Uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) não pode ser apresentada contra lei federal posterior à Constituição de 1988. Essa foi a argumentação do ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), ao negar seguimento da ADPF 158, ajuizada na Corte pela Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil contra a Lei 10.599/02, que dispõe sobre anistiados políticos.
A OAB alegou que o regime dos anistiados políticos, criado pelo artigo 1º da lei questionada, não pode estabelecer discriminações entre anistiados políticos e os demais servidores públicos. Isso porque não existem diferentes regimes jurídicos aplicáveis a classes distintas de anistiados. Dessa forma, prossegue a Ordem, o regime jurídico do anistiado político — único, incindível e abrangente —, deve garantir aos servidores públicos afastados do serviço público por ato praticado com motivação política, os mesmos direitos, vantagens e benefícios atribuídos aos demais membros de sua carreira.
Além disso, a Ordem disse que precisa ficar claro o entendimento de que o artigo 16 não pode impossibilitar a concessão de benefícios a todos os anistiados, independentemente da lei vigente ao tempo em que foi reconhecida a condição de anistiado, além de outros direitos concedidos por leis anteriores, desde que vigentes e não revogados por legislação mais recente.
A OAB também sustentou que deve-se entender que o artigo 17 não permite a anulação de ato administrativo praticado anteriormente, em razão de mudanças na interpretação da norma. Isso porque, segundo a ADPF 158, o Alto Comando das Forças Armadas e a Comissão de Anistia, criada pela Lei 10.559/02, têm interpretado equivocadamente a legislação, como se houvesse regimes diferenciados em relação aos militares anistiados. Com isso, vários benefícios assegurados ordinariamente aos militares e seus dependentes estão sendo negados, “sob o pálido argumento de que haveria um regime jurídico próprio, e mais restrito, aplicado apenas aos anistiados políticos”.
A Ordem relatou o caso de 495 cabos da Força Aérea Brasileira (FAB), anistiados e posteriormente “desanistiados” por portarias do Ministério da Justiça, exatamente porque a Administração Federal passou a adotar entendimento diferente, no sentido que apenas fariam jus à condição de anistiados os militares admitidos antes da Portaria 1.104/64, da Aeronáutica, considerada como ato de exceção.
Em sua decisão, o ministro Gilmar Mendes sustentou que, para conferir interpretação conforme a Constituição a dispositivos promulgados após a Carta de 1988, as vias adequadas são a ação direta de inconstitucionalidade e a ação declaratória de constitucionalidade. “Nos termos do artigo 4º (parágrafo 1º) da Lei 9.882/99, não cabe arguição de descumprimento de preceito fundamental quando existente outro meio eficaz de sanar a lesividade”, afirmou o ministro.
O ministro também disse que no caso dos servidores militares ou civis que pleiteiam e obtêm a anistia, há uma substituição de regime, do ordinário para o especial, porém descartou que isso represente a negação dos direitos aos anistiados políticos.
O ministro aponta que o artigo 16 da Lei 10.559 dispõe claramente que "os direitos expressos nesta Lei não excluem os conferidos por outras normas legais ou constitucionais, vedada a acumulação de quaisquer pagamentos ou benefícios ou indenização com o mesmo fundamento, facultando-se a opção mais favorável".
Mendes ainda citou conclusão Advocacia-Geral da União sobre a correta aplicação do regime do anistiado político em concorrência com o regime jurídico ordinário dos servidores públicos da União.
“A aplicação concomitante de regras do regime especial e dos demais regimes comuns aos servidores é decorrência direta do fato de que os anistiados são reintegrados aos órgãos civis e militares, cujos quadros ocupavam antes dos atos de exceção que provocaram seu desligamento. Portanto, no que for objeto de incidência da norma especial, prevalece a aplicação do regime jurídico do anistiado. Nos demais aspectos da relação jurídica do anistiado com a Administração, aplicam-se as normas do regime jurídico do servidor civil ou militar, conforme o caso”, diz o trecho.
Quanto aos cabos da FAB, o ministro adotou como razão de decidir o parecer da Procuradoria Geral da República, segundo o qual o caso já foi objeto de apreciação do próprio STF e do Superior Tribunal de Justiça. “A admissão da ADPF para suscitar essa questão estaria, portanto, impedida pelo fenômeno da coisa julgada e também pelo requisito da subsidiariedade, visto que não apenas existem outros meios judiciais aptos a sanar suposta lesão apontada, como tais meios foram efetivamente utilizados”, explicou a PGR.
Com esses argumentos, o ministro negou seguimento à ADPF, por “manifesta inadmissibilidade”. Com informações da Assessoria de Imprensa do STF.
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ADPF 158