da União Europeia.

Divergência brasileira
No Brasil, a Justiça vem decidindo que o buscador não tem ingerência sobre as páginas mostradas nas buscas. Em junho de 2012, o Superior Tribunal de Justiça usou a argumentação para isentar o Google de responsabilidade sobre imagens de Xuxa nua postadas na internet. A apresentadora havia conseguido no primeiro e no segundo graus, também no Rio de Janeiro, que a companhia de buscas fosse condenada pela exibição do conteúdo em suas páginas de resultados e retirasse as fotos, muitas do filme Amor Estranho Amor, do ar.

A ministra Nancy Andrighi, relatora do caso, afirmou que as fotos eram postadas em sites mantidos por terceiros, sobre os quais o Google não tem ingerência e nem responsabilidade quanto ao conteúdo. Xuxa deveria, então, acionar os sites que postaram as fotos dela nua, e não o provedor de serviços de busca.

Segundo a ministra, o provedor de pesquisa “não inclui, hospeda, organiza ou de qualquer outra forma gerencia as páginas virtuais indicadas nos resultados disponibilizados, limitando-se a indicar links onde podem ser encontrados os termos de busca fornecidos pelo próprio usuário”. Com a decisão, o Google não precisa restringir suas pesquisas, uma vez que não se pode reprimir o direito da sociedade à informação. A decisão foi dada no Recurso Especial 1.316.921.

Em outro julgado, a 3ª Turma do STJ seguiu voto da ministra Nancy Andrighi e definiu que a obrigação de retirar determinado conteúdo do ar só passa a existir depois de ordem judicial. Caso a ordem seja desobedecida, aí, sim, vem a obrigação de indenizar. O argumento é o de que tal obrigação daria motivo para o Google fazer censura prévia do que é publicado em seus serviços, prejudicando a liberdade de criação e de expressão.

“Não se pode, sob o pretexto de dificultar a propagação de conteúdo ilícito ou ofensivo na web, reprimir o direito da coletividade à informação e à livre manifestação do pensamento”, escreveu a ministra em voto no Recurso Especial REsp 1.396.417. Ela argumentou que, na comparação dos direitos envolvidos na questão, “o fiel da balança deve pender para a garantia da liberdade de criação, expressão e informação, sobretudo considerando que a internet é, hoje, veículo essencial de comunicação em massa”.

Mas provedores de internet devem remover conteúdo considerado ilegal ou ofensivo quando recebem um pedido de retirada do ar com indicação do endereço virtual. Para a 3ª Turma do STJ, não se pode obrigar empresas como o Google a fazer controle prévio do que é publicado. Mas quando a indicação é apresentada, o provedor deve avaliar a denúncia e retirar o conteúdo do ar no prazo de 24 horas. Se não tiver tempo de analisar o caso, cabe ao provedor suspender a publicação de forma preventiva, sob pena de responder solidariamente com o autor direto do dano, por omissão. O entendimento foi firmado no julgamento do REsp 1.396.417.

Para o STJ, o provedor de internet também não tem o dever de indenizar usuário prejudicado pela veiculação de conteúdo ofensivo na rede. Não há dano moral atribuído ao provedor no momento em que uma mensagem ofensiva é postada na rede. Entretanto, ele tem o dever de retirar tal conteúdo do seu ambiente virtual, fazendo cessar a ofensa, se há ordem judicial com essa determinação, conforme decisão nos Recursos Especiais 1.306.066 e 1.175.675.

Clique aqui para ler a decisão do Tribunal de Justiça da União Europeia.

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