Poder Judiciário da União
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO DISTRITO FEDERAL E DOS TERRITÓRIOS

3JECIVCEI
3º Juizado Especial Cível de Ceilândia

Número do processo: 0704587-72.2025.8.07.0003

Classe judicial: PROCEDIMENTO DO JUIZADO ESPECIAL CÍVEL (436)

AUTOR: SAMIRA ROCHA DE SOUZA

REU: NEOENERGIA DISTRIBUICAO BRASILIA S.A.

SENTENÇA

 

Narra a parte autora, em síntese, que reside no imóvel situado na QNP 10 CONJUNTO P LOTE 17 – A APTO 102 – CEILÂNDIA/DF, cujo fornecimento de energia elétrica é realizado pela empresa requerida. 

Relata que, em 12/12/2024, por volta das 15h, ocorreu a suspensão do fornecimento de energia na unidade consumidora especificada, apesar de estar adimplente em relação as faturas do consumo do imóvel. 

Afirma ter mantido contato com a concessionária ré, quando fora estabelecido o prazo de 4h para o restabelecimento dos serviços.

Afirma que os serviços somente foram restabelecidos no dia seguinte, aproximadamente às 15h30min do dia 13/12/2024. 

Alega que teve as suas atividades diárias impactadas pela suspensão do serviço de fornecimento de energia elétrica pela concessionária ré, o que lhe ocasionou transtornos que superam o mero aborrecimento.

 Requer, desse modo, seja a requerida condenada a indenizar-lhe pelos danos de ordem moral que sustenta ter suportado em razão dos fatos descritos, no valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais). 

Em sua defesa (ID 232216944), a ré defende a legalidade da suspensão do fornecimento de energia do imóvel descrito nos autos, uma vez que constaria em atraso as faturas vencidas nos meses de out e nov/2024, quitadas somente em 09/12/2024, sem que tenha a requerente informado à concessionária acerca do pagamento, posto que a baixa ocorre em um prazo de 05 (cinco) dias. Diz ter notificado a demandante acerca da possibilidade de suspensão dos serviços em virtude do inadimplemento, agindo em conformidade com o que estabelece a Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL). Milita pela ausência de ato ilícito por ela perpetrado a ensejar a indenização extrapatrimonial requerida. Pugna, assim, pelo improcedência dos pedidos autorais.

A parte autora, por sua vez, na petição de ID 232571371, alega ser indevido o corte do fornecimento de energia elétrica da unidade mencionada nos autos, diante da inexistência de qualquer débito no momento da suspensão. Diz ter pagado as faturas vencidas em out e nov/2024, no dia 09/12/2024, e por meio de pix, tendo a interrupção sido levada a efeito no dia 12/12/2024 de forma irregular. Defende ser excessiva a demora para religação dos serviços, mantendo-a privada de serviço essencial por mais de 24h, atingindo seus direitos da personalidade.

É o relato do necessário, conquanto dispensado, consoante previsão do art. 38, caput, da Lei nº 9.099/95. 

DECIDO.  

Inicialmente, quanto à relação jurídica estabelecida entre as partes, saliente-se que entre as diversas teorias sobre a responsabilidade civil da administração pública e das prestadoras de serviço público, a mais adotada pelo nosso direito positivo é a teoria do risco administrativo, pois a Constituição Federal, no art. 37 § 6º, dispõe que: " As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos, responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa."

A regra constitucional faz referência a duas categorias de pessoas sujeitas à responsabilidade objetiva: as pessoas jurídicas de direito público e as pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviço público. A ré se enquadra no segundo grupo por ser concessionária de serviço público no fornecimento de energia.

Desse modo, a responsabilidade que aqui se trata é fundada na teoria do risco administrativo, segundo a qual só se exclui o dever de indenizar da prestadora de serviço público a culpa exclusiva da vítima, caso fortuito ou força maior.

Ademais, a relação jurídica estabelecida entre as partes é de consumo, visto que a requerida é fornecedora de serviços e produtos, cuja destinatária final é a autora (arts. 2º e 3º do Código de Defesa do Consumidor).

Nos termos do artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor, "O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos".

A responsabilidade objetiva do Código de Defesa do Consumidor toma por base a teoria do risco do negócio ou da atividade, a qual se harmoniza com o sistema de produção e consumo em massa, a fim de proteger a parte mais frágil da relação jurídica, o consumidor. Se o serviço foi disponibilizado na relação de consumo, a responsabilidade civil do fornecedor de serviço ao consumidor é objetiva, e assim deve ele responder por eventuais falhas ou defeitos dele.

Insta destacar que cabe à parte ré demonstrar as causas excludentes de sua responsabilidade, qual seja, a inexistência de defeito, a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiros (conforme, art. 14, § 3º, inciso II do CDC).

Delimitados tais marcos, da análise das alegações trazidas pelas partes, em confronto com a prova documental produzida, tem-se por incontroverso nos autos, ante o reconhecimento manifestado pela empresa requerida (art. 374, inc. II, do CPC/2015) que em 12/12/2024, o imóvel situado na QNP 16 CONJUNTO P LOTE 17-A APTO 102, CEILÂNDIA/DF, pela qual a autora é responsável, teve os serviços de energia elétrica fornecidos pela empresa ré suspensos, com a religação no dia 13/12/2024.

A questão posta, cinge-se, portanto, em aquilatar a regularidade da interrupção do serviço, a fim de se aferir se faz jus a autora aos danos morais alegados.

A interrupção no fornecimento de energia elétrica requer que exista um débito vencido de até 90 (noventa) dias no momento da execução da medida, além da notificação prévia ao consumidor com antecedência mínima de 15 (quinze) dias, consoante determinação prevista nos arts. 356, 357 e 360 da Resolução Normativa ANEEL nº 1.000, de 7 de dezembro de 2021, veja-se:


Art. 356. A suspensão do fornecimento de energia elétrica de unidade consumidora por inadimplemento, precedida da notificação do art. 360, ocorre nos seguintes casos:

I - não pagamento da fatura da prestação do serviço público de distribuição de energia elétrica;

II - não pagamento de serviços cobráveis;

III - descumprimento das obrigações relacionadas ao oferecimento de garantias, de que trata o art. 345; ou

IV - não pagamento de prejuízos causados nas instalações da distribuidora cuja responsabilidade tenha sido imputada ao consumidor, desde que vinculados à prestação do serviço público de energia elétrica.


Estabelece, ainda, a aludida Resolução que o restabelecimento do fornecimento de energia, em caso de suspensão indevida deve ocorrer no prazo de até 4h, nos termos do art. 362, in verbis:


Art. 362. A distribuidora deve restabelecer o fornecimento de energia elétrica nos seguintes prazos, contados de forma contínua e sem interrupção:

I - 4 horas: para religação em caso de suspensão indevida do fornecimento;

II - 4 horas: para religação de urgência de instalações localizadas em área urbana;

III - 8 horas: para religação de urgência de instalações localizadas em área rural;

IV - 24 horas: para religação normal de instalações localizadas em área urbana; e

V - 48 horas: para religação normal de instalações localizadas em área rural.


Na hipótese vertente, a autora comprova ter adimplido com os débitos vencidos nos meses de out (R$ 118,20) e nov/2024 (R$ 97,35) no dia 09/12/2024, consoante comprovantes de ID 225900311 e 225900314.

Assim, na data da interrupção dos serviços, em 12/12/2024, não havia pendência financeira sobre a unidade consumidora pela qual a autora é responsável a justificar a suspensão, sobretudo porque o pagamento fora realizado por meio de pagamento instantâneo “pix”, de modo que caberia à empresa ré, antes de efetuar o corte de energia elétrica do imóvel, certificar-se acerca do pagamento anteriormente realizado pela consumidora.

Ademais, ainda que tenha sido informada pela consumidora acerca da interrupção indevida dos serviços de energia elétrica, consoante protocolo de nº 81931865, não impugnado especificamente pela demandada, a concessionária ré apenas procedeu à religação dos serviços no dia seguinte (13/12/2024), às 15h18min, consoante consta do relatório apresentado pela própria empresa requerida em sua defesa (ID 232216944 – pág. 12), em descumprimento ao que determina a ANEEL, consoante delineado em linhas pretéritas.

Nesse compasso, forçoso, pois, reconhecer a falha na prestação dos serviços da ré, ao proceder à interrupção do serviço de energia elétrica sem que houvesse débito em aberto, e, ainda, não proceder a religação no prazo de 4h.

Assim, considerando tratar-se de responsabilidade objetiva, haja vista que a requerida é concessionária de serviço público, a suspensão indevida do serviço essencial, acarretou à consumidora acentuados transtornos e aborrecimentos, os quais se prestam a subsidiar a reparação moral pretendida. 

O entendimento no Superior Tribunal de Justiça está consolidado no sentido de que “A suspensão ilegal do fornecimento do serviço dispensa a comprovação de efetivo prejuízo, uma vez que o dano moral nesses casos opera-se “in re ipsa”, em decorrência da ilicitude do ato praticado." (AgRg no AREsp n. 239.749/RS, relator Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Turma, julgado em 21/8/2014, DJe de 1/9/2014; AgInt no AREsp 2204634/RS, relator Ministro SÉRGIO KUKINA, Primeira Turma, julgado em 12/06/2023).

Quanto ao tema, cabe colacionar 


DIREITO PROCESSUAL CIVIL. PRINCÍPIO DA DIALETICIDADE - AUSÊNCIA DE IMPUGNAÇÃO OBJETIVA DAS RAZÕES DA SENTENÇA. SUSPENSÃO INDEVIDA DE SERVIÇO CONSIDERADO ESSENCIAL. RECURSO PARCIALMENTE CONHECIDO. PRELIMINAR REJEITADA. NO MÉRITO, IMPROVIDO. 

1. Conheço da preliminar de incompetência relativa à suposta necessidade de prova técnica (perícia), porque relacionada à matéria de ordem pública e, portanto, passível de conhecimento, ainda que não tenha sido apresentada em contestação. Não se mostra necessária a realização de perícia quando os fatos controvertidos puderem ser elucidados por meio de outros elementos de prova constantes nos autos, notadamente, documentos escritos. Vale destacar que o principal destinatário da prova é o juiz, que pode limitar ou excluir aquela considerada excessiva, impertinente ou protelatória (Lei 9.009/95, artigos 5º e 33), cabendo-lhe dirigir o processo com liberdade para determinar as provas que precisam ser produzidas, para valorá-las, segundo a persuasão racional, e para dar especial valor às regras de experiência comum ou técnica, a teor do disposto no art. 5º da Lei nº. 9.099/95. PRELIMINAR DE INCOMPETÊNCIA REJEITADA.

2. Nos termos do art. 932, inciso III, do Código de Processo Civil, incumbe ao recorrente impugnar objetivamente as razões da sentença. Viola o princípio da dialeticidade peça recursal que apresente razões dissociadas da sentença, sem realizar o necessário cotejo com o julgamento que diz impugnar, porque dificulta a compreensão e impugnação eficaz por parte do recorrido, e assim, afronta o princípio do contraditório e da ampla defesa. Ausência de requisitos intrínsecos de admissibilidade que impedem o conhecimento do recurso.

3. Trata-se de ação de declaração de inexistência de débito cumulada com obrigação de fazer (retirada de inscrição junto ao Serasa) e indenização por danos morais. A sentença, por sua vez, julgou parcialmente procedentes os pedidos e declarou inexigível o débito questionado, devendo a requerida se abster em realizar qualquer meio de cobrança referente a tais parcelas, sob pena de multa a ser fixada; ii) determinou a retirada do nome da autora dos órgãos de proteção ao crédito em relação a referida fatura; iii) condenou a ré a pagar a autora o valor de R$ 1.000,00 (mil reais), a título de reparação por danos morais. 4. Como bem pontuado na sentença, o magistrado reconheceu a devida quitação do débito que embasou a restrição creditícia, bem como ponderou que o corte de energia elétrica se deu em data proibida por lei (feriado nacional), além de não haver prova da necessária notificação prévia ao consumidor acerca de eventual suspensão. Portanto, entendeu pela falha do serviço considerado essencial, a justificar a compensação pretendida.  

4. Em suas razões recursais o réu se limita a reapresentar sua tese defensiva, além de se referir a fatos que sequer aconteceram nestes autos, sem infirmar objetivamente as considerações acima referidas, logo, ignorando as razões de decidir do magistrado. Ausente, assim, a necessária conexão entre as razões do recurso e os fundamentos da sentença, condição necessária ao conhecimento do recurso, no que se refere à ocorrência da falha do serviço e do dever de indenizar. VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA DIALETICIDADE RECONHECIDA DE OFÍCIO. RECURSO NÃO CONHECIDO, nesta extensão.

5. Não há dúvida sobre a ocorrência de danos morais indenizáveis, em razão dos transtornos experimentados e, notadamente, da suspensão de serviço essencial, além da inscrição do nome da autora em cadastro de maus pagadores, sem motivo legítimo, o que também enseja danos morais “in re ipsa”. Relativamente ao arbitramento do valor da indenização aquele título, deve ser considerada a lesão sofrida, o caráter pedagógico e punitivo da medida, ponderando-se pela proporcionalidade e razoabilidade, evitando-se o enriquecimento sem causa dos autores. A par de tal quadro, considerados os parâmetros acima explicitados, o valor arbitrado pelo juiz monocrático (R$ 1.000,00) não se mostra excessivo, a amparar a sua manutenção.

6. RECURSO PARCIALMENTE CONHECIDO. PRELIMINAR REJEITADA. NO MÉRITO IMPROVIDO.

7. Diante da sucumbência, nos termos do artigo 55 da Lei dos Juizados Especiais (Lei nº 9.099/95), condeno o recorrente ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, estes arbitrados em R$500,00 (quinhentos reais) porque, se fixado em percentual do valor da condenação, resultaria em quantia irrisória.

(Acórdão 1911962, 0700646-94.2024.8.07.0021, Relator(a): DANIEL FELIPE MACHADO, TERCEIRA TURMA RECURSAL, data de julgamento: 26/08/2024, publicado no DJe: 03/09/2024.)

 

RECURSO INOMINADO. CONSUMIDOR. SERVIÇO DE FORNECIMENTO DE ENERGIA ELÉTRICA. CORTE INDEVIDO. INTERRUPÇÃO DE SERVIÇO ESSENCIAL. FALHA NO SERVIÇO DA CONCESSIONÁRIA. DANO MORALIN RE IPSA. RESOLUÇÃO 1.000/2021 ANEEL. RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO. [...]  VI. Neste contexto, é consabido que o fornecimento de energia é serviço de natureza essencial, conforme a Lei 7.783/89. De maneira que a interrupção deste serviço de forma irregular atrai para o prestador de serviço a responsabilização objetiva em indenizar a autora pelos danos morais gerados na modalidade in re ipsa. VII. No tocante à fixação doquantumindenizatório do dano moral, devem ser observado os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, as circunstâncias do fato, a capacidade econômica das partes, a extensão e a gravidade do dano, bem como o caráter punitivo-pedagógico da medida, o que foi devidamente considerado pelo Juízo a quo, não havendo motivo para a sua modificação. VIII. RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO. Sentença mantida. Condeno a parte recorrente ao pagamento de custas processuais e honorários advocatícios, que fixo em 10% do valor da condenação, a teor do art. 55, da Lei 9.099/95. IX. A ementa servirá de acórdão, conforme art. 46 da Lei 9.099/95.  

(Acórdão 1692445, 07081798120228070019, Relator: FLÁVIO FERNANDO ALMEIDA DA FONSECA, Primeira Turma Recursal, data de julgamento: 20/4/2023, publicado no DJE: 5/5/2023. Pág.: Sem Página Cadastrada.) 


Quanto ao montante a ser arbitrado a previsão reside no fato de compensar a dor afligida à vítima e punir o ofensor, desencorajando-o a perpetuar a prática ilícita contra outrem, sendo imperativo que se observe os critérios da razoabilidade e da proporcionalidade, de maneira que atendidas as circunstâncias do caso analisado, atendam também a natureza compensatória e pedagógica da medida sem se converter em enriquecimento ilícito. 

Sendo assim, com base nas considerações acima, a fixação da indenização de danos morais no montante de R$ 3.000,00 (três mil reais) é medida que se faz razoável e suficiente. 


Forte nesses fundamentos,  JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE o pedido formulado na inicial para CONDENAR a requerida a PAGAR à autora a quantia de  R$ 3.000,00 (três mil reais), a título de danos morais, a ser corrigida monetariamente pelos índices oficiais TJDFT (INPC até 31/08/2024 e IPCA a partir de 01/09/2024 – Lei 14.905 de 28 de junho de 2024) desde a prolação desta sentença e acrescida de juros de mora de 1% ao mês a partir da citação () OU pela Taxa legal se a partir de 30/08/2024 (Lei 14.905 de 28 de junho de 2024), e, em consequência, RESOLVO O MÉRITO DA LIDE, conforme disposto no art. 487, inc. I, do Código de Processo Civil de 2015. 


Sem custas e sem honorários (art. 55,  caput, da Lei 9.099/95). 

Sentença registrada eletronicamente. Publique-se. Intimem-se. 

Oportunamente, dê-se baixa e arquivem-se os autos com as cautelas de estilo. 

 


Assinado eletronicamente por: ANNE KARINNE TOMELIN
30/04/2025 18:02:51
https://pje.tjdft.jus.br/consultapublica/Processo/ConsultaDocumento/listView.seam
ID do documento: 234272095
25043018025072000000213064707
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